sábado, 25 de fevereiro de 2012

AJAX CAMACHO - TRILHEIRO DO SEU CAMINHO

Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Ravini Padilha
Revisão textual: Paulo Cappelli



Entre os intervalos de gravação e de muitas reuniões diárias, o diretor Ajax Camacho separa do seu corrido dia a dia uma hora e meia para almoçar com O HÉLIO. De humor rápido e fala incendiada, ele demonstra ao mesmo tempo a serenidade dos certeiros. Conta pra gente como inovou a linguagem radiofônica brasileira ao lado de grandes amigos e faz um saldo das suas marcas principais de direção, tendo sido aprendiz de Avancini e Tizuka Yamasaki. O papo começa com a sua temporada de cinco anos em Angola.

Ajax – O que eu aprendi lá foi humildade, respeito aos outros. Educação. Eles são muito educados. E, lá em Angola, um povo lindo, lindo. Um cabelo, um dente lindo. E eles são felizes! Eu lembro que a pobreza me chocou muito. Fiquei em Luanda e Luanda é uma cidade para 600 mil habitantes, mas, por causa das guerras nas províncias, muita gente migrou para lá. Tinha 4 milhões e meio de pessoas! Muita gente vivia na rua. Mas, são super limpos. As negras com aqueles tererezinhos super estilosas.

O HÉLIO.:  Por que você foi aprender a ser humilde lá?

Ajax – Eu sempre fiz meu caminho. E acho que foi um caminho vencedor. Agora, me achava bom pra caralho, sabe como que é? Me achava uma delícia demais. Com direito de não ter paciência. Os diretores com quem aprendi antes de ir para Angola foram diretores que se criaram sozinhos. Trabalhei com o Walter Avancini na novela “Xica da Silva”. E o Avancini foi um dos maiores diretores que a gente conheceu. Todo mundo bebeu da água do Avancini, que foi um diretor que entendia demais do conceito. Seja do figurino, do cenário, da história. Uma vez, perguntei a ele porque tinha a fama de ser tão grosseiro. Ele me respondeu que, na época em que se aprendia a fazer televisão, ninguém sabia nada. Aprendia fazendo. Como não sabia explicar, o “cala a boca” era a ordem geral para qualquer questionamento.

O.H.: Quer dizer, isso era o desespero do aprendiz.     

Ajax – Exatamente. Então, os diretores antigos foram criando uma certa metodologia de serem duros demais. Na verdade, quando a gente é muito inquebrantável nos nossos conceitos, perdemos muitas coisas. Antes do Avancini, trabalhei com a Tizuka Yamasaqui, que é outro ser humano que se fez. Ela é gaúcha e quase ninguém sabe disso! A conheci através de um anúncio de jornal.

O.H.:  Como é que tudo começou? A gente nasce e demora a conhecer qual é o caminho.

Ajax – Porra, é muito louco o meu começo, Pedro. Eu fazia engenharia! Num dia, numa aula de cálculo, joguei os livros pra o alto. Na época, era muito difícil passar para o vestibular. Passei para engenharia elétrica. Voltando, joguei os livros para o alto, peguei minha moto que comprei trabalhando em laboratório. Então, pagava minhas coisas e consegui comprar minha moto. No dia da aula de cálculo, informei aos meus pais que largaria engenharia e que ia fazer direito. Eles me chamaram de burro para baixo. Aí, fui fazer direito. Fiz na Bennett, que a gente costuma chamar de universe disco dance, que era tudo menos uma grande faculdade. Mas, fiz grandes amigos lá. Paralelo a isso, tinha um amigo meu dono de uma grande loja de computadores. Ele queria montar um programa de rádio. Na época, tinha uma rádio que se chamava Rádio Imprensa. Montamos um programa de rádio para meia noite, no qual entrevistávamos pessoas e tocávamos músicas não muito conhecidas. Tocávamos Marcos Valle, Cazuza etc. Aí, entrevistamos o André Uchoa, que montou uma Feira chamada Unijovem no Riocentro; nessa feira se vendia de tudo mesmo. Tudo pra jovem. Ele alugava os pavilhões só pra jovem. Isso em 1983 mais ou menos. Fomos entrevistar o André, então, que ficou apaixonado pela gente e o programa de rádio continuando. Fiz alguns trabalhos com o Paulo Cintura da Antena 1 também. Daí, um dia, lendo o JB, li uma matéria informando que uma rádio seria inaugurada em Búzios. Liguei para o jornal para saber quem deu a nota. Liguei para o meu amigo, esse que citei há pouco, que se chama Maurício, e conseguimos falar com quem estava montando a rádio em Búzios. Quem era o cara? O André Uchoa! Ele nos perguntou: Qual é o cargo que vocês querem para fazer essa rádio pra mim? Eu e Maurício nos olhamos assim de rabo de olho, afinal, morar em Búzios “é horrível “ (RISOS). Acabou que o André nos deu três cargos. Fui locutor, programador e chefe de locução. Ganhamos também uma casa de três andares, um jipe e uma moto. Eu fiquei louco! Rádio Búzios FM; e fez um sucesso do caralho. Por quê? As gravadoras, geralmente, costumam te empurrar uma playlist. Por exemplo, você vai tocar Michel Telo dez vezes por dia. Quando a gente foi montar essa rádio, a gente não quis pensar assim.



