Por: Pedro Paulo Rosa
Foto: Divulgação
Revisão Textual: Paulo Cappelli
O quinteto “Mulheres de Hollanda”, com sua leveza e harmonia peculiares, cede uma entrevista (por email) para nos falar sobre novos projetos, de como começaram e do desafio de cantar em grupo. O que nos fica evidente, após escuta-las, é a facilidade que todas elas têm com a música, com o encontro do artístico. Entrosadas, as “meninas” de Hollanda escolheram as composições de Chico Buarque como inspiração. As canções desse mestre da música ganham ainda mais charme e beleza nas vozes de Karla, Eliza, Ana, Marcela e Malu.
Hoje, elas estão brilhando os cariocas no teatro Rival, na Cinelândia.
O HÉLIO: Origem. Onde é que tudo começou para cada uma de vocês na música?
- Karla Boechat: Muito cedo, pra mim. Eu comecei a ler música antes de ler letra, comecei no piano aos 5 anos de idade e com 11 já me apresentava em pequenos concertos. Cresci ao lado do meu piano e foi por conta disso e por culpa dele que eu descobri que podia cantar, quando fui obrigada a fazer canto coral pra me formar pelo Conservatório Brasileiro de Música. Nunca mais parei.
- Malu von Krüger: Minha família é toda muito "musical". Tias e tios que sempre gostaram muito de tocar violão e fazer cantoria quando se encontravam. Os tios de minha mãe eram cantores do Madrigal em Belo Horizonte. O avô do meu pai também teve ligações com a música. Lembro muito de ficar ouvindo os discos da Elis e cantando junto. Quando vim morar no Rio ela começou a fazer parte efetivamente com o coral do colégio e outros corais que vieram e foram direcionando a minha vida efetivamente para a música . Acho que "ser cantora" está naquela lista clássica de "o que você vai ser quando crescer?”
- Eliza Lacerda: Começou quando muito criança eu ia aos ensaios do coral da escola em que minhas duas irmãs cantavam. O regente do coral na época me chamou pra gravar um disco de músicas folclóricas pra criança e eu acabei sendo uma das solistas infantis. Depois disso me afastei por muitos anos da música voltando a cantar já adolescente por influência da Malu, minha irmã que não parou de cantar nunca. Acabei fazendo o teste e entrando pro grupo Mulheres de Hollanda.
- Ana Cuba: Para mim foi através do teatro. Assim que me formei na CAL, em 1994, recebi um convite de uma querida mestra, Nara Keiserman, de integar um grupo musical cênico do qual ela fazia parte. Senti a necessidade de ter aulas de técnica de canto e me indicaram a Karlinha (Karla Boechat), por quem me apaixonei e me ensinou muito sobre ser cantora. Incrível, como o meio musical é tão mais receptivo e generoso que o meio teatral, pelo menos comigo o foi.
- Marcela Mangabeira: Comecei aos 13 anos, quando simplesmente "descobri" que cantava, depois que uma professora me ouviu solfejar uma melodia na sala de aula e me pediu que eu a fizesse na frente de todos, para a sala toda ouvir. Nunca soube que possuía um dom 'diferente' até então. A partir daí o que era paixão se tornou vital na minha vida, e hoje eu posso dizer que já tenho 11 anos de estrada profissional na música.
O.H.: Como que o grupo fechou em vocês cinco? Quando disseram: é, somos nós e ponto!
- Karla Boechat: Em 2005. Montei o grupo em 2002, inicialmente com alunas de canto da minha Companhia de Cantores, cantoras do meu elenco de frente. De 2002 a 2005 passamos por algumas (trans)formações e muito amadurecimento. Quando estreamos o primeiro show inteiro, em 2005, já éramos as cinco de hoje e sabíamos que assim seria por muito tempo.
Com admirável maturidade, as “Mulheres de Hollanda” reconhecem os caminhos sinuosos de se construir arranjos para tantas vozes. A equipe trabalha em sintonia na busca de sonoridades diferentes para as composições de Chico. E o resultado final de cada novo arranjo transborda bom gosto.
O.H.: Quais os principais desafios de se cantar em cinco?
- Karla Boechat: não há segredo em ser um quinteto, principalmente em um grupo que vem cantando junto há quase 10 anos. Pelo contrário – há muitas vantagens. Nossos arranjos em sua maioria são mesmo a cinco vozes e isso é muito rico. O desafio do ‘Mulheres de Hollanda’ existe sim, mas no que diz respeito aos arranjos em si. O desafio está na caneta e na cabeça dos arranjadores. Nós somos cinco vozes femininas (não é um grupo misto) e isso dificulta muito o trabalho deles em termos de registro, cor e extensão. Não é qualquer arranjador que consegue escrever para nós. Mas uma vez escrito e aprovado, quando chega pro ensaio é questão de tempo. É bem verdade que sempre que recebemos um novo arranjo começamos uma fase em que odiamos verdadeiramente o arranjador, todos os dias. Mas logo isso também passa (RISOS).
O.H.: Por quê Chico Buarque como pilar das interpretações de vocês?
- Karla Boechat: Minha culpa. Desde menina eu sabia que faria um trabalho com as musicas de Chico e que teria este nome – Mulheres de Hollanda. Eu vi o espetáculo da Tattiana Cobbett (criadora deste nome) na década de 80 dirigido pelo Naum Alves de Ouza, eu era adolescente e nunca me esqueci daquelas imagens. Além disso, sempre me vi fascinada pela facilidade com que o Chico fala na primeira pessoa, no feminino. Como ele sabe o que uma mulher sente? Como uma mãe sente? Não poderia jamais! Mas sabe. Musical e poeticamente é tão brilhante quanto, ele adora a palavra e respeita as melodias. Ou ao contrário e tudo junto. Fato é que nada nesta obra imensa é por acaso, tudo é milimetricamente encaixado. Isso é genial. Minha mãe ‘me nasceu’ e amamentou, ‘me cresceu’ e me criou cantando Chico no meu ouvido. A culpa é dela.
