sábado, 25 de fevereiro de 2012

AJAX CAMACHO - TRILHEIRO DO SEU CAMINHO

Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Ravini Padilha
Revisão textual: Paulo Cappelli



Entre os intervalos de gravação e de muitas reuniões diárias, o diretor Ajax Camacho separa do seu corrido dia a dia uma hora e meia para almoçar com O HÉLIO. De humor rápido e fala incendiada, ele demonstra ao mesmo tempo a serenidade dos certeiros. Conta pra gente como inovou a linguagem radiofônica brasileira ao lado de grandes amigos e faz um saldo das suas marcas principais de direção, tendo sido aprendiz de Avancini e Tizuka Yamasaki. O papo começa com a sua temporada de cinco anos em Angola.

Ajax – O que eu aprendi lá foi humildade, respeito aos outros. Educação. Eles são muito educados. E, lá em Angola, um povo lindo, lindo. Um cabelo, um dente lindo. E eles são felizes! Eu lembro que a pobreza me chocou muito. Fiquei em Luanda e Luanda é uma cidade para 600 mil habitantes, mas, por causa das guerras nas províncias, muita gente migrou para lá. Tinha 4 milhões e meio de pessoas! Muita gente vivia na rua. Mas, são super limpos. As negras com aqueles tererezinhos super estilosas.

O HÉLIO.:  Por que você foi aprender a ser humilde lá?

Ajax – Eu sempre fiz meu caminho. E acho que foi um caminho vencedor. Agora, me achava bom pra caralho, sabe como que é? Me achava uma delícia demais. Com direito de não ter paciência. Os diretores com quem aprendi antes de ir para Angola foram diretores que se criaram sozinhos. Trabalhei com o Walter Avancini na novela “Xica da Silva”. E o Avancini foi um dos maiores diretores que a gente conheceu. Todo mundo bebeu da água do Avancini, que foi um diretor que entendia demais do conceito. Seja do figurino, do cenário, da história. Uma vez, perguntei a ele porque tinha a fama de ser tão grosseiro. Ele me respondeu que, na época em que se aprendia a fazer televisão, ninguém sabia nada. Aprendia fazendo. Como não sabia explicar, o “cala a boca” era a ordem geral para qualquer questionamento.

O.H.: Quer dizer, isso era o desespero do aprendiz.     

Ajax – Exatamente. Então, os diretores antigos foram criando uma certa metodologia de serem duros demais. Na verdade, quando a gente é muito inquebrantável nos nossos conceitos, perdemos muitas coisas. Antes do Avancini, trabalhei com a Tizuka Yamasaqui, que é outro ser humano que se fez. Ela é gaúcha e quase ninguém sabe disso! A conheci através de um anúncio de jornal.

O.H.:  Como é que tudo começou? A gente nasce e demora a conhecer qual é o caminho.

Ajax – Porra, é muito louco o meu começo, Pedro. Eu fazia engenharia! Num dia, numa aula de cálculo, joguei os livros pra o alto. Na época, era muito difícil passar para o vestibular. Passei para engenharia elétrica. Voltando, joguei os livros para o alto, peguei minha moto que comprei trabalhando em laboratório. Então, pagava minhas coisas e consegui comprar minha moto. No dia da aula de cálculo, informei aos meus pais que largaria engenharia e que ia fazer direito. Eles me chamaram de burro para baixo. Aí, fui fazer direito. Fiz na Bennett, que a gente costuma chamar de universe disco dance, que era tudo menos uma grande faculdade. Mas, fiz grandes amigos lá. Paralelo a isso, tinha um amigo meu dono de uma grande loja de computadores. Ele queria montar um programa de rádio. Na época, tinha uma rádio que se chamava Rádio Imprensa. Montamos um programa de rádio para meia noite, no qual entrevistávamos pessoas e tocávamos músicas não muito conhecidas. Tocávamos Marcos Valle, Cazuza etc. Aí, entrevistamos o André Uchoa, que montou uma Feira chamada Unijovem no Riocentro; nessa feira se vendia de tudo mesmo. Tudo pra jovem. Ele alugava os pavilhões só pra jovem. Isso em 1983 mais ou menos. Fomos entrevistar o André, então, que ficou apaixonado pela gente e o programa de rádio continuando. Fiz alguns trabalhos com o Paulo Cintura da Antena 1 também. Daí, um dia, lendo o JB, li uma matéria informando que uma rádio seria inaugurada em Búzios. Liguei para o jornal para saber quem deu a nota. Liguei para o meu amigo, esse que citei há pouco, que se chama Maurício, e conseguimos falar com quem estava montando a rádio em Búzios. Quem era o cara? O André Uchoa! Ele nos perguntou: Qual é o cargo que vocês querem para fazer essa rádio pra mim? Eu e Maurício nos olhamos assim de rabo de olho, afinal, morar em Búzios “é horrível “ (RISOS). Acabou que o André nos deu três cargos. Fui locutor, programador e chefe de locução. Ganhamos também uma casa de três andares, um jipe e uma moto. Eu fiquei louco! Rádio Búzios FM; e fez um sucesso do caralho. Por quê? As gravadoras, geralmente, costumam te empurrar uma playlist. Por exemplo, você vai tocar Michel Telo dez vezes por dia. Quando a gente foi montar essa rádio, a gente não quis pensar assim.



O.H.: Quebraram a ordem.

Ajax – Exatamente. Aliás, a minha vida é quebrar a ordem toda. Cheguei às gravadoras e informei que não iria seguir o playlist. As nossas grandes concorrentes, na época, eram as rádios Cidade e Transamérica. Não teve negociação. Então, fui até o dono da minha rádio e falei: vamos comprar a nossa playlist. No caso de Cazuza, por exemplo, enquanto as gravadoras queriam que a gente tocasse Ideologia, a nossa rádio tocava uma música que achava que tinha a cara de Búzios. A antena da gente era muito poderosa, pegava toda a região dos lagos do Rio. Rio das Ostras, Macaé, o caralho e o diabo! Quando a galera começava a sair da ponte, já começava a pegar a gente  (Búzios FM). Começaram a sintonizar e ficaram malucos. Os caras das gravadoras iam para Búzios e nos escutavam tocando pra caramba, cativando a galera. Fico todo arrepiado falando nisso, cara!

