terça-feira, 27 de setembro de 2011

MÚSICA NÃO TEM NACIONALIDADE NEM SEGMENTAÇÃO SOCIAL

Por Pedro Paulo Rosa
Revisão textual: Paulo Cappelli


ANA CRISTINA é puro pulsar de leveza e soltura. Carioca da Gávea, ela escolhe a bossa nova para lançar seu primeiro CD, " Acaso ".O instinto para música começou desde cedo. Aos seis anos de idade, tocou no piano de 10 teclas que ficava esquecido na casa de sua mãe. Seu primeiro trabalho carrega  a experiente parceria de Roberto Menescal. 




Foto: Paula Monte
 De tonalidade poética forte, a música de Ana Cristina nos faz lembrar do simples. Permite um silêncio gostoso daqueles que só querem amar e aproveitar da vida as cores mais alegres e doces. A pessoalidade bem como a capacidade de melodiar letras no piano é ricamente executada ao longo de todas as faixas do CD, em destaque para " Querida " e " Flerte carioca ". De fala mansa, mas olhar maduro e firme, a cantora quer ganhar o Brasil com o seu amor pelo Rio de Janeiro e sua entrega total à música - a ponto de não exercer mais a primeira profissão, economia. 

Num sábado à tarde e nublado, conversamos no café cultural Lunáticos, no Jardim Botânico, Rio. 

Ana Cristina: Não era uma criança interessada em boneca. Isso com cinco, seis anos de idade. Sempre quis música. E não venho de uma família de músicos. Minha mãe é médica, escutava muito vinil. Meu avô cantarola Ataulfo Alves. Quem tomava conta de mim quando minha mãe estava de plantão eram meus avós; e então ali tomava bastante contato com a música. Certa vez, numa missa, eu ouvi uma canção chamada O importante é a rosa e anos mais tarde vim descobrir que é uma versão francesa. Toquei essa música em casa aos seis anos. (RISOS) A partir daí, minha mãe resolveu me colocar para estudar. E me deu um piano de presente!

O HÉLIO: Sua composição se tangencia em quê?

Ana: Minha composição vive muito em função do que eu vivo, daquilo que eu acredito. Do caminhar, do chopp na praia... (suspiros). Reencontrar pessoas, sabe? Essa coisa à vontade que nós cariocas temos.

O.H.: O disco tem uma temática forte da saudade, né?

Ana: É, o disco sou eu... Meu processo de composição começou aos dezesseis anos por meio de poesia. E logo comecei a musicá-las. E é complicado encaixar melodia com letra. Inicialmente foi assim, criando poesias e musicando. Sempre no ambiente do meu quarto, sem mostrar para ninguém. A música para mim sempre foi algo muito pessoal.



Foto: Marcelo Correa


O.H.: Tinha vergonha de mostrar para alguém?

Ana: Claro! (RISOS) Minha música é minha verdade. Isso é uma coisa muito pessoal, expôr sentimentos. Tanto bons quanto ruins. Tem que ser muito corajoso para falar o que você sente.

O.H.: Lançar um disco é abrir o peito. Quando você quis isso e por quê? 

Ana: Bem, entrei para faculdade de economia. Mas, antes, tenho que sublinhar meu contato com a música. Estudei no colégio Pedro II e lá fui muito estimulada na música, no piano e tudo mais. Depois, acabei não dando seguimento de cara a uma faculdade de música porque, como a gente já sabe, a carreira de um músico no Brasil é muito complicado. Minha mãe sempre enxergou a música como parte da educação, mas não como uma profissão. Claro, hoje ela está muito feliz pelo lançamento do disco pela Biscoito Fino, mas ela se lamenta por eu não seguir a carreira de economista (RISOS). Muito em função dessas dúvidas, sempre gostei muito de exatas, e escolhi economia. Mas, não me aguentei! No primeiro ano de economia, fui lá e fiz a prova para música na UNIRIO e entrei! Tudo isso em silêncio, não contei nada para ninguém. Mas, ficou difícil de conciliar as duas, fiquei só na economia. 

O.H.: E como o palco entrou na sua vida? 

