sábado, 30 de abril de 2011

LEONI: outro futuro na música do garoto



Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Lucas Conrado
Revisão textual: Paulo Cappelli

Calçando um sandalhão franciscano, o cantor e compositor Leoni (ou seria melhor apresentá-lo como o garoto?) nos recebe em seu apartamento na Gávea, Rio de Janeiro. A tarde parece noite por conta da forte chuva e nuvens carregadas. O ex-abóbora selvagem nos pergunta qual o melhor local para conversarmos. Escolhemos o sofá branco, tendo como fundo um colorido quadro.
De abajures e gravador ligados, começamos o nosso bate-papo, passando desde a primeira ligação de Leoni, aos 16 anos, com a música até o seu próximo show, dia 06 de maio de 2011, na Lona Cultural Elza Osborne (em Campo Grande, RJ). Ele se inicia através do violão.
--- Eu tocava violão e basicamente todos os meus amigos tocavam guitarra. Aí, quando a gente decidiu montar uma banda, éramos quatro guitarristas. E eu não era o melhor guitarrista; achei que para eu garantir minha vaga na banda teria que rumar para o baixo. E eu sempre gostei do baixo, mas nunca tinha estudado. Com a formação da banda, eu garanti que ficaria com o baixo e comecei a estudar mais o instrumento. E dei sorte porque apareceram, na época, uns baixistas que eram fáceis de tirar.

O Hélio: Vocês tinham onde como base de ensaios?

Leoni: Na época, era muito comum tocar dentro do próprio quarto, independente dos pais apoiarem ou não. A gente começou com uma banda chamada “Chrisma”. Eu, Beni Borja e outros amigos.

O.H.: E dessa banda surgiu como o Kid Abelha?

Leoni: Kid Abelha e os abóboras selvagens surgiu da faculdade. Eu fiz Letras e Direito. Não terminei nenhum dos dois. Mas, quando fazia Direito na PUC, em 1979, aqui no Rio, conheci a Paula (Toller) e o George Israel. Começamos dali. Depois, batalhamos e conseguimos alugar o Teatro Ipanema, fizemos um show que lotou! Isso nos deu ânimo para prosseguir.

“A música Garotos II vem mostrar o outro lado da moeda. Vem mostrar que os garotos não conseguem levar as coisas até o fim porque eles não sabem lidar com relação”.

O.H.: Conseguiram espaço no bolo de que modo?

Leoni: Por mais que já tivessem bandas bacanas, como Blitz e tudo o mais, não se tinha uma potencialidade focada no Rock ou no Pop Rock. A gente percebeu os espaços do momento que fervilhavam, como o Circo Voador. E ali vimos que poderíamos ter chances.

O.H.: A chance foi tanta que Kid Abelha é sucesso até hoje, com mais de 9 milhões de CDs vendidos só no Brasil.

Leoni: Pois é. Depois do Kid, tive uma banda chamada “Heróis da Resistência”. O primeiro disco do “Heróis...” fez muito sucesso. Mas, o segundo não deu nada certo e parece que o terceiro pegou uma rebordosa desse segundo.

O.H.: E qual o motivo da banda acabar?

Leoni: A gente acabou num dilema. Os meus parceiros do “Heróis da Resistência” estavam numa de modificar toda a cara da banda, fazer uma banda de heavy metal. E aí tentamos adaptar as minhas músicas para heavy metal, só que não deu certo. Eu queria caminhar para uma área mais rock e pop rock. Mas não rolou nenhuma tensão, tanto é que gravamos numa parceria logo em seguida.

O.H.: Já a ruptura com o Kid Abelha houve tensão.

Leoni: Sim, houve um certo problema, mas que já foi resolvido.

“Ah, eu sempre tive muitos parceiros de composição. Por exemplo, a única música que o Ney Matogrosso compôs foi comigo”.

O.H.: Uma de suas músicas mais conhecidas é “Garotos II”. Saiu como àquela letra e música?

Leoni: Então, na verdade, essa música é como uma resposta a música “ Garotos”, que a Paula canta. A música Garotos II vem mostrar o outro lado da moeda. Vem mostrar que os garotos não conseguem levar as coisas até o fim porque eles não sabem lidar com relação. E a mulher, ao contrário, desde menina vem sendo preparada para este traquejo de se colocar bem numa relação amorosa. Então, os garotos evitam porque não sabem jogar esse jogo.