O.H.: – Nesse meio tempo, o Direito já tinha morrido, né?

Ajax – Depois fui sacar porque fiz Direito. Na verdade, o advogado é aquele cara que gosta de aparecer. Cheguei para as gravadoras e falei: testa os lançamentos que vocês têm medo de lançar no Rio e deixa eu testar em Búzios. Se der certo, a gente toca para frente! E aí o pessoal ficou louco, Pedro! Quer ver uma coisa, por exemplo? Ninguém tocava “Sweet child o´mine” do Guns N´ Roses porque tinha 9 minutos. Nós, da Búzios FM, podíamos tocar e tocamos!

OH.:  – Se abriram para a criação, então.

Ajax -  Sim. Até que o Carlos Townsend, da CBS, trouxe para a gente uma fita cassete* do Pink Floyd que ninguém tinha. Era Pink Floyd ao vivo direto dos Estados Unidos. Não havia tocado em nenhuma rádio! Tocamos duas horas e meia! Só paramos para vinhetar e comentar no meio. Cara! Foi um sucesso. Então, os atores iam para lá e a gente entrevistava eles, como Claudia Raia, Malu Mader. George Israel (Kid Abelha) também ia muito para lá com a Paula (Toller). Abríamos para eles fazerem ao vivo na Búzios FM. E aí aconteceu uma coisa do caralho: as gravadoras passaram a me passar coisas novas, como Midnight oil, R.e.n e etc.

OH.: O que você queria e tentou batalhar lá trás.

Ajax – Exatamente. Ah, é legal falar também que, antes de entrarmos de fato para assumirmos a rádio, rolou um teste. Fiquei trancado numa sala para fazer a programação. Cada música com, mais ou menos, três minutos e meio. Tinha que fazer programação de uma hora, depois de duas horas, depois de cinco horas. Aí, era preciso uma programação de uma semana. E isso sem sair da mesa! Só recebendo comida. Então, porra, eu pensava assim: bom, sete horas da manhã, vou colocar um Zé Geraldo, depois posso cair para Simone, depois posso cair para um Pink Floyd, depois vou aumentando a aceleração, dez horas neguinho na praia em Búzios, Jeribá, fumando maconha igual a um louco, ao meio dia entregava a programação para duas da tarde já estar bombando! Aí, de noite, entrava Fagner, Geraldo Azevedo e Nara Leão e Bruce Springsteen com uma gaitinha. E assim ia fazendo, inventando, sentindo. Eu fazia miséria, cara. Em Búzios, você tinha que ter uma locução mais direta, mais rápida. O pessoal lá quer fumar maconha, tomar uma cerveja e se dar bem.

O.H.: Você sente essa mesma ousadia nas rádios atuais?

Ajax – Não, nunca. A Oi FM tentou imitar a gente, mas não conseguiu. Não fazem essa costura maluca que eu fazia. Mexer com os ritmos, saber o que a galera queria ouvir naquele momento. Metíamos Frank Sinatra e Marina Lima uma da tarde, por exemplo. Nunca houve uma rádio que tivesse feito uma hora sem break. Nós começamos a fazer por necessidade e depois a Transamérica copiou e bombou.

O.H.: E como foi a transposição de linguagem do rádio para a TV?

Ajax - Paralelo à rádio, ajudamos a montar um programa na TV Búzios. Tudo idéia do João Uchoa e Júlio Uchoa. Teve um cara chamado Guto Franco, filho do Moacyr Franco, que falou “pô, Ajax, você leva jeito para isso! Vamos pra São Paulo. Eu te arrumo um estágio no SBT”. Saí da rádio Búzios e fui com a cara e a coragem para São Paulo aprender observando o programa “A Praça É Nossa”. Aí, chego um dia no Rio de Janeiro para visitar a minha mãe. Abro O Globo e leio que a Tizuka Yamasaki iria abrir curso para roteirista, direção etc. Falei assim comigo: vou fazer esse curso. Cheguei lá de bermuda, cabeludão e vi a Tizuka com uma calça de couro e uma assistente dela com jaqueta de couro. Eu pensei: essas mulheres vão me odiar porque achei que elas fossem sapatão. Detalhe: a Tizuka nunca foi sapatão. Eu fiz o curso e ela me adorou. O curso durou três meses, fui o primeiro da turma e ganhei bolsa para mais um ano. Depois, ela me chamou para trabalhar como assistente de direção. No curso de interpretação para TV, por exemplo, eu filmava. Depois da análise da Tizuka; eu, com a minha língua grande descia o pau nos atores. Dizia mesmo, olha, acho que errou ali, ali e ali. Fizemos curso na CAL e na Caixa Econômica Federal. No curso da Caixa, conheci a Ingrid, minha atual mulher. No começo, não achei nada demais nela. Mas, fiz uma cena com Ingrid e eu estava gravando um momento espetacular, adaptação de 100 anos de solidão de Gabriel Garcia Marques, fiz um close no rosto da Ingrid, cabelo voando batendo no rosto. Fiquei loucamente apaixonado e falei: caralho, que olhar é esse? Depois de gravarmos, a gente estava no Centro, fomos comer no restaurante Amarelinho.  Era noite e chovia. Fui ao banheiro, e saindo cruzei com a Ingrid. Olhei para ela e disse: a gente nunca vai poder se beijar, porque senão vamos ficar juntos. Dito e feito; três meses depois, nos casamos e estamos juntos até hoje.

O.H.: Tizuka te iniciou, podemos dizer?

Ajax – Sim. Ela é de um apuro técnico absurdo. Muito generosa, não guarda truques para si. Ela me ensinou muita coisa. Tem dois pensamentos seus que me marcaram muito; o primeiro é que ela me disse que o meu primeiro “gravando” seria muito difícil de falar. E foi mesmo. A segunda coisa: “faz teu filme primeiro. Depois que você ver as dificuldades que rolam, aí você vai poder falar mal do filme dos outros”. Então, nossa amizade foi espetacular.