O.H.: Quebraram a ordem.

Ajax – Exatamente. Aliás, a minha vida é quebrar a ordem toda. Cheguei às gravadoras e informei que não iria seguir o playlist. As nossas grandes concorrentes, na época, eram as rádios Cidade e Transamérica. Não teve negociação. Então, fui até o dono da minha rádio e falei: vamos comprar a nossa playlist. No caso de Cazuza, por exemplo, enquanto as gravadoras queriam que a gente tocasse Ideologia, a nossa rádio tocava uma música que achava que tinha a cara de Búzios. A antena da gente era muito poderosa, pegava toda a região dos lagos do Rio. Rio das Ostras, Macaé, o caralho e o diabo! Quando a galera começava a sair da ponte, já começava a pegar a gente  (Búzios FM). Começaram a sintonizar e ficaram malucos. Os caras das gravadoras iam para Búzios e nos escutavam tocando pra caramba, cativando a galera. Fico todo arrepiado falando nisso, cara!

O.H.: – Nesse meio tempo, o Direito já tinha morrido, né?

Ajax – Depois fui sacar porque fiz Direito. Na verdade, o advogado é aquele cara que gosta de aparecer. Cheguei para as gravadoras e falei: testa os lançamentos que vocês têm medo de lançar no Rio e deixa eu testar em Búzios. Se der certo, a gente toca para frente! E aí o pessoal ficou louco, Pedro! Quer ver uma coisa, por exemplo? Ninguém tocava “Sweet child o´mine” do Guns N´ Roses porque tinha 9 minutos. Nós, da Búzios FM, podíamos tocar e tocamos!

OH.:  – Se abriram para a criação, então.

Ajax -  Sim. Até que o Carlos Townsend, da CBS, trouxe para a gente uma fita cassete* do Pink Floyd que ninguém tinha. Era Pink Floyd ao vivo direto dos Estados Unidos. Não havia tocado em nenhuma rádio! Tocamos duas horas e meia! Só paramos para vinhetar e comentar no meio. Cara! Foi um sucesso. Então, os atores iam para lá e a gente entrevistava eles, como Claudia Raia, Malu Mader. George Israel (Kid Abelha) também ia muito para lá com a Paula (Toller). Abríamos para eles fazerem ao vivo na Búzios FM. E aí aconteceu uma coisa do caralho: as gravadoras passaram a me passar coisas novas, como Midnight oil, R.e.n e etc.

OH.: O que você queria e tentou batalhar lá trás.

Ajax – Exatamente. Ah, é legal falar também que, antes de entrarmos de fato para assumirmos a rádio, rolou um teste. Fiquei trancado numa sala para fazer a programação. Cada música com, mais ou menos, três minutos e meio. Tinha que fazer programação de uma hora, depois de duas horas, depois de cinco horas. Aí, era preciso uma programação de uma semana. E isso sem sair da mesa! Só recebendo comida. Então, porra, eu pensava assim: bom, sete horas da manhã, vou colocar um Zé Geraldo, depois posso cair para Simone, depois posso cair para um Pink Floyd, depois vou aumentando a aceleração, dez horas neguinho na praia em Búzios, Jeribá, fumando maconha igual a um louco, ao meio dia entregava a programação para duas da tarde já estar bombando! Aí, de noite, entrava Fagner, Geraldo Azevedo e Nara Leão e Bruce Springsteen com uma gaitinha. E assim ia fazendo, inventando, sentindo. Eu fazia miséria, cara. Em Búzios, você tinha que ter uma locução mais direta, mais rápida. O pessoal lá quer fumar maconha, tomar uma cerveja e se dar bem.