O.H.: E como é o seu processo de composição? Ele é espaçado ou sempre chega coisa nova na cabeça?

Leoni: Só escrevo canções que falem da minha vida. Não faço letra para preencher melodia. Tem que ter eco emocional em mim. Mesmo que seja em um projeto para cinema, por exemplo. Agora, tem momentos em que fico no vazio mesmo. Gosto de compor muito em parceria. Nesse momento, as canções estão sendo feitas com parceiros.





“O Cazuza era muito meu amigo. E ele estava querendo, depois que saiu do Barão Vermelho, ter uma música que marcasse ele como cantor solo”.

O.H.: Te angustia quando esse vazio de não compor chega?

Leoni: Se eu não tivesse tantas músicas já escritas, talvez ficasse desesperado.

O.H.: E, como, mais ou menos, começou o seu processo de criação? Ou seja, em que momento você foi saindo do baixo e indo para a composição, voz?

Leoni: Eu sempre gostei muito da melodia, de estudar mesmo a melodia. Me considero um melodista. Me guio pela melodia. Adoro isso.

O músico para um instante para observar a cadência da chuva, que aumenta. Ele suspira. Olho para a mesinha à nossa frente, enxergo livros de Bob Dylan e revistas sobre música.

O.H.: Você comentou que no momento tem composto mais em parceria. Quem são esses parceiros?

Leoni: Ah, eu sempre tive muitos parceiros de composição. Por exemplo, a única música que o Ney Matogrosso compôs foi comigo. Essa música é muito cara para mim, chama-se “Dívidas de amor”, num CD chamado “Bugre”.

O.H.: Você também compôs com Cazuza um dos maiores sucessos solo dele, a música “Exagerado”.

Leoni: Sim. O Cazuza era muito meu amigo. E ele estava querendo, depois que saiu do Barão Vermelho, ter uma música que marcasse ele como cantor solo. E aí, nasceu essa música. Mas, tenho outras parcerias, como Herbert Vianna , Frejat, Paulinho Moska, George Israel e Paula Toller. As parcerias atuais são o Fernando Anitelli, do Teatro Mágico, e o Christian Oyns, um músico uruguaio incrível que tem um canal no youtube. Vale a pena conferir.

O.H.: Você, depois do “Kid Abelha”, depois do “Heróis da Resistência” teve um hiato muito grande na carreira, não é?

Leoni: Fiquei anos sem aparecer muito, mais de cinco anos. Fazia pouquíssimo show, fiquei mais em participações de amigos e outros trabalhos menores. Mas, em 2002, eu lanço meu segundo disco solo, chamado “Você sabe o que eu quero dizer”. Em 2003, tudo muda de figura e eu passo a ver que tinha um público cativo imenso, mas que não conhecia. Justamente nesse ano, gravo um CD pela som livre chamado “ Áudio Retrato”. Esse trabalho me possibilita várias outras coisas, inclusive a tocar no interior do país. Minas, Nordeste etc. Até hoje, o meu público nesses locais é muito forte. Mas, o negócio fica mais seguro mesmo para mim em 2005, quando a gente faz o DVD ao vivo do “Áudio Retrato”.




“Só o ser humano consegue olhar para essas montanhas (aponta para sua janela, com as montanhas da Gávea) e dizer: nossa, que visual lindo! Será que os passarinhos conseguem achar isso também?”.

O.H.: Quer dizer, depois de “ Áudio-retrato”, sua carreira tomou um vulto enorme.

Leoni: Exato.

O.H.: De certo modo, era necessário você mostrar que muitos dos hits e músicas de maior sucesso do Kid Abelha são suas.

Leoni: Sim. Eu tinha que quebrar a ausência de voz que eu tinha na música que eu compunha. Não tinha gravação, até então, de mim cantando essas minhas músicas tão conhecidas.

O.H.: Sua meta era ou ainda é a fama?

Leoni: Não. A meta é ter uma carreira sustentável. E eu não tenho do que reclamar. Pago minhas contas, consigo manter meus dois filhos. (Risos).



“Estou aprendendo a viver sem Deus, a me comunicar diferente. É como se, depois dos 50 anos, eu estivesse vivendo uma segunda encarnação. A esperança, se nos viciarmos nela passivamente e com inércia, pode se tornar impotência”.