O.H.: Mas aí, então, você montou o seu próprio curso depois?

Ajax – Isso. Procurei a Carla Souza Lima (morta há pouco tempo) da agência de modelos Elite e propus para ela um curso de atuação para modelos, para que as modelos também pudessem atuar, mas com qualidade. Sentei com projetinho na mão, gel no cabelo encaracolado e falei que ela iria ganhar de todas as formas, com as meninas fazendo novela, comercial, desfile. Daí, coloquei a Ingrid para fazer a aula de esquenta com os atores. O dia que a agência Elite aprovou de vez meu projeto, mostrei para a Ingrid, que foi lendo folha a folha e viu o nome dela na equipe. Começou a chorar. E aí, com o tempo, comecei a ficar muito bom diretor de atores.


O.H.: Qual o teu diferencial na direção naquela época?

Ajax - Eu faço um esquenta diferente. A Ingrid lia o texto para os atores e ia na necessidade deles.  Ela fazia o esquenta com eles antes e ela os ensinava a decupar o texto! Os atores não sabem decupar o texto! A Ingrid adaptou um método do húngaro Rudolf Laban, que era a kinesfera e o espaço do desejo. A kinesfera é quando você se comunica com os outros. Eu fico arrepiado! É um negócio genial. E também tem as velocidades. Tem personagem que está com espaço emocional a 60 km por hora. Não contentes com isso, nós dois criamos um negócio chamado slogan do personagem, que até hoje faço aqui dentro da Globo. O meu slogan de vida, por exemplo, se chama INTENSO. Se a gente for tomar uma cerveja, vou beber a cerveja como se ela fosse a melhor do mundo. E ela será. Por exemplo, agora, essa nossa conversa, está sendo o melhor momento do meu dia. Podia estar o Papa aqui, mas essa conversa que é do caralho. Entendeu? Então, sou intenso. Mas, se for criar um personagem frouxo, mesmo que na rubrica do meu roteiro esteja indicando uma discussão entre mim e o personagem frouxo, o “vai se foder” do personagem frouxo tem que soar medroso! Ele jamais vai poder me ganhar no texto, na fala e na ação. Como é que o frouxa transa?




O.H.: E o silêncio é importante, Ajax, no seu processo de direção e condução dos personagens?

Ajax – Com certeza! O silêncio é muito importante. É o subtexto.

O.H.: Você acha que a televisão pode investir mais no silêncio?

Ajax – Com certeza. E também em máscaras faciais. As pausas são muito necessárias. Depois da kinesfera, tem o espaço interno, quando a gente fala para si. E tem o espaço do desejo, que é a holografia. O público tem que ver a imagem na fala. Por exemplo, quando você fala que tomou um suco de limão bem ácido, você tem que transmitir para o outro o que você sente internamente. Por exemplo, quero beijar a tua boca. Você tem que me ver te beijando. Isso, Pedro, esse método, eu boto em Malhação, botei em Xica da Silva. E, por exemplo, se você é um ator sensível, você tem que ver e saber se o seu colega está passando por momentos maus na vida pessoal. Por exemplo, a Letícia Spiller está preocupada com a filha, que contraiu sarampo. E aí você precisa contracenar com o personagem e com a atriz. Tem que chamar mais atenção. Ser mais habilidoso.

O.H.: O que você acha que está trazendo de diferente para a Malhação, já que é o produto com o qual está trabalhando atualmente?

Ajax – Pedro, tenho aprendido muito com o Mário Márcio. Já o admirava desde a época do Você Decide. Isso agora está me lembrando uma discussão que tive com Avancini. Falei para um ator que fazia um capitão do mato que ele precisava ser mais do mato! Perguntei se ele não reparava que, quando a gente anda no mato, dá aquelas coceirinhas de carrapicho pinicando. Sugeri que ele fizesse uma força externa e começasse a se coçar. Porra, e foi o pulo do gato do personagem! O cara quase me deu a bunda por essa dica! (RISOS). Depois disso, saiu uma nota no jornal dizendo que eu e Avancini brigamos. E nada disso tinha acontecido. Mas, acabamos mesmo nos separando depois dessa nota de discórdia. Um mês depois, vim para a Globo para fazer Você Decide, com o diretor de núcleo Herval Rossano, isso em 1997. Mesmo sendo diretor, ia ver os outros diretores gravando, fui percebendo os estilos. E me apaixonei pela tranquilidade do Mário Márcio. Aprendi que a gente precisa ser calmo no set.  Minhas referências eram Tizuka e Avancini, que são tensos no set. Quando o Avancini entrava pra gravar, não podia cair um prego. Uma vez, ele gravando cena com a Drica (Moraes), fui falar alguma coisa que não lembro e escutei: “Ajax, quando eu estiver dirigindo, só eu falo.” Caralho, Pedro, me caguei todo. (RISOS). Avancini mais tarde me deu um conselho: Ajax, fala mais baixo porque dá poder falar baixo. - Desculpa, Avancini, até hoje não consegui falar baixo! Desculpa. Fui notando que você pode ser parceiro do ator e não patrão do ator. Voltando a Angola, lá pude ser mais desprendido porque podia ensinar. Fiquei mais maleável e menos egoísta nos meus pensamentos. Isso Angola me deu. Quando retornei ao Brasil, após cinco anos na África, me senti muito melhor na profissão. Focando no atual trabalho, Malhação, acho que somei com o Mário Márcio deixando o set calmo. Então, o set do nosso trabalho é feliz. Dirigimos os atores e demos tempo a eles. É gostoso de gravar. O resultado sai bom.
O.H.: O que mudou efetivamente na abordagem?

Ajax – A Ingrid (roteirista) agregou na Malhação a periferia e jovens que conseguem realizar suas coisas, seus projetos, seus estudos. A diferença dessa Malhação é: os jovens são eles mesmos, contam as suas histórias por eles mesmos. Estamos com um texto quase que falado, bem coloquial e fluido. E a nossa direção é muito naturalista com o realismo.

O.H.: Nesse sentido, vocês não estão trabalhando reforçando estereótipos, mas sim ressaltando os slogans de cada personagem?

