Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Divulgação
As
aspas do poeta Ferreira Gullar esboçam o profundo amor dos atores Lucas Gouvêa
e Simone Spoladore pelas artes. No momento, os dois estiveram juntos na peça “Depois
da Queda”, escrita pelo célebre Arthur Miller. Os dois separaram um tempo de
suas corridas agendas antes da penúltima apresentação no teatro Gláucio Gil (Copacabana, Rio de Janeiro) para conversarem com O HÉLIO.
O
HÉLIO: Como é interpretar um papel que foi de Paulo Autran, 48 anos depois,
Lucas?
LUCAS GOUVÊA: (risos)
Procurei não pensar nisso. Acho que o teatro tem uma coisa ótima, porque é a
arte do efêmero. Acabou, desmontou cenário. Só fica mesmo na memória de quem
viu. Já é um peso muito grande um texto dessa envergadura do Arthur Miller. E a
enorme dificuldade, porque é uma peça de quase três horas. Trazer para mim o
pensamento desse meu personagem (o
Quentin) já é um peso enorme. Claro que de vez em quando esse pensamento me
volta. É uma honra suceder o Autran. Sabe, algumas pessoas da montagem original
da peça disseram que vinham. E aí comecei a pensar mais nisso. Aí, eu tive um
pesadelo com o Paulo Autran! (risos). Na véspera da estreia, sonhei que o Paulo
estava na plateia me assistindo. Depois eu saía, ele me encontrava e arrasava
comigo! Certamente o Autran veio no meu sonho para nos dar sorte.
O
Hélio: Você repetiu a palavra peso algumas vezes. Qual seria o peso deste texto
do Miller, Depois da Queda?
LUCAS: Bom,
acho um peso tanto quanto um Nelson Rodrigues, um Shakespeare. Pela qualidade
mesmo da escrita. Não é à toa que o texto é montado até hoje. Ele fala de uma
realidade norte-americana e toda a questão da Crise de 29, e também do marcatismo.
Mas, ao mesmo tempo em que Miller fala de seu país, os EUA, ele fala do mundo,
dos homens. De questões humanas vividas por muitos de nós. Como Nelson
Rodrigues fala sobre o Brasil, mas é universal. Acho que esse é o peso.
Conseguir transcender o micro.
O
Hélio: Notou muita raiva no texto?
LUCAS:
Não, não... até que não. Se bem que, às vezes sim, mas essa não é a tônica. Ele
faz uma grande viagem por todas as coisas que ocorreram na vida dele e faz uma
escrita belíssima disso. Tiveram pessoas, por exemplo, em Nova York, que
chegaram a dizer que Miller estava, com essa obra, depreciando a imagem da
Marilyn (Monroe). Penso que isso não é verdade. É uma declaração de amor,
sobretudo uma obra contra a hipocrisia.
O
Hélio: Lucas, o que seria a “queda”? Seria a morte de Marilyn Monroe, a morte
da relação de Miller e Monroe, a morte dele enquanto homem?...
LUCAS:
São várias mortes, viu, Pedro. A queda é a morte dela, é a morte da ideologia
dele certamente. São várias mortes. Essas mortes que a gente vai carregando ao
longo das nossas vidas. Acho que todo mundo nessa faixa dos 40 anos, tende a
fazer uma revisão da vida.
O
Hélio: Como é que você sente esse texto psicologicamente? Acha que Miller analisa
o passado de uma maneira rígida ou mais indulgente consigo próprio?
LUCAS: É
como se Arthur Miller abrisse o peito dele. Tenho a sensação muito clara...acho
que ele escreveu isso numa sentada. Acho que ele sentou numa madrugada, depois
que a Marilyn morreu, e escreveu isso. O texto tem essa virulência. Não foi uma
coisa muito burilada. É pungente, verdadeiro. Tento colocar dessa maneira no
palco. Essa coisa de ficar três horas sem cena e não sair em nenhum minuto,
acho isso importante. É importante ele estar ali, vendo a sua memória sendo
projetada. E, como ator, acho que é um espetáculo que não tem refresco. Para
que ele ocorra em toda a sua potencia. Entrou em cena, fudeu. Acho que o
espetáculo tem que acontecer dessa forma, como num vômito.
O
Hélio: Como você compôs esse personagem? Me fala do processo anterior, dos
ensaios
LUCAS: Então,
um texto desse tamanho, fizemos um trabalho de mesa (leituras coletivas) e procurei ler muita coisa do Arthur Miller. Li
peças dele, romance, fiz uma pesquisa sobre a vida dele. Tentei trazer esse
personagem para mim. Então, quais são os pontos em comum com a minha vida. Eu também
tenho quase 40 anos. Eu também estou no meu terceiro casamento. Quando resolvi
me casar pela terceira vez, também fiz uma retrospectiva da minha vida. Terceiro
casamento exige reflexão pra caramba. O mais bacana mesmo foi o elenco. Lidar
com amigos. Lidar com gente.
