quinta-feira, 31 de março de 2011

UMA ARTE QUE SE INDAGA



Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Pedro Paulo Rosa
Revisão Textual: Paulo Cappelli

No monólogo de estreia de Caco Ciocler, podemos perceber, logo de início, várias nuances de um ator maduro que domina muito bem o palco. Em 45 minutos, obra teatral escrita pelo dramaturgo Marcelo Pedreira e com direção, cenografia e iluminação de Roberto Alvim, estamos diante do desespero, da incerteza e dos questionamentos de um ator desesperado, tentando expressar para a plateia, a qual ele deveria “monotonamente” entreter, que não vai entretê-la.
Ao passo que as trocas entre ele e a platéia fluem, o texto vai tomando uma dimensão incomensurável e a identificação das pessoas é imediata, pois as questões que o personagem único – sobre um palco sem roteiro e com pouca luz – suscita e questiona não é só voltada para profissionais ou pensadores do teatro, mas também tocam questões como as nossas atitudes e escolhas na construção do mundo. Tanto no campo pessoal, quanto no coletivo.
Com duração de exatos 45 minutos, a peça parece passar – inicialmente – depressa, embora mais adiante fiquemos tão mergulhados às confissões, perguntas e reclamações deste ator, sob nenhum suporte, e em cena aberta. Este envolvimento se dá porque nos identificamos com ele. A profundidade do texto é traduzida por uma atuação provocativa, visceral e espontânea de Caco.
Após o ensaio, ele cedeu entrevista ao Hélio, confira:

O Hélio: Do que se trata a peça?

Caco Ciocler: Esta peça provoca a platéia em sua posição e postura em relação a arte! Trata, também, de questionamentos do ator e de quem pensa teatro. Na verdade, a gente ri da própria desgraça. Estamos mesmo num período entre safras.

O Hélio: Há uma crítica, então, ao entretenimento?

Caco: Exato. Estamos num momento pós-humano. Já passou aquele tempo em que íamos ao teatro para vermos coisas cotidianas e nas quais a gente se reconhecia. O objetivo é perguntar ao público se ele quer mesmo só o entretenimento, enfim, levantar perguntas, e reflexões.

O Hélio: Você começou no teatro?

Caco: Sim. Fiz 15 anos de teatro amador, em São Paulo e a Escola de Arte Dramática (EAD), da USP.

O Hélio: Como entrou na Rede Globo?

Caco: Em 1995, estava com dois espetáculos infanto-juvenis e, inesperadamente, recebi um telefonema do Luiz Fernando Carvalho (Diretor), me convidando para um teste. O tempo passou, eu passei no teste. Meu papel foi o Jeremias Berdinazzi. Fiz o Raul Cortez jovem, primeira fase da novela “O Rei do Gado”.

O Hélio: 45 minutos é o seu primeiro monólogo? Que desafio é esse?

Caco: O desafio vai começar agora! (Risos). Na verdade, o que percebo é que o monólogo traz uma responsabilidade muito grande. Se eu entrar com uma onda errada no palco, não vou ter um parceiro de cena para me salvar. No monólogo, a gente não pode perder o público em nenhum instante.

O Hélio: O quê o público pode esperar de “45 minutos”?

Caco: O público pode esperar uma nova "experiência" teatral. Ou, um stand up comedy às avessas. (Risos).

A peça estréia no Rio de Janeiro no dia 1º de Abril, no Teatro SESI; fica por três meses e depois ruma para o Centro Cultural São Paulo. 45 minutos é um espetáculo forte, firme e que não foge das imperfeições, não tenta responder a todas as perguntas nem solucionar a dor ontológica que todos nós, mesmo com tantos séculos de ciências e filosofias, ainda sentimos. Na peça, as perguntas são a chave para uma sensata reflexão. Este dilema é comum a todos nós, inclusive a Caco Ciocler, a Marcelo Pedreira e ao Roberto Alvim.



O Hélio: Marcelo, conta um pouco como surgiu este texto?

Marcelo Pedreira: Eu passava por uma crise em 2004 sobre esta questão da Arte X Entretenimento.

O Hélio: Por quê?

Marcelo: Está tudo tão misturado. E esta mistura angustia também o ator que pensa o fazer teatral. Nós já passamos por tantas correntes artísticas, tantas escolas literárias, o que mais temos a dizer? Será mesmo que ainda temos ou a semente que gera a arte é outra?

“Mas, um dia todas as vozes se calam... até as mais brilhantes”. (trecho do texto de Marcelo Pedreira)

O Hélio: É outra?

Marcelo: Sim. O teatro precisa se indagar, a arte não pode estar obrigada a entreter, nem tampouco condicionada à burocracia mecânica dos projetos (editais). Hoje em dia, se faz primeiro o projeto para depois pensar a arte! Temos de tomar cuidado com este automatismo, ele pode sucumbir muitas coisas lindas do fazer artístico e do ser ator.

O Hélio: E as novelas...?

Marcelo: Ah, novela hoje é sobrevivência.

Chega o Diretor, com semblante atarefado e de correria. Peço uns minutos e ele senta à minha frente. Roberto Alvim, autor da famosa e original peça “Tríptico” (considerada a melhor peça de São Paulo do ano pela Folha de SP e pelo Estadão) é um diretor atípico. E isso é lindo de se ver. Além de conduzir uma equipe com muita harmonia, Roberto ousa na sua iluminação que é a grande movimentadora deste espetáculo, pois dá cadência cênica e o personagem, ainda que fuja da luz para as sombras do canto do palco, embala a platéia junto com ele. Alvim, com a sua originalidade, soube dirigir o ator com muita abertura. Fica claro o quanto o diálogo é aberto e produtivo entre autor, diretor e ator.