Ajax – Porra, é isso aí. Exatamente. Mostramos o jovem contemporâneo que achamos em qualquer lugar.

O.H.: E como foi a escolha dos atores? Pensaram mais em colocar negros, por exemplo?

Ajax – Sim. Na verdade, temos uma legítima miscigenação nessa temporada do Malhação Conectados. Tem gente do Sul, tem gente de Salvador; tem o Pedrinho do cavaco. Temos mineiro com sotaque, paulista com sotaque. Eles falam do jeito deles. Somos um caldeirão cultural que é espetacular. Quando a direção é segura, a gente deixa o ator criar. O bom diretor é quando ele cutuca no ator o que o ator entendeu no texto. Foi difícil montar o elenco, fizemos muitos testes. Fomos muito rigorosos.

O.H.: Como você avalia essa fala do “tem que passar pelo teatro primeiro para depois ir pra TV”?

Ajax – Acho que, se você tiver talento sozinho, pode fazer como quiser. O teatro te dá segurança dos esquetes, te dá embasamento. Enriquece. O mesmo é para o cinema. São artes que agregam emoção.

O.H.: Como você se posiciona diante da televisão?

Ajax – Acho a televisão fantástica. Primeiro pela forma como ela foi conduzida no Brasil. Quando a TV Globo montou a sua rede, ela unificou o país. A mesma língua que se falava no cu do Rio Grande do Sul, se falava no cu do Acre. A Globo uniu o país na língua, na moda, no pensamento.

O.H.: Explica mais.

Ajax – Então, o país ficou sólido culturalmente, quero dizer. E levou a cultura brasileira para o mundo. Então, a TV é um veículo disso tudo. Agora, é óbvio que muita merda você pode aprender com esse veículo. Depende do coração que você guarda dentro de você. A TV acrescenta muita coisa. Vejo também coisas horrorosas na televisão; exemplo: programa evangélico. Agora, a censura tende a empobrecer a televisão. Ta fodendo tudo; é uma censura maluca.



O.H.: Tem diferença entre arte e entretenimento?

Ajax – Tem total. BBB é entretenimento. Super Man também. Agora, você vai assistir um Lars Von Trier em Melancolia é bem diferente ou assistir ao lindo documentário Dzi Croquettes da Tatiana Issa também é outra coisa bem diferente. É cultura. Você vai para aprender e trocar.

O.H.: Quando que o seu trabalho vira ferida?

Ajax – Boa pergunta... acho que, acho não, tenho certeza. Quando tenho que fechar uma cena porque o tempo não está dando, mas vejo que a cena ainda poderia render bem mais. Eu vejo que o ator dá mais, que a cena pede mais, mas quando o horário acaba, é em ponto. Não há negociação.

O.H. : Você acha que as novas mídias, a internet, vêm ameaçar a TV?

Ajax – De modo algum. Acho que só reforçam a TV. Tanto que a maioria dos trend topics do Twitter são cenas de novela. Você viu o cara que a mulher empurrou no BBB? Trend Topics. Pedro, nunca me conformei com o que me deram. No bom sentido, ok? Por exemplo, vou ser advogado. Terei que ser fora do óbvio, porque não tenho pai juiz nem tios com escritórios no Centro da Cidade. Entende? As minhas coisas são muito voltadas para o social do ser humano. Então, a pessoa que não tem grana nem pistolão, ela tem que ser compulsivamente persistente. E o que fode o ser humano é que ele costuma fazer as coisas pela metade. Ah, eu ia correr hoje, mas daqui a dez minutos. O que fode é a gente não querer ser melhor. Você pode criar o seu caminho em qualquer profissão. Nunca deixei as pessoas trilharem o meu caminho. Sempre busquei alternativas para me tornar melhor na minha profissão. Seja como locutor, como programador musical, seja como diretor de televisão ou como professor de curso para atores.

O.H.: Voltando a Angola, qual momento te marcou mais lá?

Ajax – (pensativo. Suspira) Ah, Pedro, vi muita criança morrer. Tinha direito a umas pizzas para meus lanches. Dava tudo às crianças. Em Angola, vi um menino morrer dentro de uma candonga (van). E isso era totalmente normal para eles. A pessoa com 20, 18, 30 anos era normal, num espaço de três dias, morrer de fome ou de alguma doença. Vi muito linchamento na rua também. A morte de perto me marcou muito. Tanto quanto a alegria dos angolanos. Ela, certamente, marcou minha vida de forma bem potente. Se pudesse escolher um segundo país, com certeza, seria Angola. Lá, aprendi muito a generosidade e a compaixão. Isso também me lembrou agora o Dalai Lama. Está tudo conectado, Pedro, tudo. Você, por exemplo, tem uma energia bacana e desse papo surgiu uma conexão. Simples assim. Se você pode indicar um caminho para alguém, porra, isso não tem preço! A gratidão e a generosidade são o que me movem. Junto, claro, com o meu slogan, que é intensidade. (RISOS)












terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MESTRE CIÇA - O SAMBA É APRENDIZADO


Por Pedro Paulo Rosa
Foto: divulgação
Agradecimentos: Vitória Andrade


Mestre Ciça, "rei" da bateria da escola de samba Grande Rio conversa com O HÉLIO sobre a diversidade cultural que existe na escola caxiense. Dono de um olhar forte e sincero, Ciça não esconde o ânimo de encarar o Carnaval 2012 com vontade de triunfo. Após ter o barracão queimado, a Grande Rio vive um momento especial de superação. A conversa aconteceu na quadra da escola, em Duque de Caxias.

O HÉLIO: Como avalia o legado da Grande Rio?

MESTRE CIÇA – Sabe, Pedro, estamos precisando de um registro disso tudo. Aqui acontecem coisas que muita gente não sabe, como, por exemplo, a escolinha de bateria para os jovens. Eu luto muito por isso e hoje me apóiam, inclusive a presidência da escola.

O.H.: Como é que funciona esse projeto?