O.H.: Você sente essa mesma ousadia nas rádios atuais?

Ajax – Não, nunca. A Oi FM tentou imitar a gente, mas não conseguiu. Não fazem essa costura maluca que eu fazia. Mexer com os ritmos, saber o que a galera queria ouvir naquele momento. Metíamos Frank Sinatra e Marina Lima uma da tarde, por exemplo. Nunca houve uma rádio que tivesse feito uma hora sem break. Nós começamos a fazer por necessidade e depois a Transamérica copiou e bombou.

O.H.: E como foi a transposição de linguagem do rádio para a TV?

Ajax - Paralelo à rádio, ajudamos a montar um programa na TV Búzios. Tudo idéia do João Uchoa e Júlio Uchoa. Teve um cara chamado Guto Franco, filho do Moacyr Franco, que falou “pô, Ajax, você leva jeito para isso! Vamos pra São Paulo. Eu te arrumo um estágio no SBT”. Saí da rádio Búzios e fui com a cara e a coragem para São Paulo aprender observando o programa “A Praça É Nossa”. Aí, chego um dia no Rio de Janeiro para visitar a minha mãe. Abro O Globo e leio que a Tizuka Yamasaki iria abrir curso para roteirista, direção etc. Falei assim comigo: vou fazer esse curso. Cheguei lá de bermuda, cabeludão e vi a Tizuka com uma calça de couro e uma assistente dela com jaqueta de couro. Eu pensei: essas mulheres vão me odiar porque achei que elas fossem sapatão. Detalhe: a Tizuka nunca foi sapatão. Eu fiz o curso e ela me adorou. O curso durou três meses, fui o primeiro da turma e ganhei bolsa para mais um ano. Depois, ela me chamou para trabalhar como assistente de direção. No curso de interpretação para TV, por exemplo, eu filmava. Depois da análise da Tizuka; eu, com a minha língua grande descia o pau nos atores. Dizia mesmo, olha, acho que errou ali, ali e ali. Fizemos curso na CAL e na Caixa Econômica Federal. No curso da Caixa, conheci a Ingrid, minha atual mulher. No começo, não achei nada demais nela. Mas, fiz uma cena com Ingrid e eu estava gravando um momento espetacular, adaptação de 100 anos de solidão de Gabriel Garcia Marques, fiz um close no rosto da Ingrid, cabelo voando batendo no rosto. Fiquei loucamente apaixonado e falei: caralho, que olhar é esse? Depois de gravarmos, a gente estava no Centro, fomos comer no restaurante Amarelinho.  Era noite e chovia. Fui ao banheiro, e saindo cruzei com a Ingrid. Olhei para ela e disse: a gente nunca vai poder se beijar, porque senão vamos ficar juntos. Dito e feito; três meses depois, nos casamos e estamos juntos até hoje.

O.H.: Tizuka te iniciou, podemos dizer?

Ajax – Sim. Ela é de um apuro técnico absurdo. Muito generosa, não guarda truques para si. Ela me ensinou muita coisa. Tem dois pensamentos seus que me marcaram muito; o primeiro é que ela me disse que o meu primeiro “gravando” seria muito difícil de falar. E foi mesmo. A segunda coisa: “faz teu filme primeiro. Depois que você ver as dificuldades que rolam, aí você vai poder falar mal do filme dos outros”. Então, nossa amizade foi espetacular.

O.H.: Mas aí, então, você montou o seu próprio curso depois?

Ajax – Isso. Procurei a Carla Souza Lima (morta há pouco tempo) da agência de modelos Elite e propus para ela um curso de atuação para modelos, para que as modelos também pudessem atuar, mas com qualidade. Sentei com projetinho na mão, gel no cabelo encaracolado e falei que ela iria ganhar de todas as formas, com as meninas fazendo novela, comercial, desfile. Daí, coloquei a Ingrid para fazer a aula de esquenta com os atores. O dia que a agência Elite aprovou de vez meu projeto, mostrei para a Ingrid, que foi lendo folha a folha e viu o nome dela na equipe. Começou a chorar. E aí, com o tempo, comecei a ficar muito bom diretor de atores.