O
Hélio: Simone, o que você acha que o teatro ainda tem pra dizer? O que acha que
a arte, de modo geral, ainda precisa tocar?
SIMONE SPOLADORE: Não
sei... acho que a gente fica fazendo isso pra tentar entender essa pergunta.
Acho que ninguém tem essa resposta. A gente tem necessidade de pensar sobre as
coisas. Na verdade, a gente está vivo e a gente quer pensar. Embora talvez tudo
já tenha sido dito.
O
Hélio: Qual é a potência de atualidade que tem esse texto do Miller, que data
de 1964?
SIMONE: É
um texto potente na medida em que caminha para o lado humano. O humano não
envelhece, não tem época, não tem lugar. É uma peça americana. Mas, Miller
consegue atingir a todos. Em seus medos, angústias...o que é certo para um é
errado para o outro.
O
Hélio: Falem um pouco dessa relação que seus personagens, a Maggie e o Quentin,
no caso, Marilyn e Miller, tentam viver.
SIMONE: (risos)
É, acho que eles tentaram. Eles se apaixonaram. Acho que eles tiveram um grande
sonho de amor, um castelo fantástico que se desmoronou. Todo mundo vive isso no
amor em algum momento da vida.
LUCAS: Toda
essa questão da diferença e do glamour da fama influencia muito. Ele e ela eram
pessoas muito diferentes, e de culturas também muito diferentes. Então, eles
foram engolidos pela máquina da exposição. E é difícil para o amor sobreviver
nisso. Acho triste, como toda história de amor que não dá certo.
O
Hélio: Como é que é para você fazer a Marilyn Monroe?
SIMONE: É
uma responsabilidade, sim. Todo personagem exige isso. Por outro lado, você tem
que se libertar dessa responsabilidade. É necessário se livrar do ideal e ir
para o real. Imagina se a pessoa vai ficar pensando nas outras milhares de
personagens e espetáculos que ela poderia fazer? Isso seria uma prisão. Então,
precisamos pensar na quantidade de grana que temos para o espetáculo, por
exemplo. De tempo e por aí vai. Além de tudo, um ator não pode se dedicar em
apenas um projeto, porque as contas precisam ser pagas. Tem que fazer novela junto,
como é o meu caso. Sabe? Eu estou no Brasil, como é que não vou pensar nisso?
O
Hélio: Você se sente pressionada?
SIMONE: É
claro que é uma pressão fazer a Marilyn. Mas, isso me dá mais prazer do que
pressão.
O
Hélio: Qual a intencionalidade dessa peça para vocês?
SIMONE: Além
de tudo o que o Lucas apontou antes, o Miller também fala muito sobre a questão
do destino americano do sucesso esplêndido, sabe? E vai mostrando o quanto isso
é ilusório. A Marilyn é famosa, rica, bela, mas não é feliz na verdade. A
impressão que eu tenho é de que ela não se aceita. Esse texto meio que destrói esse
mito do sonho americano. Agora, a Marilyn é um mito, é uma coisa maravilhosa. E
ninguém vai ser igual a ela. Impossível.
O
Hélio: O que vocês falam para jovens que querem ser ator e olham para vocês e
se emocionam?
LUCAS: No
primeiro momento, fico bem apavorado. Dar aula de teatro é uma responsabilidade
tremenda. Despertar essa chama é muito sutil e dá muito trabalho. Mas, a vida é
assim: difícil. O importante é ter o brilho no olhar e o esforço.
SIMONE: Tem
que ler, ler teatro, ler poesia, ler literatura. Estudar. A nossa profissão
hoje em dia é muito vulgarizada. É preciso ter uma visão crítica das coisas,
senão a gente acaba caindo num lugar comum do lugar da celebridade. E ser um
ator ou uma atriz, é ser outra coisa.
Agradecimentos: Victor Nalin
Simone spoladore é uma boa atriz. A proposta da série Magnifica 70 parece bastante interessante e bem feito, porque nós nos concentramos sobre a ditadura, o regime ea proibição sofreu Brasil na década de 70, onde nem tudo era permitido e o filme foi censurado nesta situação é Vicente, seu trabalho é para censurar filmes, e logo se vê envolvido em uma paixão por uma das estrelas, e você começa a Boca de Lixio. Um tributo ao cinema e crítica do regime é o que dá a esta série, além da paixão e proibição.
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