“O nosso viés, a nossa escolha, nosso caminho, é pensar se o encontro que o teatro propõe pode acontecer em outras bases que não sejam do entretenimento infantilizado e viciado, automático” (Roberto Alvim)

Formado pela CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), fez também cinema na UFF e mestrado em História do Teatro pela UNIRIO. Foi diretor do Teatro carioca Carlos Gomes e neste espaço teve uma oficina, a qual se traduzia no projeto Nova Dramaturgia Brasileira; lançou muitos nomes de autores dramaturgos contemporâneos, como Pedro Brício e Marcelo Pedreira. Em 2006, Roberto vai para São Paulo e lá possui um teatro chamado Club Noir (localizado à Rua Augusta, 331).
Polivalente e simultâneo, Alvim está com uma peça estreada no dia 17 de março (2011) em São Paulo, chamada “Pinóquio”. Ele afirma que a peça nada tem a ver com o conto do Walt Disney. Sumariza 45 minutos como a “ anti-anti-peça”, uma vez que é uma linguagem que almeja outro tipo de troca entre ator-plateia e arte-teatro.

O Hélio: Qual é o viés da peça?

Roberto Alvim: É um outro viés. Certamente, não é o do entretenimento. Negamos o teatro convencional que se faz no momento.

O Hélio: Explique.

Roberto: O nosso viés, a nossa escolha, nosso caminho, é pensar se o encontro que o teatro propõe pode acontecer em outras bases que não sejam do entretenimento infantilizador e viciado, automático.

Marcelo Pedreira entra novamente no papo, acrescentando:
--- Mesmo com tanta filosofia, não tivemos um verdadeiro conforto espiritual. A dor de todo mundo ainda está aí, e é vivida por todos nós. Ainda não chegou nada para quebrar esta lógica de séculos e séculos.

O Hélio: É como ser um estrangeiro de si mesmo e do redor?

Marcelo: Sim.

45 minutos é uma obra inesquecível e que aborda, inclusive, a força universal da coincidência, da matemática e do acaso. Saímos da peça inebriados com a brilhante atuação de Caco Ciocler; e cheios de disposição para a vida. E com empatia pelo personagem, que antes parecia tão amargo, mas que depois se torna tão familiar a nosso âmago mais íntimo.

Roberto Alvim, Caco Ciocler e Marcelo Pedreira



Evento: Peça “45 minutos”
Temporada: 1º de Abril a 26 de Junho de 2011
Local: Teatro SESI – Rua Graça Aranha, 1. – Centro - RJ. Contato: (21) 3344-5500
Horário: Quinta a Domingo, 19 h 30 min.
Valor: R$ 40, 00 (inteira) ; R$ 20,00 (meia)
Marcação de grupo (com 48 horas de antecedência): (21) 2563-4163
Email do Teatro SESI: teatro.sesi@firjan.org.br
Site do espetáculo: WWW.45minutos.com.br

Agradecimentos:

Mariana Campos (Cinema Nosso)
Miriam Juvino (Diretora de Produção do espetáculo)

9 comentários:

  1. Excelente! Pedro! tá de parabéns pelo blog! como sempre salvando a internet da rotina do besteirol e da falta de conteúdo! abraços fique na paz

    ResponderExcluir
  2. Muito boa matéria Pedro, achei interessantíssimo, ainda mais eu sendo ator também, eu digo que é muito enriquecedor poder pronunciar, expor a verdadeira essência da arte, através de um monólogo sem perder o ritmo das cenas, sem deixar a platéia cansada, fazendo o público se sentir de maneira confortavel como se fosse uma junção de ator/pláteia, realmente, é fruto de muito trabalho e dedicação!!parabéns a todos!! Beijos Gustavo Araújo

    ResponderExcluir
  3. Parabéns Pedro seu blog ta demais, vindo de vc só poderia seguir essa linha, cultura com bom gosto...vc arraza! Abração!!!

    ResponderExcluir
  4. Excelente matéria Pedrinho. Muito sucesso nesse "novo" empreendimento! E aguarso ansiosamente o novo livro. Um grande abraço!

    Paulo Jr.

    ResponderExcluir
  5. Muito bom, Pedro! Fiquei morrendo de vontade de assistir à peça! Parece ser muito boa! Abraços!

    ResponderExcluir
  6. Valeu a entrevista com o Caco e o Marcelo, uma busca que resgata de certa forma a essencia angustiada do Homem e sua expressão na arte. muito instigante a visão de um momento da cultura humana onde tudo parece ter sido tentado, escrito, falado, musicado... Arte X Entretenimento; ou artentretenimento . . .
    tenho por vezes uma impressão de perda de sentidos esteticos e de proporção, comose tudo que se faz em arte tivesse o mesmo valor, um certo senso de "anything goes" no ar.
    Curti muito o blog, Pedro Paulo!
    RoFavilla

    ResponderExcluir
  7. Pedro sempre com sua escrita muito inspirada e boas matérias. Resultado: sucesso!!!! Muito bom, amigo!!! Beijo grande!

    ResponderExcluir
  8. Boa sensibilida a sua para compreender nas entrelinhas, Pedrão. Parabéns! O blog anda uma maravilha... continue atualizando, rs

    abração.

    ResponderExcluir