quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

ALEX DUARTE: CINEMA É ONDE HÁ VIDAS, VONTADES E HISTÓRIAS




Por Pedro Paulo Rosa 
Foto: arquivo pessoal do entrevistado 

      O jovem publicitário apaixonado por cinema, Alex Duarte, conversa com O HÉLIO sobre as diversas possibilidades que ele encontrou de aliar esses caminhos. Coleciona prêmios regionais e de maior porte, como o Festival de Gramado de 2009. É uma riqueza de aprendizado lê-lo. Dentre os desafios que enfrentou, o jovem gaúcho conta como foi gravar um documentário em solo haitiano três meses antes do terremoto que assolou ainda mais o país. 

O HÉLIO: Qual a força que te move para empreender tantas multiplicidades de atuação social no cinema?
ALEX DUARTE: Fazer a diferença. Acho que estas multiplicidades nem são tantas, apenas tento imprimir nas minhas produções o que as pessoas acabam não vendo, por falta de tempo ou sensibilidade. Hoje a sociedade caminha depressa demais, mas tem muita gente fazendo a diferença, tem muita coisa bacana acontecendo. E o audiovisual possibilita isso. Minha pretensão nunca foi querer “mudar o mundo” com os meus filmes. O importante sempre foi questionar e provocar a reflexão. Se o mundo não se faz de acordo com as nossas necessidades, é preciso cobrar, é preciso reivindicar e ir atrás dos nossos direitos, independente da profissão que escolhermos. 

O Hélio: Como se caracterizaria enquanto profissional da sétima arte? Falo com relação à marca construída e o que mais você entender como singularidade.
ALEX: Não me considero um profissional de cinema.  Minha formação é em publicidade, mas na verdade sou um apaixonado por cinema, e que comecei meio que de forma autodidata, fiz meu "primeiro longa em VHS" aos 16 anos e sem nenhum conhecimento técnico. Com 300 pila no bolso e um cinegrafista de uma pequena produtora (destas que filmam festas de aniversário), fizemos o filme acontecer. Jamais irei esquecer a imensa fila no dia do lançamento em 2002, que dobrava duas quadras da Praça Matriz de São Luiz Gonzaga. Jamais vou esquecer também das críticas após a exibição. Eram mais críticas do que elogios. Eles falavam que nos meus filmes os "mortos se mexiam", "a iluminação estava escura" ou "que a história era um pouco confusa". Foi aí que descobri a dura realidade que acabara de me lançar. Eu tinha apenas 16 anos e estava descobrindo o cinema, a paixão pelo cinema. A diferença é que eu não tinha professor, não tinha uma escola, não sabia as técnicas. Estava no interior do Rio Grande do Sul, sem condições financeiras e mesmo assim não desisti. Acho que minha singularidade é essa. Fui atrás do que eu queria. Eu fiz da dificuldade uma aliada para buscar meus objetivos, e ainda corro atrás deles. Acho que está dando certo.

O Hélio: Me fala como avalia de que maneira o mercado de audiovisual do Brasil. Onde percebeu avanços e retrocessos? Quais os principais desafios/obstáculos?
ALEX: O mercado audiovisual nacional tem caminhado positivamente. Dá pra sentir no apelo popular. A receptividade do público quanto ao cinema nacional tem sido fundamental. Quando você tem este feedback do público no lugar onde você vive é evidente que irá repercutir em outros países. É óbvio que não temos uma estrutura de indústria que, em comparação, transforme parte de nossa produção em "independente". Mas para isso, os festivais e mostras são uma vitrine importante, para que boa parte do público tenha acesso a esses filmes. Embora falhas, (como espaço maior para os medalhões do cinema), as leis de incentivo conseguiram ressuscitar nossa produção, mantendo-se importantes ainda hoje. Aliás, mais do que importantes, elas permanecem essenciais ao nosso cinema.
Se tratando daquele cinema ainda mais independente, sem ajuda de editais, o audiovisual tem vida, novos talentos estão surgindo. Os equipamentos foram barateados e isso ajuda a produção de filmes. Hoje dá para fazer edição num laptop. Com 20 mil reais dá para fazer um filme. Não tem mais desculpa, só é preciso trabalhar. Acho que quem quer trabalhar com cinema precisa trabalhar no real, onde há vida, vontades e histórias.