Ana: Pois é, (RISOS), mesmo não terminando lá na UNIRIO, comecei a fazer aula de canto e dois meses depois estava em cima de um palco! 

O.H.: Como é que saiu essa timidez? 

Ana: Em 2003, subi ao palco para cantar duas músicas, uma delas, minha, o "Flerte carioca". Isso no teatro de arena, em Copacabana. Lembro que eu fechei os olhos e fui! Saí da timidez de fazer música dentro do quarto e cantei para todo mundo os meus sentimentos mais profundos em cima de um palco. Aquilo para mim foi uma explosão! Eu tinha um medo de me sentir ridícula!  O mais impressionante foi a reação das pessoas me escutando, super positiva. Ali, eu percebi que a música era para mim. 

O.H.: Como se deu o encontro com o Roberto Menescal?

Ana: Então, meses mais tarde eu o conheci. Ele estava selecionando meninas para o vocal. Fui fazer testes no estúdio dele, que fica na Barrinha. E fui selecionada. A experiência foi e é maravilhosa. Pude fazer diferentes trabalhos junto com o Menescal. E para mim ele é um ídolo, uma referência da vida inteira. Cantar com ele é muito mágico. 




Ana Cristina e Roberto Menescal. Foto: Paula Monte
  O.H.: Como você sente o público do Rio de Janeiro, hoje, com relação à bossa nova?

Ana: Bem, existe sim uma demanda para bossa nova no Rio. Mas, nos últimos anos, o Rio passou a ganhar muitos espaços para o samba. Eu adoro samba, só que eu sinto que existe um público de bossa nova, mas há poucos espaços. Cheguei a frequentar os finais dos tempos do Mistura Fina, Jazz Mania, Modern Sound. Daí, a Lapa começou a crescer muito junto com o samba e essas casas foram fechado. Acho que isso tem de ser equilibrado. O mercado asiático e europeu adoram bossa nova e aqui no Rio, pelo menos a nova geração, parece não ter tanta oportunidade ou acesso para ouvir bossa nova mesmo em suas múltiplas faces. Sabe, Pedro, escutei de tudo, minhas referências são várias: Commodores, Tom Jobim, Dick Farney, Elton John...mas, certamente, minha preferência é a Bossa Nova.

O.H.: Você concorda com algumas vozes que dizem ser elitista a bossa nova?

Ana: Eu não concordo. Pelo contrário, a falta de espaço é que impossibilita as pessoas de conhecerem. Como eu disse, existe uma geração que não tem conhecimento profundo desse gênero musical. Quando perguntam, só conhecem " Garota de Ipanema ". O mercado ficou restrito à samba e sertanejo. Aí, o que está mais segmentado acaba parecendo elitista. Com mais acesso, nada é elitista. Com música não se faz essa distinção por classe. Acho que a questão é o acesso. Música é música, música emociona, sensibiliza, causa sensações. É tudo uma questão de acessibilidade. Não gosto de definir. 

O.H.: Quando você fala que música é sua verdade, qual é a sua verdade? 

Ana: (RISOS) Olha, eu sou muito mais inspiração do que transpiração. É claro que paro, sento, estudo. Mas, sou uma pessoa que gosto de escrever o que sinto. Procuro primeiro fazer a música e depois vejo o que aquela música me explora de sensação. É de leveza? É de raiva? Minha relação com a composição é sensorial. Busco uma verdade que não vem depois da letra. Vem pela melodia.

O.H.: Isso pelo piano?

Ana: Sim, no piano. Não toco outros instrumentos. 

O.H.: Me conta um pouco a luta para lançar o primeiro disco. Está tentando desde 2007. Não é isso?

Ana: Sim... toquei muito em hotel, em barzinho. Comecei a fazer pequenos shows também. As pessoas vinham no camarim e me pediam material. Quer dizer, perdi muitas oportunidades na época por não ter um material para mostrar. Então, decidi fazer. Ver uma pessoa sensibilizada por algo que você fez não tem preço! 

O.H.: Por que um disco todo acústico? 