CIÇA – Pegamos pessoas da comunidade para a escola de bateria, para ensinar a essas pessoas a arte da música. Quando cheguei aqui, não tinha esse tipo de movimento. Geralmente, quando um mestre vai embora, todo mundo corre e vai embora com ele. Se, um dia, vier a sair, vou deixar uma bateria de qualidade aqui pra escola. O legal é que a Oficina de Bateria da Grande Rio tem apenas três anos e já capacitou mais de 100 garotos. Eles estão tocando muito bem, tanto que já desfilam.

O.H.: Quando é que o menino de oito anos acordou pra música? Quando é que essa vocação para o samba começou a entrar na sua vida?

CIÇA – Eu sou do Estácio. Meu pai participava muito dos blocos de Carnaval, sempre foi ligado em samba e eu também. O Menor foi um cara que me influenciou muito, hoje ele trabalha com Beth Carvalho. Minha origem é o  morro de São Carlos (atual  Estácio), a vocação também nasceu ali comigo e com o contato com todos os baluartes do samba. Eu não sei viver sem o samba. É mais importante que a família. Pode faltar tudo, menos samba na minha vida. Sou um apaixonado pelo Carnaval. Vivencio isso o ano inteiro. Adoro o samba! (suspiros). Não ouço pagode, eu ouço samba.

O.H.: Qual é a diferença?

CIÇA – Muita! O samba é um aprendizado. O samba tem uma história. Vou te dar um exemplo: quando o Dominguinhos do Estácio fez o “ Ti ti ti do Sapoti” (samba enredo da GRES Estácio de Sá), nunca ia imaginar o que era sapoti, da onde veio. Então, samba pra mim é cultura. Aprendi com a letra e com a música. Gosto muito também de samba enredo, principalmente os de 1940. Pagode é tudo a mesma coisa. O que vivencio mesmo é samba.

O.H.: Pra você, quais mudanças aconteceram no samba que está sendo feito hoje, um samba espetacularizado para o turismo cultural, comparando com o samba que você curtia aos oito anos no morro do São Carlos?

CIÇA – A qualidade é outra. Não que o samba de hoje seja ruim. Antigamente, quando se queria falar sobre a história de Getúlio Vargas, por exemplo, o samba tinha quase cinquenta frases. Era um outro esquema, muito mais profundo o mergulho. Hoje, se for falar desse mesmo tema, tem que ter 26 letras mais ou menos. Entende?



O.H.: Mudou tanto na letra quanto na melodia?

CIÇA – Sim. Antigamente, a letra era mais refinada e a melodia mais suave. O carnaval mudou, e a “pressa” é a palavra central disso tudo. Hoje, você desfila com quatro (4) mil componentes. Antigamente, uma bateria tinha 30 componentes. Hoje, são 300 componentes.

O.H.: Falando um pouco mais da Grande Rio, o que você acha que justifica a participação volumosa e direta de artistas globais na escola?

CIÇA – Muita gente critica, fica chamando a gente de “a escola de samba da Globo”. Acontece que é a filosofia do nosso patrono. E da própria direção da escola, que opta por isso. Agora, os artistas que frequentam a escola, como a Suzana Vieira, são pessoas antes de mais nada. E eles ajudaram a fundar a Grande Rio.

O.H.: Como é que você enxerga a participação da velha guarda aqui da Grande Rio?

CIÇA – Muito boa. Não sabia que tinha uma velha guarda tão ativa, fiquei surpreso logo quando entrei, no meu primeiro ano aqui. A musicalidade da velha guarda da Grande Rio é excepcional. A origem da velha guarda são senhores e senhoras dos blocos de carnaval antigos de Caxias. E eles têm uma afinação que é incrível.

O.H.: O atual samba da Grande Rio, carnaval 2012, fala muito de superação.

CIÇA – Costumo dizer que a Grande Rio ta pronta pra ganhar esse carnaval. A gente foi muito feliz no enredo. Calhou de chegar esse incêndio, e isso mexeu muito com a comunidade. Quando comecei aqui na escola, sentia a comunidade um pouco distante. E pensava comigo: “poxa, Caxias, um município desse tamanho, tem que ter uma comunidade aqui dentro”. Nesses últimos dois anos, a escola pegou fogo numa segunda-feira. Na terça, a quadra estava lotada de pessoas da comunidade. A direção da escola percebeu que a tinham abraçado a causa da escola.

O.H.: O samba inclui socialmente?

CIÇA – Com certeza, e também transforma socialmente. Eu gosto muito de falar sobre isso. Temos que marcar uma segunda entrevista, Pedro, maior que essa aqui para falarmos só disso. A prova de que o samba muda socialmente uma pessoa é o trabalho aqui da Grande Rio. Já fiquei duas horas com a Revista Época falando sobre o público formador da bateria. Muita gente acha que só tem marginal na bateria. E não é isso! Tem muito médico, advogado, gay, professor, policial compondo a bateria da escola de samba. Agora, claro, também tem muita gente que já esteve do outro lado, mas que agora está se regenerando com a magia do samba. Eu sou mestre de bateria? Sou. Mas, não adianta só ter o apito no pescoço. Saber lidar com 300 pessoas com problemas pessoais diferentes é uma arte! (RISOS)

O.H.: Com certeza, é uma grande tarefa.

CIÇA – Pois é, Pedro, tive que aprender um pouquinho de psicologia!

O.H.: Qual o principal desafio da escola atualmente?

CIÇA - O principal desafio da escola é esse título de 2012. Esse ano a gente espera que continue dando tudo certo!  

CONFIRA o samba enredo da GRES Grande Rio:


&;

Trecho filmado da entrevista com Pedro Rios Leão

Confira trecho filmado da entrevista exclusiva e esclarecedora de Pedro Rios Leão a Pedro Paulo Rosa - Blog e Programa O Hélio (www.ohelio.blogspot.com), Pedro Rios Leão ressalta em seu depoimento a importância da mobilização política não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil. Vale ressaltar que o Blog O Hélio foi o primeiro veículo a cobrir a fala de Pedro Rios Leão após greve de fome.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PEDRO RIOS LEÃO: NINGUÉM QUER MORRER À TOA



Por Pedro Paulo Rosa
Foto/Filmagem: Rany Carneiro
Colaboração: Antônio Henrique Campello
Revisão textual: Paulo Cappelli

O Blog O HÉLIO, desde o seu inicio, se propõe a ouvir a maior diversidade de vozes e pensamentos possíveis. Por isso, conversa com exclusividade na casa do jovem carioca Pedro Rios Leão ("branco e da zona sul", como ele diz, é um de seus mecanismos de defesa à truculência policial). Com forte atuação política, Pedro demonstra fundamentação em suas afirmativas que buscam uma nova alternativa de mentalidade social, econômica e política aos brasileiros. Na conversa, falamos sobre juventude, remoção, política de segurança nacional e revolução do campo semântico. Para Pedro Rios Leão, a disputa está no “sentido das coisas”.