O Hélio: Conte um pouco sobre a sua trajetória pelas artes.
ALEX: Comecei aos 16 quando realizei meu primeiro longa em VHS “O Quinteto”. Aos 17, realizei a sequência do filme intitulada “Jovens em Pânico”. No ano seguinte, ingressei na universidade UNIJUI, onde me formei em  “Publicidade e Propaganda” pela UNIJUI.  Nesta época trabalhei como repórter do Jornal A NOTÍCIA , um tradicional meio de comunicação do interior do Rio Grande do Sul. Também fui instrutor do curso de cinema pelo Ponto de Cultura ACI- Ação Cultural Integrada (projeto de iniciativa do Ministério da Cultura). Em 2008, trabalhei como monitor do Projeto Geração Futura, no Canal Futura (RJ). Até agora, realizei cerca de 20 produções, entre curtas, longas, videoclipes e documentários. Um deles, “ONG- Unidos para o Amanhã”, venceu a 17ª edição do Gramado Cine Vídeo em 2009, como melhor vídeo universitário Gaúcho, eleito pelo voto Popular. Outras produções, “A hora da Estrela”, “10 segundos na TV”, “SOS” e “O Caso Sócrates” foram selecionados em festivais de audiovisual, como os de Vitória/ES, Fortaleza/CE e Gramado/RS. Meu último trabalho, foi a realização do documentário “Haiti- A Missão de Nossas Vidas”, que venceu em 2010, a 18ª edição do Festival Gramado Cine Vídeo, com dois troféus: Melhor Documentário Universitário Brasileiro e Melhor de todas as categorias. Atualmente, sou diretor de programação da Tv Ijuí, uma tv pública da região noroeste do Estado.
                                                                                  
O Hélio: Nasceu no Rio Grande do Sul, correto? De que maneira seu ambiente influencia no teu processo criativo?
ALEX: Tenho orgulho da minha terra. Antes de gaúcho, sou são-luizense. Nasci em São Luiz Gonzaga, uma cidade que respira música missioneira, poesia e que se orgulha das suas tradições. Tudo isso é inspirador e ajuda no processo criativo. Minha mãe me ensinou a valorizar antes de qualquer coisa, o que é simples.  Ela costuma dizer: antes de tudo olhe para o valor da simplicidade. Aqui neste cenário, temos bons exemplos de cineastas, como Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, que ousam na linguagem, que experimentam técnicas simples, que fogem do corriqueiro e nos oferecem bons filmes.

O Hélio: Soube que fez um belo trabalho documental em território haitiano. Conte-nos dessa experiência.
ALEX: Foi um projeto muito louco e audacioso. Eu estava na faculdade e queria conhecer de perto o trabalho dos militares no Haiti. Só que nenhuma universidade brasileira até então tinha conseguido entrar na missão para acompanhá-la, pois a liberação funciona somente para a imprensa. Foram muitas ligações, projetos enviados e insistência.
 Eu e a colega Monique realizamos um documentário de conclusão de curso, em que abandonamos em diversos momentos a condição de produtores, exercendo plenamente a emoção de ser humano em plena transformação. Tinha momentos que era difícil cumprir o roteiro, porque a gente se emocionava com o que estava sendo filmado. Vivemos essa experiência três meses antes do terremoto. Então nosso documentário não deixa de ser também um registro histórico daquele país e da missão.