Ana: Pois é, eu preferi um disco todo acústico. Chamei o Adriano Souza para fazer os arranjos e ele acabou fazendo também o piano.Não queria recursos eletrônicos, acho mais bonito sem eles, ainda mais como pianista. Sei lá, recursos eletrônicos acabam ficando muito datados dependendo da forma como são arrajados. Quis um baixo acústico, bateria com vassourinha, remetendo às influências das coisas que eu ouvi, entende? Agora, fazer disco é muito caro. A família acreditou muito. Acreditaram no meu sonho. Gravei primeiro cinco faixas, depois a grana começou a apertar. Demorou para finalizarmos tudo. Tem que gravar, mixar, masterizar, criar capa, finalizar. Por fim, ofereci. Bati na porta das gravadoras. Em setembro de 2010, deixei o material na Biscoito Fino. Eles me ligaram em janeiro de 2011. 

O.H.: Como foi que você esperou?

Ana: Ah, como? Com a unha quebrando, com o cabelo caindo, perdendo peso (RISOS). Essa espera é muito tensa. Enfim, o show de lançamento foi na Livraria Argumento, o Menescal tocou. E foi lindo, lindo! Muito mágico. Sabe, felizmente, estamos tendo bons resultados com a mídia, com a crítica. Quando você lança um disco autoral, você não tem a menor noção de como as pessoas vão reagir.  O mais importante é você ser fiel ao que você se propôs a fazer. Não faria diferente. Esse disco teve muito empenho. Amem ou odeiem, sabe? 

O.H.: Você quer correr o Brasil ou você acha que a bossa nova tem um território específico? 

Ana: Certamente, correr o Brasil e o mundo! As pessoas gostam do que elas têm acesso. Posso cantar bossa em Porto Alegre, em Manaus, em Belém, música é sentimento, não há nacionalidade para música. Nem segmentação social! O público não é burro. A gente precisa é dar acesso. E fazer com carinho, determinação e verdade. 

O.H.: Quem te marcou mais que possa sublinhar na bossa nova?

Ana: Posso citar vários! Mas, para resumir, Tom Jobim e Dick Farney. Os dois me tocam muito. São uma referência. O Dick, por exemplo, interpretou músicas de grandes compositores. 

O.H.: Quais as dicas que daria para quem quer se profissionalizar em música?

Ana: Olha, acredito que há espaço para todos. A arte no Brasil costuma a ser vista de forma depreciativa. Por exemplo, se você vai cortar cabelo no barbeiro que é seu amigo, vai pagar a ele. Mas, se você toca violão e um amigo seu te liga para fazer a alegria de uma festa, costuma não querer te pagar nada, só a cerveja.  Não permita nunca que alguém diga que não vai conseguir. Se você faz com verdade, ok. O caminho é muito difícil em qualquer profissão que você for escolher. Seja secretária, manicure, economista ou músico. Geralmente, quando você trabalha com arte, as pessoas costumam te desencorajar. Eu ouvi muitas coisas do tipo " isso não vai dar certo ", " seu estilo está datado demais ". Se você pensar no que precisa, não sai do lugar. O lance é sentar, pensar racionalmente em como conseguir, correr atrás mesmo. As coisas não caem do céu. Aliás, cair até caem, mas é muito raro. Geralmente, as pessoas que te desencorajaram são aquelas que não tiveram a mesma oportunidade, mas que vão estar lá na frente te aplaudindo.

O.H.: " Querida ", última faixa do CD, foi feita para alguém?

Ana: Na verdade, eu estava deitada no meu quarto e surgiu a melodia pronta na minha cabeça! (RISOS) Não foi feita para ninguém. Várias pessoas me falam que essa música foi feita para elas. É bom demais ver as pessoas tocadas por algo que você fez. E é esse o meu objetivo, tocar as pessoas com o poder da música. 

O.H.: Por que o nome do disco é " Acaso "?

Ana: Essa palavra resume o disco. Acaso tem a ver com caminhada, com reencontro, com paquera. E, como meu disco tem uma face bem carioca, acho que essa faixa resume toda a ideia. É isso! (RISOS) 





Foto: Marcelo Correa
 
Ana Cristina percorreu dois mundos em um período de tempo pequeno. Saiu da economia e escolheu a música. Na verdade, o seu destino com a arte estava acertado desde quando, lá na infância, suas mãos de seis anos conheceram as teclas do piano.  

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