Pedro - As pessoas têm que entender que uma revolta no aparelho de repressão é uma oportunidade histórica. Bater no policial é só um jeito de apanhar para sempre. Quando você diz que o Rio estava em guerra, isso é uma mentira. É só pra você escolher qual lado do oprimido você quer  para ficar batendo.

O.H.: Qual a sua formação, Pedro?

Pedro Rios Leão – Cara, eu fiz comunicação na UFRJ, mas abandonei o curso, porque é uma merda. Tive alguns professores bons lá dentro. Tive uma formação de moleque de ler muito. Li muito filosofia clássica, metafísica alemã; li depois muita literatura contemporânea. Gosto do muito dos franceses. Li muito Marx, Lênin, Hegel, Engels. Me interessei por política lendo Aristóteles, Maquiavel e Spinoza.

O.H.: Qual teu posicionamento político?

Pedro – Os partidos, até agora, não apresentaram uma alternativa viável e válida dentro do que eu considero uma democracia.

O.H.: E o que seria essa democracia válida?

Pedro – Uma democracia que não seja baseada em abuso de poder econômico. Onde haja, realmente, representatividade. Sem que o Congresso se torne um balcão de negócios. E, cara, dinheiro com dinheiro é pior que imã, né, amigo? Em nenhum momento da história do capitalismo, o ritmo de enriquecimento foi maior do que o ritmo de empobrecimento.

O.H.: Então, estou falando com um marxista?

Pedro – Sim, eu sou.

O.H.: Você curte as coisas que fazem sentido, que se relacionam, né? Em que medida a sua greve de fome em frente à TV Globo se correlaciona com a greve dos PMS?

Pedro – É, as coisas são quase idênticas. Cara, eu acabei de sair do ato mais brutal que a polícia já cometeu nos últimos anos. Eles fizeram um massacre em cima de seis mil pessoas (caso Pinheirinho) a mando do Naji Nahas e aí você vê como o Estado trata os policiais de São Paulo e como o Estado trata os policiais da Bahia.

O.H.: Explica pra gente essa diferença de tratamento.

Pedro – Bom, simples: o Estado está tomado por criminosos. Os que matam pessoas são aqueles que cumprem ordens, são premiados. Estão acima da lei, ninguém investiga. Ninguém denuncia. Há quantas denúncias contra os PMS de São Paulo que estavam matando e ocultando os corpos? Ninguém faz nada! Eu estava numa manifestação de uma mãe que tenta exumar o corpo do filho dela, que foi morto por seis agentes do DEGASE. E o diretor do IML tenta esconder, e a polícia tenta esconder, sabe? E os assassinatos que aconteceram em São Paulo agora?! Aí, a mídia tenta esconder e a casa das pessoas foi derrubada em dois dias numa ação orquestrada por criminosos que tomam conta do Estado.

O.H.: E você pensa que isso tudo se origina de que forma?

Pedro – Isso tem uma origem a partir do momento em que a gente vive num sistema de mercado, onde um governador é eleito por uma força de indústrias e um Congresso funciona como uma máquina de lobby. As pessoas vão se fodendo, se fodendo... Se oprimindo, se oprimindo até o momento limite. Ninguém mais quer morrer à toa, meu amigo! O que os policiais falam é: “boa parte de nós quer ser honesto”. Só que não tem como, senão você morre! Por que interessa ao Governo ter corrupção? Hoje em dia, todo mundo sabe que uma das maiores fontes de renda é a milícia. Pra onde vai todo esse dinheiro?



O.H.: Pra onde?

Pedro – (RISOS) O Governador tem interesse de manter essa corrupção no Rio de Janeiro, que é cheio de curral eleitoral. Existe hoje uma guerra; eu achei um ato irresponsável do Governador Geraldo Alckmin atirar na Polícia Federal. Isso denota claramente essa guerra interna no Estado. Existem elementos do governo federal altamente acuados e o que estou tentando fazer é dar contexto político para eles agirem, porque não existe discussão jurídica nesse país: a lei está suspensa no Brasil. O que há é uma disputa política gravíssima. E que bom que algumas forças de repressão estão se revoltando. A sociedade tem que ir à rua e abraçar essa luta. Os policiais estão cansados de tomar tiro por causa de banqueiro. Se o policial tiver um salário honesto pra sobreviver, o policial vai preferir a se arriscar. Todo mundo ta cansado de ser cão de guarda na polícia. E só eles tomam culpa; o tempo todo, a polícia é o vilão desse país. As pessoas não entendem que não é bater no policial, chutar policial agora é proteger os bandidos de cima. Tem uma quadrilha infiltrada aparelhando o Estado, o Naji Nahas, o Cabral, o Alckmin, o Daniel Dantas que usam a polícia como uma gangue. E quais são as armas que eu tenho? Podem ser prosaicas, mas: sou branco e sou da zona sul do Rio. Ah! E tenho acesso à internet. Cara, pra você ter uma ideia, o terreno onde havia a comunidade do Pinheirinho vale R$ 400 milhões de reais. O capitalismo ganhou da democracia.

O.H.: Quando o Lula venceu, no primeiro mandato, você sentiu esperança de que estes aspectos relatados e visto como comuns, no Brasil, fossem superados no sentido de serem eliminados?