O.H.: Qual o teu diferencial na direção naquela época?

Ajax - Eu faço um esquenta diferente. A Ingrid lia o texto para os atores e ia na necessidade deles.  Ela fazia o esquenta com eles antes e ela os ensinava a decupar o texto! Os atores não sabem decupar o texto! A Ingrid adaptou um método do húngaro Rudolf Laban, que era a kinesfera e o espaço do desejo. A kinesfera é quando você se comunica com os outros. Eu fico arrepiado! É um negócio genial. E também tem as velocidades. Tem personagem que está com espaço emocional a 60 km por hora. Não contentes com isso, nós dois criamos um negócio chamado slogan do personagem, que até hoje faço aqui dentro da Globo. O meu slogan de vida, por exemplo, se chama INTENSO. Se a gente for tomar uma cerveja, vou beber a cerveja como se ela fosse a melhor do mundo. E ela será. Por exemplo, agora, essa nossa conversa, está sendo o melhor momento do meu dia. Podia estar o Papa aqui, mas essa conversa que é do caralho. Entendeu? Então, sou intenso. Mas, se for criar um personagem frouxo, mesmo que na rubrica do meu roteiro esteja indicando uma discussão entre mim e o personagem frouxo, o “vai se foder” do personagem frouxo tem que soar medroso! Ele jamais vai poder me ganhar no texto, na fala e na ação. Como é que o frouxa transa?




O.H.: E o silêncio é importante, Ajax, no seu processo de direção e condução dos personagens?

Ajax – Com certeza! O silêncio é muito importante. É o subtexto.

O.H.: Você acha que a televisão pode investir mais no silêncio?

Ajax – Com certeza. E também em máscaras faciais. As pausas são muito necessárias. Depois da kinesfera, tem o espaço interno, quando a gente fala para si. E tem o espaço do desejo, que é a holografia. O público tem que ver a imagem na fala. Por exemplo, quando você fala que tomou um suco de limão bem ácido, você tem que transmitir para o outro o que você sente internamente. Por exemplo, quero beijar a tua boca. Você tem que me ver te beijando. Isso, Pedro, esse método, eu boto em Malhação, botei em Xica da Silva. E, por exemplo, se você é um ator sensível, você tem que ver e saber se o seu colega está passando por momentos maus na vida pessoal. Por exemplo, a Letícia Spiller está preocupada com a filha, que contraiu sarampo. E aí você precisa contracenar com o personagem e com a atriz. Tem que chamar mais atenção. Ser mais habilidoso.

O.H.: O que você acha que está trazendo de diferente para a Malhação, já que é o produto com o qual está trabalhando atualmente?

Ajax – Pedro, tenho aprendido muito com o Mário Márcio. Já o admirava desde a época do Você Decide. Isso agora está me lembrando uma discussão que tive com Avancini. Falei para um ator que fazia um capitão do mato que ele precisava ser mais do mato! Perguntei se ele não reparava que, quando a gente anda no mato, dá aquelas coceirinhas de carrapicho pinicando. Sugeri que ele fizesse uma força externa e começasse a se coçar. Porra, e foi o pulo do gato do personagem! O cara quase me deu a bunda por essa dica! (RISOS). Depois disso, saiu uma nota no jornal dizendo que eu e Avancini brigamos. E nada disso tinha acontecido. Mas, acabamos mesmo nos separando depois dessa nota de discórdia. Um mês depois, vim para a Globo para fazer Você Decide, com o diretor de núcleo Herval Rossano, isso em 1997. Mesmo sendo diretor, ia ver os outros diretores gravando, fui percebendo os estilos. E me apaixonei pela tranquilidade do Mário Márcio. Aprendi que a gente precisa ser calmo no set.  Minhas referências eram Tizuka e Avancini, que são tensos no set. Quando o Avancini entrava pra gravar, não podia cair um prego. Uma vez, ele gravando cena com a Drica (Moraes), fui falar alguma coisa que não lembro e escutei: “Ajax, quando eu estiver dirigindo, só eu falo.” Caralho, Pedro, me caguei todo. (RISOS). Avancini mais tarde me deu um conselho: Ajax, fala mais baixo porque dá poder falar baixo. - Desculpa, Avancini, até hoje não consegui falar baixo! Desculpa. Fui notando que você pode ser parceiro do ator e não patrão do ator. Voltando a Angola, lá pude ser mais desprendido porque podia ensinar. Fiquei mais maleável e menos egoísta nos meus pensamentos. Isso Angola me deu. Quando retornei ao Brasil, após cinco anos na África, me senti muito melhor na profissão. Focando no atual trabalho, Malhação, acho que somei com o Mário Márcio deixando o set calmo. Então, o set do nosso trabalho é feliz. Dirigimos os atores e demos tempo a eles. É gostoso de gravar. O resultado sai bom.
O.H.: O que mudou efetivamente na abordagem?