O Hélio: De que maneira a experiência pelo Rio de Janeiro te adicionou saberes ou lhe fez refletir por outros caminhos?
ALEX: Sem dúvida, uma das melhores épocas da minha vida. O Canal Futura me trouxe em pouco tempo (três meses) a prática televisiva e paixão pelos projetos sociais. Hoje eu trabalho em uma tv publica do Estado RS, a Tv Ijuí. De certa forma, foi uma influência muito forte, porque tento imprimir aqui as relações de humanismo, as práticas educativas e a responsabilidade social que o Futura adota e realiza. Enquanto isso, não deixo de fazer meus filmes, produções e participar de projetos.
O Rio de Janeiro é a minha segunda casa, porque deixei amigos de profissão e coração, gente que fala a mesma língua, que trabalha com paixão, que canta e dialoga ensinando. Tive grandes professores e sempre vou lembrá-los com orgulho. Fui recebido com tanta verdade e entrega pelos cariocas, que a saudade é grande e só aumenta a cada ano.  

O Hélio: Cinema é, de fato, uma área fechada?
ALEX: De certa forma sim. Infelizmente nem todos os filmes conseguem chegar às salas de cinema. Sem dúvida, elas são a principal forma de difusão dos filmes. Porém, se pensarmos, atualmente consome-se muito mais filmes fora delas. Eu mesmo assisto mais filmes em dvds, no computador e na tv a cabo do que nas salas. As salas cumprem a função de apresentar os filmes à sociedade. É o momento em que o filme recebe mais atenção pela campanha de lançamento e o boca a boca do público. Mas existe uma estrutura muito sólida de geração de receitas nessa estrutura.  Por exemplo, as salas, o dvd para locação, dvd para venda, entre outras formas. É uma estrutura que não se muda com facilidade, por isso talvez a sétima arte continue sendo uma área fechada.

O Hélio: Cromossomo 21 é a sua atual obra artística na sétima arte. Quais as motivações que passaram em você para escrever e dirigir esse longa-metragem?
ALEX: Sabe aquela coisa de dar voz a quem não tem? Pensei que ao colocar o down na condição de protagonista de um filme, conseguiria contar uma história, uma história que ninguém conhece. A personagem da Adriele quer gritar sua independência, quer ter um trabalho, uma família, ela sonha em amar e ter uma vida como todos nós desejamos: ela quer ser feliz. E para se feliz ela precisa ser respeitada. Outra motivação foi mostrar este universo da síndrome de down. Muita gente se assusta com o novo, com o que é diferente. É muito fácil dizer que aceita, que não tem preconceito, mas na prática isso não funciona. A sociedade não sai desta “zona de conforto”, porque para aceitar e incluir é necessário paciência, conhecimento e entrega. Felizmente a sociedade caminha para a mudança e eu acredito muito que cinema contribui neste processo.

Desde de 2009, data em que iniciamos a produção do Cromossomo 21, estamos conseguindo uma repercussão bacana antes mesmo do filme ser lançado. Só que o público que queremos atingir, não são somente os familiares, professores ou quem convive com um down. Queremos chegar exatamente naquela pessoa que jamais conheceu esta realidade. Nossa intenção não é pregar moralidade ou levantar a bandeira de inclusão. O filme traz estes aspectos, mas queremos que as pessoas compareçam ao cinema para assistir uma história de amor e cheia de possibilidades.

O casal protagonista do longa metragem de Alex Duarte, "Cromossomo 21"


O Hélio: Quais são as expectativas para 2013?
ALEX: Mais desafios. No cinema, na televisão, enfim, meu desejo é ter saúde e gás para continuar trabalhar com o que eu gosto, e sentir que estou fazendo a diferença na vida de alguém.  

Um comentário:

  1. É um desbravamento mesmo, seja em Cinema, seja Teatro e outras artes. E isso é importante valorizar: fazer da dificuldade uma aliada ou seja, transformar a situação.
    Parabéns pela entrevista!
    Abraço!

    ResponderExcluir