terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MESTRE CIÇA - O SAMBA É APRENDIZADO


Por Pedro Paulo Rosa
Foto: divulgação
Agradecimentos: Vitória Andrade


Mestre Ciça, "rei" da bateria da escola de samba Grande Rio conversa com O HÉLIO sobre a diversidade cultural que existe na escola caxiense. Dono de um olhar forte e sincero, Ciça não esconde o ânimo de encarar o Carnaval 2012 com vontade de triunfo. Após ter o barracão queimado, a Grande Rio vive um momento especial de superação. A conversa aconteceu na quadra da escola, em Duque de Caxias.

O HÉLIO: Como avalia o legado da Grande Rio?

MESTRE CIÇA – Sabe, Pedro, estamos precisando de um registro disso tudo. Aqui acontecem coisas que muita gente não sabe, como, por exemplo, a escolinha de bateria para os jovens. Eu luto muito por isso e hoje me apóiam, inclusive a presidência da escola.

O.H.: Como é que funciona esse projeto?

CIÇA – Pegamos pessoas da comunidade para a escola de bateria, para ensinar a essas pessoas a arte da música. Quando cheguei aqui, não tinha esse tipo de movimento. Geralmente, quando um mestre vai embora, todo mundo corre e vai embora com ele. Se, um dia, vier a sair, vou deixar uma bateria de qualidade aqui pra escola. O legal é que a Oficina de Bateria da Grande Rio tem apenas três anos e já capacitou mais de 100 garotos. Eles estão tocando muito bem, tanto que já desfilam.

O.H.: Quando é que o menino de oito anos acordou pra música? Quando é que essa vocação para o samba começou a entrar na sua vida?

CIÇA – Eu sou do Estácio. Meu pai participava muito dos blocos de Carnaval, sempre foi ligado em samba e eu também. O Menor foi um cara que me influenciou muito, hoje ele trabalha com Beth Carvalho. Minha origem é o  morro de São Carlos (atual  Estácio), a vocação também nasceu ali comigo e com o contato com todos os baluartes do samba. Eu não sei viver sem o samba. É mais importante que a família. Pode faltar tudo, menos samba na minha vida. Sou um apaixonado pelo Carnaval. Vivencio isso o ano inteiro. Adoro o samba! (suspiros). Não ouço pagode, eu ouço samba.

O.H.: Qual é a diferença?

CIÇA – Muita! O samba é um aprendizado. O samba tem uma história. Vou te dar um exemplo: quando o Dominguinhos do Estácio fez o “ Ti ti ti do Sapoti” (samba enredo da GRES Estácio de Sá), nunca ia imaginar o que era sapoti, da onde veio. Então, samba pra mim é cultura. Aprendi com a letra e com a música. Gosto muito também de samba enredo, principalmente os de 1940. Pagode é tudo a mesma coisa. O que vivencio mesmo é samba.

O.H.: Pra você, quais mudanças aconteceram no samba que está sendo feito hoje, um samba espetacularizado para o turismo cultural, comparando com o samba que você curtia aos oito anos no morro do São Carlos?

CIÇA – A qualidade é outra. Não que o samba de hoje seja ruim. Antigamente, quando se queria falar sobre a história de Getúlio Vargas, por exemplo, o samba tinha quase cinquenta frases. Era um outro esquema, muito mais profundo o mergulho. Hoje, se for falar desse mesmo tema, tem que ter 26 letras mais ou menos. Entende?



O.H.: Mudou tanto na letra quanto na melodia?

CIÇA – Sim. Antigamente, a letra era mais refinada e a melodia mais suave. O carnaval mudou, e a “pressa” é a palavra central disso tudo. Hoje, você desfila com quatro (4) mil componentes. Antigamente, uma bateria tinha 30 componentes. Hoje, são 300 componentes.

O.H.: Falando um pouco mais da Grande Rio, o que você acha que justifica a participação volumosa e direta de artistas globais na escola?

CIÇA – Muita gente critica, fica chamando a gente de “a escola de samba da Globo”. Acontece que é a filosofia do nosso patrono. E da própria direção da escola, que opta por isso. Agora, os artistas que frequentam a escola, como a Suzana Vieira, são pessoas antes de mais nada. E eles ajudaram a fundar a Grande Rio.

O.H.: Como é que você enxerga a participação da velha guarda aqui da Grande Rio?

CIÇA – Muito boa. Não sabia que tinha uma velha guarda tão ativa, fiquei surpreso logo quando entrei, no meu primeiro ano aqui. A musicalidade da velha guarda da Grande Rio é excepcional. A origem da velha guarda são senhores e senhoras dos blocos de carnaval antigos de Caxias. E eles têm uma afinação que é incrível.

O.H.: O atual samba da Grande Rio, carnaval 2012, fala muito de superação.

CIÇA – Costumo dizer que a Grande Rio ta pronta pra ganhar esse carnaval. A gente foi muito feliz no enredo. Calhou de chegar esse incêndio, e isso mexeu muito com a comunidade. Quando comecei aqui na escola, sentia a comunidade um pouco distante. E pensava comigo: “poxa, Caxias, um município desse tamanho, tem que ter uma comunidade aqui dentro”. Nesses últimos dois anos, a escola pegou fogo numa segunda-feira. Na terça, a quadra estava lotada de pessoas da comunidade. A direção da escola percebeu que a tinham abraçado a causa da escola.

O.H.: O samba inclui socialmente?

CIÇA – Com certeza, e também transforma socialmente. Eu gosto muito de falar sobre isso. Temos que marcar uma segunda entrevista, Pedro, maior que essa aqui para falarmos só disso. A prova de que o samba muda socialmente uma pessoa é o trabalho aqui da Grande Rio. Já fiquei duas horas com a Revista Época falando sobre o público formador da bateria. Muita gente acha que só tem marginal na bateria. E não é isso! Tem muito médico, advogado, gay, professor, policial compondo a bateria da escola de samba. Agora, claro, também tem muita gente que já esteve do outro lado, mas que agora está se regenerando com a magia do samba. Eu sou mestre de bateria? Sou. Mas, não adianta só ter o apito no pescoço. Saber lidar com 300 pessoas com problemas pessoais diferentes é uma arte! (RISOS)

O.H.: Com certeza, é uma grande tarefa.

CIÇA – Pois é, Pedro, tive que aprender um pouquinho de psicologia!

O.H.: Qual o principal desafio da escola atualmente?

CIÇA - O principal desafio da escola é esse título de 2012. Esse ano a gente espera que continue dando tudo certo!  

CONFIRA o samba enredo da GRES Grande Rio:


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