Pedro – Olha, foram melhorados. Foram melhorados... (suspiros) Se o José Serra tivesse sido eleito, a gente teria 5 milhões de pessoas na rua. A gente teria greve. Porque, o Lula, tem um lado bom dos políticos conservadores mais antigos. Ele mantém a classe média dele viva. O Lula tem uma política econômica muito eficiente para o capitalismo. O que ele fez agora foi o que os EUA fizeram em 1930; o Presidente Roosevelt contratava gente pra abrir os buracos das ruas de Nova York e depois contratava gente pra cobrir esses mesmos buracos. Quando o capitalismo super concentra, ou seja, quando há uma concentração demasiada na indústria e nas forças produtivas e os reliz vagabundos não têm mais grana pra consumir, aí você vai e faz um programa de distribuição de renda. Por que a gente se reúne em sociedade? Porque a gente tem medo da morte. Maquiavel.

O.H.: Fala mais.

Pedro – Maquiavel escreveu sobre a organização do Estado, mas a televisão faz as pessoas acreditarem que ele escreveu um livro sobre como passar a perna nos outros (RISOS) e o nome dele virou adjetivo de vilão da Disney. Temos medo da morte, porque sozinho, a gente morre. O homem, biologicamente, é bando. Tanto que o pânico se espalha com força social. O coletivo faz uma noção de comportamento que julga são ou salutar. Sabe? O pânico se espalha até que se gere uma nova ordem. E as pessoas querem ordem. Por isso que a gente tem os conservadores; as pessoas estão desesperadas, não querem ver o massacre que estão na cara delas. Mas, esse véu vai cair. Cara, na boa, acho uma ofensa alguém virar e falar que não teve morte em Pinheiro; é só olhar os vídeos.

O.H.: Por que você escolheu a greve de fome como forma de manifestação? Se inspirou em alguém?

Pedro – Não, não me inspirei em ninguém. O cidadão obediente, o cidadão de bem, prefere sempre se manter na ordem, ninguém quer morrer à toa. É como um cara que se imola; caralho, “ele está falando sério”. Isso faz as pessoas ponderarem melhor. Por isso, escolhi a greve de fome. E a imagem é muito forte. As pessoas precisam sair dessa bolha de segurança delas de alguma maneira. Por exemplo, em Pinheirinho, as provas estavam evidentes. Mas, assim, não ia filmar corpos porque a PM ia sumir comigo, simples assim. Mas, fiz um vídeo contundente pra trazer para cá, pra zona sul do Rio de Janeiro. Não existe distância. O que está em Pinheiro está aqui no Rio. Quantas remoções ainda vamos ter pela frente?

O.H.: Já tivemos muitas e ainda teremos várias ...

Pedro – Não vamos, não; não vamos não ... sacou? A gente começa um trabalho que pode parecer de formiga, mas estamos diante de duas rupturas econômicas muito sérias. Mesmo que o governo Lula tenha sido bom para a economia nacional, o processo tributário, o processo capitalista que acomete o mercado privado, no Brasil, já está muito elevado. Hoje em dia, o cara da zona sul do Rio de Janeiro se forma na UFRJ, estuda feito um cão pra trabalhar 14, 15 horas por dia. Se não trabalhar, tem quem trabalhe. A CLT já foi jogada no lixo há muito tempo! No mercado privado, o assédio moral é implícito. Em qualquer área, Pedro. Então, meu irmão, ta todo mundo puto. A depressão é endêmica. Isso tudo, trabalhar 14 ou 15 horas por dia, para dividir a casa com mais dois amigos.



O.H.: – Ao mesmo tempo, você fala que ser branco e da zona sul é um mecanismo de defesa teu, né?

Pedro – Ah, claro, se eu fosse negro e da zona norte, a guarda municipal não me daria nem “oi”. Sacou?

O.H.: A greve de fome como foi pra você fisicamente? Sentiu alguma coisa muito estranha no corpo?

Pedro – Não sei dizer. Tenho um preparo físico muito bom. Antes de fazer a greve de fome, eu corria 10 km todo dia. Eu já era muito leve. Pesava 68 kg e fui pra 56 kg. Agora, no dia seguinte, já estou com 58 kg. Engraçado, você recupera rápido. Nos primeiros dias eu senti muita fome, e eu tinha saudade da comida. Foram 11 dias. A primeira coisa que comi foi uma banana. Dá vontade de fazer de novo, só pra comer a banana novamente. Sabe o que é ficar 11 dias sem pôr nada na boca, só bebendo água? (RISOS) Eu ficava gargalhando.

O.H.: Algum funcionário da Globo parou pra falar com você durante a greve?

Pedro – Sim. A Globo tentou me mandar um assistente social, só que não sou idiota. A assistente ia lá, ia dizer que eu sou maluco e a Prefeitura ia me tirar de lá. Pegaram uma funcionária qualquer, ela chegou em mim, perguntou se tinha alguém filmando e me disse que “a empresa” queria mandar uma assistente social pra mim, mas que não queria ninguém filmando.  Disse a ela que precisava ver o governador de São Paulo preso e não de uma assistente social. E para o chefe dela ir tomar vergonha na cara.

O.H.: Pedro, você acha que a participação, efetiva, da população brasileira como um todo acontece quando? Isso é possível dentro de um histórico de revoluções, digamos, chamadas de “sufocadas” e “isoladas”?

Pedro – Acho que isso é possível e urgente.

O.H.: Fico pensando no Brasil, tão diverso e diferente e – ao mesmo tempo – as pessoas vidradas no Big Brother, por exemplo. Me situa nisso. Como a população pode se tornar, verdadeiramente, interventora no processo de construção do país. A questão é o voto? É a legislação?

Pedro – É diferente. A questão é a ruptura econômica. Eles veem Big Brother, mas eles veem Big Brother deprimidos, amigo. É muito gostoso fazer a revolução, exercer os seus direitos políticos é bom. Acordar é bom. E assim, é uma questão que vai depender muito de um esforço de ambas as partes. Acho que já tem muita gente, dos dois lados, pra acabar de vez com a briga da sociedade com a polícia. Estado massacrando a sociedade e usando a polícia pra massacrar a sociedade e usando esta pra massacrar a polícia. Que porra é essa, sabe? Isso tem que acabar, e acho que já temos gente pra isso.

O.H.: – Mesmo com uma educação tão ruim, colocando no Ministério da Educação Aluizio Mercadante?

