Por Pedro Paulo Rosa
Foto: arquivo pessoal do entrevistado
O jovem publicitário apaixonado por cinema, Alex Duarte, conversa com O HÉLIO sobre as diversas possibilidades que ele encontrou de aliar esses caminhos. Coleciona prêmios regionais e de maior porte, como o Festival de Gramado de 2009. É uma riqueza de aprendizado lê-lo. Dentre os desafios que enfrentou, o jovem gaúcho conta como foi gravar um documentário em solo haitiano três meses antes do terremoto que assolou ainda mais o país.
O HÉLIO: Qual a força que te move para
empreender tantas multiplicidades de atuação social no cinema?
ALEX
DUARTE: Fazer a diferença. Acho que estas multiplicidades nem são tantas,
apenas tento imprimir nas minhas produções o que as pessoas acabam não vendo,
por falta de tempo ou sensibilidade. Hoje a sociedade caminha depressa demais,
mas tem muita gente fazendo a diferença, tem muita coisa bacana acontecendo. E
o audiovisual possibilita isso. Minha pretensão nunca foi querer “mudar o
mundo” com os meus filmes. O importante sempre foi questionar e provocar a
reflexão. Se o mundo não se faz de acordo com as nossas necessidades, é preciso
cobrar, é preciso reivindicar e ir atrás dos nossos direitos, independente da
profissão que escolhermos.
O
Hélio: Como se caracterizaria enquanto profissional da sétima arte? Falo com relação
à marca construída e o que mais você entender como singularidade.
ALEX: Não
me considero um profissional de cinema.
Minha formação é em publicidade, mas na verdade sou um apaixonado por
cinema, e que comecei meio que de forma autodidata, fiz meu "primeiro
longa em VHS" aos 16 anos e sem nenhum conhecimento técnico. Com 300 pila
no bolso e um cinegrafista de uma pequena produtora (destas que filmam festas
de aniversário), fizemos o filme acontecer. Jamais irei esquecer a imensa fila
no dia do lançamento em 2002, que dobrava duas quadras da Praça Matriz de São
Luiz Gonzaga. Jamais vou esquecer também das críticas após a exibição. Eram
mais críticas do que elogios. Eles falavam que nos meus filmes os "mortos
se mexiam", "a iluminação estava escura" ou "que a história
era um pouco confusa". Foi aí que descobri a dura realidade que acabara de
me lançar. Eu tinha apenas 16 anos e estava descobrindo o cinema, a paixão pelo
cinema. A diferença é que eu não tinha professor, não tinha uma escola, não
sabia as técnicas. Estava no interior do Rio Grande do Sul, sem condições
financeiras e mesmo assim não desisti. Acho que minha singularidade é essa. Fui
atrás do que eu queria. Eu fiz da dificuldade uma aliada para buscar meus
objetivos, e ainda corro atrás deles. Acho que está dando certo.
O Hélio:
Me fala como avalia de que maneira o mercado de audiovisual do Brasil. Onde
percebeu avanços e retrocessos? Quais os principais desafios/obstáculos?
ALEX: O
mercado audiovisual nacional tem caminhado positivamente. Dá pra sentir no
apelo popular. A receptividade do público quanto ao cinema nacional tem sido
fundamental. Quando você tem este feedback do público no lugar onde você vive é
evidente que irá repercutir em outros países. É óbvio que não temos uma
estrutura de indústria que, em comparação, transforme parte de nossa produção
em "independente". Mas para isso, os festivais e mostras são uma vitrine
importante, para que boa parte do público tenha acesso a esses filmes. Embora
falhas, (como espaço maior para os medalhões do cinema), as leis de incentivo
conseguiram ressuscitar nossa produção, mantendo-se importantes ainda hoje. Aliás,
mais do que importantes, elas permanecem essenciais ao nosso cinema.
Se
tratando daquele cinema ainda mais independente, sem ajuda de editais, o audiovisual
tem vida, novos talentos estão surgindo. Os equipamentos foram barateados e
isso ajuda a produção de filmes. Hoje dá para fazer edição num laptop. Com 20 mil
reais dá para fazer um filme. Não tem mais desculpa, só é preciso trabalhar.
Acho que quem quer trabalhar com cinema precisa trabalhar no real, onde há
vida, vontades e histórias.
O
Hélio: Conte um pouco sobre a sua trajetória pelas artes.
ALEX: Comecei
aos 16 quando realizei meu primeiro longa em VHS “O Quinteto”. Aos 17, realizei
a sequência do filme intitulada “Jovens em Pânico”. No ano seguinte, ingressei na
universidade UNIJUI, onde me formei em
“Publicidade e Propaganda” pela UNIJUI.
Nesta época trabalhei como repórter do Jornal A NOTÍCIA , um tradicional
meio de comunicação do interior do Rio Grande do Sul. Também fui instrutor do
curso de cinema pelo Ponto de Cultura ACI- Ação Cultural Integrada (projeto de
iniciativa do Ministério da Cultura). Em 2008, trabalhei como monitor do
Projeto Geração Futura, no Canal Futura (RJ). Até agora, realizei cerca de 20
produções, entre curtas, longas, videoclipes e documentários. Um deles, “ONG-
Unidos para o Amanhã”, venceu a 17ª edição do Gramado Cine Vídeo em 2009, como
melhor vídeo universitário Gaúcho, eleito pelo voto Popular. Outras produções,
“A hora da Estrela”, “10 segundos na TV”, “SOS” e “O Caso Sócrates” foram
selecionados em festivais de audiovisual, como os de Vitória/ES, Fortaleza/CE e
Gramado/RS. Meu último trabalho, foi a realização do documentário “Haiti- A
Missão de Nossas Vidas”, que venceu em 2010, a 18ª edição do Festival Gramado Cine
Vídeo, com dois troféus: Melhor Documentário Universitário Brasileiro e Melhor
de todas as categorias. Atualmente, sou diretor de programação da Tv Ijuí, uma
tv pública da região noroeste do Estado.