Ajax – A Ingrid (roteirista) agregou na Malhação a periferia e jovens que conseguem realizar suas coisas, seus projetos, seus estudos. A diferença dessa Malhação é: os jovens são eles mesmos, contam as suas histórias por eles mesmos. Estamos com um texto quase que falado, bem coloquial e fluido. E a nossa direção é muito naturalista com o realismo.

O.H.: Nesse sentido, vocês não estão trabalhando reforçando estereótipos, mas sim ressaltando os slogans de cada personagem?

Ajax – Porra, é isso aí. Exatamente. Mostramos o jovem contemporâneo que achamos em qualquer lugar.

O.H.: E como foi a escolha dos atores? Pensaram mais em colocar negros, por exemplo?

Ajax – Sim. Na verdade, temos uma legítima miscigenação nessa temporada do Malhação Conectados. Tem gente do Sul, tem gente de Salvador; tem o Pedrinho do cavaco. Temos mineiro com sotaque, paulista com sotaque. Eles falam do jeito deles. Somos um caldeirão cultural que é espetacular. Quando a direção é segura, a gente deixa o ator criar. O bom diretor é quando ele cutuca no ator o que o ator entendeu no texto. Foi difícil montar o elenco, fizemos muitos testes. Fomos muito rigorosos.

O.H.: Como você avalia essa fala do “tem que passar pelo teatro primeiro para depois ir pra TV”?

Ajax – Acho que, se você tiver talento sozinho, pode fazer como quiser. O teatro te dá segurança dos esquetes, te dá embasamento. Enriquece. O mesmo é para o cinema. São artes que agregam emoção.

O.H.: Como você se posiciona diante da televisão?

Ajax – Acho a televisão fantástica. Primeiro pela forma como ela foi conduzida no Brasil. Quando a TV Globo montou a sua rede, ela unificou o país. A mesma língua que se falava no cu do Rio Grande do Sul, se falava no cu do Acre. A Globo uniu o país na língua, na moda, no pensamento.

O.H.: Explica mais.

Ajax – Então, o país ficou sólido culturalmente, quero dizer. E levou a cultura brasileira para o mundo. Então, a TV é um veículo disso tudo. Agora, é óbvio que muita merda você pode aprender com esse veículo. Depende do coração que você guarda dentro de você. A TV acrescenta muita coisa. Vejo também coisas horrorosas na televisão; exemplo: programa evangélico. Agora, a censura tende a empobrecer a televisão. Ta fodendo tudo; é uma censura maluca.



O.H.: Tem diferença entre arte e entretenimento?

Ajax – Tem total. BBB é entretenimento. Super Man também. Agora, você vai assistir um Lars Von Trier em Melancolia é bem diferente ou assistir ao lindo documentário Dzi Croquettes da Tatiana Issa também é outra coisa bem diferente. É cultura. Você vai para aprender e trocar.

O.H.: Quando que o seu trabalho vira ferida?

Ajax – Boa pergunta... acho que, acho não, tenho certeza. Quando tenho que fechar uma cena porque o tempo não está dando, mas vejo que a cena ainda poderia render bem mais. Eu vejo que o ator dá mais, que a cena pede mais, mas quando o horário acaba, é em ponto. Não há negociação.

O.H. : Você acha que as novas mídias, a internet, vêm ameaçar a TV?