Pedro – Não é o ministro da educação que vai fazer diferença hoje em dia. E a educação, na verdade, é falida. Até a educação formal, a educação que dá um diploma, isso não é educação. As pessoas são adestradas pra serem funcionários. Existe um pânico em relação à educação.

O.H.: Existe um pânico do quê? De não ter emprego?

Pedro – Também! Existe um pânico em relação a tudo. A educação não é estagnada. Se a maioria do povo tem uma determinada educação, a cultura será essa. Dentro das pessoas que controlam o Estado, e nas pessoas que autenticam esse controle, que somos nós, cidadãos, existe uma xenofobia. A gente não enxerga o mundo real! A educação escolar e universitária faliram! Sério, as pessoas não compartilham mais signos e significados. Isso é um problema da educação muito sério. Cada um fala qualquer coisa querendo dizer qualquer coisa. E isso é um problema da Rede Globo. A gente está há  45 anos sendo educado pela televisão. Parece que você pergunta: “que roupa é essa? “e a pessoa responde: “a banana é verde”. Sabe? E isso dá a sensação de desespero, de depressão endêmica que todos estão passando. 

O.H.: Você acha que a Rede Globo, em si, causa tudo isso?

Pedro – A Rede Globo, em si, não. Mas, o tempo de mercado! Das pessoas estarem prontas em 30 segundos. Ninguém pensa porra nenhuma em 30 segundos. Tá todo mundo vivendo muito mais rápido do que deveria. Ninguém entender merda nenhuma! As pessoas estão muito nervosas. O problema da educação começa aí. Que educação uma pessoa que trabalha 14 horas por dia e vê 8 de TV tem? Qual é a educação dessa pessoa?



O.H.: E o controle remoto? Dá pra mudar o canal.

Pedro – A culpa ta na escola, ta no Estado, ta na família, ta no sistema de mercado. Na TV! A culpa está nas pessoas serem educadas para virarem funcionários.

O.H.: Mudando um pouco o rumo e revisitando 2011: como foi a Primavera Árabe pra você, a crise Européia? Como que isso bate no Brasil?

Pedro – Eu achei que não fosse chegar aqui! (pausa. Bebe água) Eu estava confiante no governo Dilma, achei que a gente fosse passar por um processo de reforma. Pensei que os bancos fossem falir lá fora, mas a gente tem um Estado voltado para o mercado interno e quando a coisa apertasse lá fora, a gente injetaria mais aqui dentro. Mudei de ideia porque o que o governo Alckmin fez me provocou mudar de pensamento. Não posso aceitar que um assessor da Presidência seja baleado pela polícia militar de São Paulo e o Ministro da Justiça ou Secretário Nacional dos Direitos Humanos tenha a audácia de dizer que o “problema é do Estado de São Paulo”. Quer dizer, isso não me indica uma mudança pacífica nos ramos da segurança nacional. Se as pessoas não aceitarem as mudanças, meu querido, elas vão tomar porrada.

O.H.: Estava esperançoso na Dilma por quê?

Pedro – Pela história dela. Cara, o maior bandido da terra e o maior herói têm o mesmo desejo. Ambos querem uma estátua em praça pública. Então, acho que a vontade da Dilma não é entrar pra História como a Presidenta que encobriu o massacre de Pinheirinho. Ainda mais por ter sido militante e torturada. Acho que a ambição da Dilma não é entrar para a História como a mulher que sufocou o povo e a última a defender o cidadão.

O.H.: Como é que você acha que a juventude precisa se posicionar?

Pedro – A juventude vai se posicionar porque o bicho ta pegando. Simples assim. A juventude já está se posicionando: estão deprimidos dentro das suas casas tomando Rivotril. É assim que a juventude está se posicionando. Cara, olha só, conheço pilhas de pessoas que estão a uma centelha de uma revolta. Na zona norte, existem legiões que aguardam a trombeta dos céus pra tacar fogo em tudo. Cara, a zona sul do Rio de Janeiro é onde tem o metro quadrado mais caro do mundo. E mesmo nesse lugar do metro mais caro do mundo, só existe luxo mesmo pra banqueiro. Conhece o Complexo de Ícaro? Ele voou alto demais perto do sol com asas de cera, aí as asas derreteram e ele caiu. Pois é, os banqueiros moram muito perto do sol.

O.H.: E a juventude que não teve a sua leitura intelectual e de mundo?

Pedro – Eles estão putos! Isso basta! Como eu falei, a educação e a cultura se manifestam nas ruas, não vêm dos livros. A Dilma está errada, por exemplo, ao achar que o Brasil não tem contexto político para se livrar de um cara como Daniel Dantas. Mas, o Brasil tem sim! Tem contexto político para isso. E também pra se livrar dos juízes que protegem o Daniel Dantas. Eu sou só uma consequencia prática do que foi feito. Um moleque que consegue se expressar uma coisa que TODO MUNDO VÊ.

O.H.: Sua família te ajuda nessa empreitada?

Pedro – (RISOS) Minha família está desesperada, né... Briguei com algumas pessoas da família. Minha mãe está desesperada, muito assustada. Como falei, desde pequeno tenho uma relação muito obsessiva com as palavras; o que tento fazer é descrever o que vejo. O que falo não é nenhuma novidade. Todo mundo sabe quem são os bandidos. É só uma questão de concatenar essa revolta numa manifestação única, num processo real de democracia. A gente tem que entender que, o que ocorre agora, não é jurídico. São questões políticas. Tanto em Pinheirinho como em Salvador. É um absurdo que a polícia seja militar nos Estados. E outra coisa: só estou nesse processo porque tenho certeza de que não estou sozinho. Por isso, nunca participei de nenhum partido para fazer papel de maluco. Só comecei a tomar atitude quando vi que as coisas poderiam ter um poder de mudança. E elas têm. Ninguém quer morrer à toa, estão todos deprimidos.

O.H.: Acredita em heróis?

Pedro – Acredito em estopim. Se não fosse eu, seria outro. 

CONFIRA o filme de Pedro " Eu queria matar a presidenta: depoimentos da guerra civil brasileira"