Leoni, um dos pioneiros em fazer da internet sua aliada, criou um espaço de mobilização virtual que vai além do que um simples site. Neste local, o artista e seu fã estabelecem um laço bem mais íntimo e firme. O site promove concursos de música e o fã, escolhido pelos cadastrados no site (já são 58 mil cadastrados), canta junto com Leoni em seus shows pelo Brasil afora.

O.H.: Como é Deus para o Leoni?

O ex Kid Abelha cruza os dedos, freme os lábios e suspira em silêncio:
--- Depois que completei 50 anos, esse é um ponto, atualmente, bem sensível e acho que doloroso também na minha vida. Sou de uma família católica do interior do Espírito Santo. De uma forma ou de outra, sempre busquei Deus ou...algo místico. Mas, no atual momento, que é de fato doloroso, eu me vejo mais afinado com as filosofias do que com a religião. Por exemplo, vai sair um artigo meu em um livro beneficente cujo título é “Aprendendo a viver sem Deus”. Nesse artigo, eu coloco mesmo que é muito desconfortante para o ser humano admitir que está sozinho, que não há mais nada. E que ele não pode comprovar esse conjunto de narrativas religiosas que criamos para, de alguma maneira, darmos sentido à nossa vida. E digo mais: eu estou cada vez mais apaixonado por nós, homens. Só o ser humano consegue olhar para essas montanhas (aponta para sua janela, com as montanhas da Gávea) e dizer: nossa, que visual lindo! Será que os passarinhos conseguem achar isso também? Quer dizer, temos um pensamento, um cérebro, apaixonante.

O.H.: Você é um humanista bastante otimista! (Risos)

Leoni: Sim, sou. Eu tenho esse olhar bastante otimista para e sobre o ser humano.

O.H.: Mesmo com todas as atrocidades que vemos, como por exemplo, a tragédia de Realengo e a mulher que depositou a filha recém-nascida na caçamba de lixo?

Leoni: Ainda assim, Pedro. Hoje menos pessoas passam fome, hoje a gente já está antenado com relação à poluição do Planeta. Sou um otimista.

O.H.: Bem Rousseau.

Leoni: Não seria nem tanto Rousseau. Na verdade, leio muito Nietzsche e, atualmente, o André Comte-Sponville, filósofo materialista francês. E gosto muito também de Luc Ferri. Pois é, sempre curti muito ler, pesquisar, estudar. Mas, não sinto falta das duas faculdades que não terminei. Estudo por prazer. E mais sobre o homem: a gente sabe que não somos naturalmente bons. Tanto sabemos que a gente quer, o tempo todo, conseguir ser uma pessoa boa, sem inveja, sem cobiça etc. Estou aprendendo a viver sem Deus, a me comunicar diferente. É como se, depois dos 50 anos, eu estivesse vivendo uma segunda encarnação. A esperança, se nos viciarmos nela passivamente e com inércia, pode se tornar impotência. Porque é a gente que tem de correr atrás das coisas que queremos.

O.H.: Mas, recordo-me que você chegou a frequentar por um bom tempo o Templo Budista KTC, em Vargem Grande e colocou um mantra budista na música que compôs para Herbert após o acidente dele com o ultraleve.

Leoni: Precisava de alguma resposta. Herbert é um dos meus melhores amigos e parceiros profissionais. Frequentei a KTC por cinco anos. Isso foi na época em que nós morávamos em Vargem Grande, eu era vizinho do Herbert (Vianna). Cheguei, durante o tempo em que frequentei a KTC, a fazer show lá no Templo, a ajudá-los nas limpezas dos banheiros e tudo o que precisasse.

O.H.: Sobre o atual cenário da música brasileira, o que te agrada muito?

Leoni: Ah, tem muita gente boa por aí... Destaco agora “Teatro Mágico”, “Móveis Coloniais de Acaju”, Jonas Sá, Marcelo Jeneci e vários outros. Não posso deixar de lembrar uma amiga veterana, inclusive fizemos músicas juntos, que é a Zélia Duncan.

O.H.: Analisa de que forma a gestão da ministra da cultura Ana de Hollanda?