O
Hélio: Nasceu no Rio Grande do Sul, correto? De que maneira seu ambiente
influencia no teu processo criativo?
ALEX: Tenho
orgulho da minha terra. Antes de gaúcho, sou são-luizense. Nasci em São Luiz
Gonzaga, uma cidade que respira música missioneira, poesia e que se orgulha das
suas tradições. Tudo isso é inspirador e ajuda no processo criativo. Minha mãe
me ensinou a valorizar antes de qualquer coisa, o que é simples. Ela costuma dizer: antes de tudo olhe para o
valor da simplicidade. Aqui neste cenário, temos bons exemplos de cineastas,
como Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, que ousam na linguagem, que
experimentam técnicas simples, que fogem do corriqueiro e nos oferecem bons
filmes.
O Hélio:
Soube que fez um belo trabalho documental em território haitiano. Conte-nos
dessa experiência.
ALEX: Foi
um projeto muito louco e audacioso. Eu estava na faculdade e queria conhecer de
perto o trabalho dos militares no Haiti. Só que nenhuma universidade brasileira
até então tinha conseguido entrar na missão para acompanhá-la, pois a liberação
funciona somente para a imprensa. Foram muitas ligações, projetos enviados e
insistência.
Eu e a colega Monique realizamos um
documentário de conclusão de curso, em que abandonamos em diversos momentos a
condição de produtores, exercendo plenamente a emoção de ser humano em plena
transformação. Tinha momentos que era difícil cumprir o roteiro, porque a gente
se emocionava com o que estava sendo filmado. Vivemos essa experiência três
meses antes do terremoto. Então nosso documentário não deixa de ser também um
registro histórico daquele país e da missão.
O Hélio:
De que maneira a experiência pelo Rio de Janeiro te adicionou saberes ou lhe
fez refletir por outros caminhos?
ALEX: Sem
dúvida, uma das melhores épocas da minha vida. O Canal Futura me trouxe em
pouco tempo (três meses) a prática televisiva e paixão pelos projetos sociais.
Hoje eu trabalho em uma tv publica do Estado RS, a Tv Ijuí. De certa forma, foi
uma influência muito forte, porque tento imprimir aqui as relações de
humanismo, as práticas educativas e a responsabilidade social que o Futura
adota e realiza. Enquanto isso, não deixo de fazer meus filmes, produções e
participar de projetos.
O Rio
de Janeiro é a minha segunda casa, porque deixei amigos de profissão e coração,
gente que fala a mesma língua, que trabalha com paixão, que canta e dialoga
ensinando. Tive grandes professores e sempre vou lembrá-los com orgulho. Fui
recebido com tanta verdade e entrega pelos cariocas, que a saudade é grande e
só aumenta a cada ano.
O
Hélio: Cinema é, de fato, uma área fechada?
ALEX: De
certa forma sim. Infelizmente nem todos os filmes conseguem chegar às salas de
cinema. Sem dúvida, elas são a principal forma de difusão dos filmes. Porém, se
pensarmos, atualmente consome-se muito mais filmes fora delas. Eu mesmo assisto
mais filmes em dvds, no computador e na tv a cabo do que nas salas. As salas
cumprem a função de apresentar os filmes à sociedade. É o momento em que o
filme recebe mais atenção pela campanha de lançamento e o boca a boca do
público. Mas existe uma estrutura muito sólida de geração de receitas nessa
estrutura. Por exemplo, as salas, o dvd
para locação, dvd para venda, entre outras formas. É uma estrutura que não se
muda com facilidade, por isso talvez a sétima arte continue sendo uma área
fechada.
O Hélio:
Cromossomo 21 é a sua atual obra artística na sétima arte. Quais as motivações
que passaram em você para escrever e dirigir esse longa-metragem?
ALEX: Sabe
aquela coisa de dar voz a quem não tem? Pensei que ao colocar o down na
condição de protagonista de um filme, conseguiria contar uma história, uma
história que ninguém conhece. A personagem da Adriele quer gritar sua
independência, quer ter um trabalho, uma família, ela sonha em amar e ter uma
vida como todos nós desejamos: ela quer ser feliz. E para se feliz ela precisa
ser respeitada. Outra
motivação foi mostrar este universo da síndrome de down. Muita gente se assusta
com o novo, com o que é diferente. É muito fácil dizer que aceita, que não tem
preconceito, mas na prática isso não funciona. A sociedade não sai desta “zona
de conforto”, porque para aceitar e incluir é necessário paciência,
conhecimento e entrega. Felizmente a sociedade caminha para a mudança e eu
acredito muito que cinema contribui neste processo.
Desde
de 2009, data em que iniciamos a produção do Cromossomo 21, estamos conseguindo
uma repercussão bacana antes mesmo do filme ser lançado. Só que o público que
queremos atingir, não são somente os familiares, professores ou quem convive
com um down. Queremos chegar exatamente naquela pessoa que jamais conheceu esta
realidade. Nossa intenção não é pregar moralidade ou levantar a bandeira de
inclusão. O filme traz estes aspectos, mas queremos que as pessoas compareçam
ao cinema para assistir uma história de amor e cheia de possibilidades.
O casal protagonista do longa metragem de Alex Duarte, "Cromossomo 21" |
O Hélio:
Quais são as expectativas para 2013?
ALEX: Mais
desafios. No cinema, na televisão, enfim, meu desejo é ter saúde e gás para
continuar trabalhar com o que eu gosto, e sentir que estou fazendo a diferença
na vida de alguém.