Ajax – De modo algum. Acho que só reforçam a TV. Tanto que a maioria dos trend topics do Twitter são cenas de novela. Você viu o cara que a mulher empurrou no BBB? Trend Topics. Pedro, nunca me conformei com o que me deram. No bom sentido, ok? Por exemplo, vou ser advogado. Terei que ser fora do óbvio, porque não tenho pai juiz nem tios com escritórios no Centro da Cidade. Entende? As minhas coisas são muito voltadas para o social do ser humano. Então, a pessoa que não tem grana nem pistolão, ela tem que ser compulsivamente persistente. E o que fode o ser humano é que ele costuma fazer as coisas pela metade. Ah, eu ia correr hoje, mas daqui a dez minutos. O que fode é a gente não querer ser melhor. Você pode criar o seu caminho em qualquer profissão. Nunca deixei as pessoas trilharem o meu caminho. Sempre busquei alternativas para me tornar melhor na minha profissão. Seja como locutor, como programador musical, seja como diretor de televisão ou como professor de curso para atores.

O.H.: Voltando a Angola, qual momento te marcou mais lá?

Ajax – (pensativo. Suspira) Ah, Pedro, vi muita criança morrer. Tinha direito a umas pizzas para meus lanches. Dava tudo às crianças. Em Angola, vi um menino morrer dentro de uma candonga (van). E isso era totalmente normal para eles. A pessoa com 20, 18, 30 anos era normal, num espaço de três dias, morrer de fome ou de alguma doença. Vi muito linchamento na rua também. A morte de perto me marcou muito. Tanto quanto a alegria dos angolanos. Ela, certamente, marcou minha vida de forma bem potente. Se pudesse escolher um segundo país, com certeza, seria Angola. Lá, aprendi muito a generosidade e a compaixão. Isso também me lembrou agora o Dalai Lama. Está tudo conectado, Pedro, tudo. Você, por exemplo, tem uma energia bacana e desse papo surgiu uma conexão. Simples assim. Se você pode indicar um caminho para alguém, porra, isso não tem preço! A gratidão e a generosidade são o que me movem. Junto, claro, com o meu slogan, que é intensidade. (RISOS)












7 comentários:

  1. ESPETACULAR!!!!! Parafraseando o proprio Ajax: "Esse cara é do caralho!". Só quem o conheceu pessoalmente sabe o quanto esse cara te balança com uma energia emocional quase alienígena.

    Hélio, a matéria ficou ÓTIMA. Parabéns!!

    ResponderExcluir
  2. Três anos trabalhando e aprendendo com o Ajax foram poucos, pois eu sabia que tinha muito oq aprender. Sou fã desse cara e ele sabe disso... Muito do que sei veio dele. Muito boa a entrevista Hélio e parabéns pela escolha do entrevistado.
    Cesar Sarat

    ResponderExcluir
  3. Claro que eu não poderia deixar de acrescentar meu comentário. Eu sou o Maurício e convivi com o Ajax desde nossas adolescências. Mais que intenso, o que eu sempre vi no Ajax foi uma fome de fazer, de aprender. A tudo o que eu propunha, ele nunca disse não. Era sempre: vamos! Cara e coragem e um carinho enorme dele para a minha família e minha pela família dele, que adoto até hoje. O Ajax mergulhou de cabeça no que queria e voltou a tona consagrado. Além de amigo e com milhões de histórias vividas juntos, eu sou um fã incondicional desse cara. É meu padrinho de casamento, meu irmão (sou filho único e por isso é o irmão que eu escolhi)e um grande amigo. Até para casar foi extremamente competente. A Ingrid é uma mulher linda, inteligente e uma companheira que soube acompanha-lo em todas as "barras" passadas pelo casal. Acho que a maior tradução do Ajax está na música do Paulinho Mosca: ... é tudo novo de novo. vamos mergulhar de onde já caímos... Beijo irmão.

    ResponderExcluir
  4. Incrivelmente incrível! Uma inspiração total para meus estudos de Produção Audiovisual (Rádio, TV, Cinema...). Uma aula e tanto! Tanto profissionalmente quanto espiritualmente... Parabéns Pedro!

    Abraços

    ResponderExcluir
  5. Eu sou o Fifico amigo do Ajax desde a adolescencia e pela nossa amizade de mais de 40 anos tenho o conhecimento suficiente para dizer que partindo dessa cabeca louca dele so podia dar em coisa boa e ai esta a entrevista que nao deixa mentir.
    Um beijo no coracao meu camarada. You are the best!

    ResponderExcluir