Leoni: Em primeiro lugar, respondo dizendo que a internet veio para salvar a música. Veio para abrir as comportas e popularizar grupos musicais excelentes que, antes, precisavam passar por sei lá o quê para conseguir entregar fita demo em gravadora. Não é pirataria você baixar minha música na internet! Se você baixa, ou é porque você me conhece e me curte ou porque quer me conhecer. Pirataria é você copiar 100 cópias e vender cada uma a cinco reais no meio da rua. Então, quem me baixa na internet, é meu fã.

O.H.: E é até bacana porque esse fã que te baixa vai ao seu show e leva mais dez, quinze amigos.

Leoni: Exatamente. Hoje em dia, você faz show para ser conhecido, para ter laço com teu público. Antes, você se enfiava na hibernação e o CD é que chegava ao público, antes de você! Por exemplo, se eu quisesse escutar uma banda da Inglaterra, teria de esperar um amigo meu que fosse à Londres trazer para mim. E eu ainda poderia não gostar da banda e ter gasto o dinheiro. Hoje, escuta-se de tudo, simultaneamente, pelo Youtube.

O.H.: E sobre a postura da Ministra Ana, acha que ela não se posicionou?

Leoni: Sim, ela se posicionou. Ao lado dos conservadores. Imagino a pressão que não deve estar rolando. Acho que as atitudes dela são deslocadas e que ela vem defendendo um modelo antigo de direitos autorais, como se a internet fosse roubar o artista.

O.H.: Fala mais.

Leoni: O Ministério tem encarado o pessoal, eu, por exemplo, da cultura digital como se fôssemos crianças.

O.H.: Diante disso, ainda pensa em lançar CDs?

Leoni: CDs eu não sei. Usar CD para me lançar, acho que isso não vou fazer mais. Tudo mudou. Hoje em dia os parâmetros são outros. Agora, lançar novas músicas, isso com certeza. E irei disponibilizá-las de graça no meu site para os fãs registrados.

O.H.: Quer dizer, você além de ter se aliado à internet e de estar ganhando todo tipo de apoio por meio do virtual, ainda recebe o presente de, no meio do seu show, ouvir um coro de fãs cantando músicas inéditas.

Leoni: Pois é! (Risos).




O.H.: Qual tem sido sua rotina de shows atualmente?

Leoni: Tem sido bacana, cinco a seis shows por mês.

O.H.: Mudando um pouco o foco, é muito complicado ser pai?

Leoni: (Risos) A questão é que muda toda a sua relação com a vida. Suas prioridades mudam completamente. Eu tenho um casal de filhos.

O.H.: Atualiza a sua agenda para a gente.

Leoni: Então, dia 6 de maio na Lona de Campo Grande, no Rio. Dia 7 de maio, em Barra do Piraí. Dia 14 de maio, na Lona de Vista Alegre. Dia 19 de maio, tocarei no Fundão (UFRJ), um show ao meio dia! Aí, dia 21 de maio, na Lona de Realengo. Em junho, dia 10, na Lona de Jacarepaguá e dia 11 na Lona de Bangu. Falando nas Lonas, eu adoro fazer show lá, nunca digo não. Além de ser um público sofisticado, conhecedor de todas as músicas, são muito carinhosos e passam calor humano. É sempre um prazer tocar nas Lonas Culturais.

O garoto Carlos Leoni mostra ter convicção do que fala e marca uma trajetória profissional de muita coragem e desbravamento. Ele construiu e reconstruiu muitos castelos. Hoje, quer sair por aí, encontrar os fãs, mobilizar através do inovador site e mostrar suas antigas eternas canções e as que estão por vir.

Links relacionados: http://www.leoni.com.br/


Agradecimentos:

Rick Werneck

7 comentários:

  1. Me amarrei na entrevista Pedrão! Uma das melhores até agora. Me amarrei nas respostas dele, as perguntas foram muito inteligentes também, soube aproveitar bastante. Abração cara!

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  2. Muito legal, Pedro! Continua, que o trabalho tá ótimo! Beijos!

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  3. Parabéns Pedro! O blog esta muito bacana e essa entrevista com o Leoni esta muito legal! Abraços

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  4. Obrigado, queridos! Esse espaço de troca é NOSSO

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  5. muito bom o seu blog. gostei do jeito que voce explora os artistas e a atualidade. experto e sensivel.
    clotilde

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  6. Obrigado, Clotilde! Espero te ver sempre aqui! Fique à vontade para seguir o Blog. As atualizações são quinzenais. Grande abraço.

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