O.H.: São Mulheres ou Meninas de Hollanda? Em que momentos acham que amadureceram para serem mulheres de Hollanda? Pergunto isso porque muitos a chamam, por carinho, de meninas.
- Karla Boechat: Quero ser chamada eternamente de ‘menina de Hollanda’, adoro quando se referem a nós desse jeito tão carinhoso e isso é mesmo muito comum. Acho que vem do brilho nos olhos da gente quando a gente canta, quando a gente fala do trabalho, vem da nossa gana de realizar isso, da nossa luta incansável pra que o trabalho aconteça... criança brilha e não cansa nunca! (risos) Mas somos mulheres hoje, sem dúvida. Com todas as variações de humor e TPMs a que temos direito (risos)
- Ana Cuba: Preciso dizer que fico imensamente feliz por esse carinho que de fato acontece por parte do público e das pessoas que nos conhecem. A estrada de concepção, criação e levantamento de um espetáculo é muito rica e nos faz lidar com nosso emocional, com a qualidade e construção do nosso profissional. Creio que no começo dessa jornada, as "Meninas" estavam mais presentes com seus sonhos e ideais de realidade que continuam a existir, mas que amadureceram junto com cada uma de nós. A realidade da vida de um artista nesse país é por vezes muito dura e cruel. Vermos "bombar” em trabalhos de pouca qualidade e cuidado, é frustrante, mas é um espelho do que é a nossa sociedade. O enfrentamento dessas realidades e as experiências pessoais e profissionais fizeram desabrocharem estas Mulheres. Mas, nunca perdemos o lado menina de cada uma. Este está presente com suas brincadeiras, bom humor, nos fazendo rir depois de um dia cansativo e de uma rotina de ensaios. Renovando as nossas esperanças. As crianças têm essa capacidade.
- Marcela Mangabeira: Difícil isso, né? Até anos atrás essa "transição" ainda não era tão clara na minha cabeça... Mas hoje posso dizer, por mim, que no palco, a mulher é que impera. Apesar de saber que a menina nunca sairá de mim.
- Eliza Lacerda: Hoje são Mulheres, sem dúvida. Quando fiz o teste, o perfil da cantora que entraria não se encaixava com o meu justamente por conta da idade. Eu ainda era uma menina. Mas passei no teste e fui amadurecendo junto com o grupo e hoje somos todas mulheres no palco.
- Malu von Krüger: Acho que o bacana é ser as duas coisas! Meninas e Mulheres. Hoje o trabalho do grupo está mais maduro do que já esteve, o tempo e a prática fazem isso, eu acredito. Já temos mais facilidade de ler os arranjos, de timbrar com o grupo. Já já sabemos o nosso funcionamento juntas.. é igual a qualquer casamento. Só que somos cinco...!
O.H.: Existe alguma lembrança de momento marcante em um show de vocês?
- Karla Boechat: Eu sou uma pessoa que cai, que derruba, que esbarra em cena, fazer o que? Temos alguns episódios tristes (que não sei porque elas acham muito engraçados) que ‘marcaram’ alguns shows de ‘Mulheres de Hollanda’.
Mas seriamente falando, a gravação do primeiro CD/DVD, como um todo, foi até hoje o que mais nos marcou. Naquele momento, naquelas circunstâncias, logo em um primeiro registro depois de cinco anos de tanto trabalho, cantar ao lado do Quarteto em Cy, Zé Renato e Claudio Nucci e ainda com o Cristóvão Bastos ao piano foi de uma emoção que vai nos acompanhar pro resto de nossas vidas. Sem falar que, com tudo isso, nós gravamos tudo em menos de cinco horas! Nós não tínhamos cinco dias de gravação para depois editarmos as melhores partes – nós só tínhamos cinco horas! Fizemos um único show em condições absolutamente adversas e conseguimos aproveitar mais de 90% de gravação corrida. Vc tem idéia?
O.H.: Alguém do quinteto compõe?
- Karla Boechat: Eu escrevo muito, já sonhei muito em ser escritora um dia, talvez quando eu crescer (risos). Por conta disso, tenho uma única música onde eu assino apenas a letra. Nasci em cima de um piano mas sou absolutamente incompetente para criar melodias. Vai entender!?
- Malu von Krüger: Hmm.. não que eu saiba. Talvez por diversão secretamente!
- Ana Cuba: Nada oficial ou rotineiro. Por vezes, gosto de brincar de inventar melodias e letras, mas muito informalmente e sem registros.
- Marcela Mangabeira: Hum... Tenho algumas composições, mas não tenho a vontade de ser compositora nem de gravar essas minhas músicas. Se um dia acontecer, será um processo muito natural.
O.H.: Todo mundo tinha certeza, desde pequena, que seriam músicas?
- Karla Boechat: Eu sim. Quando chegou a hora eu até fiz vestibular para medicina. Sou de uma época em que eu até poderia ser pianista por hobby, mas tinha que ‘ter uma profissão’. Apenas fiz o vestibular de medicina, mas a primeira faculdade que cursei foi de musicoterapia (que era uma profissão, idéia da minha mãe para que eu continuasse ligada ao meu piano e conseguir driblar a exigência do meu pai). Isto terminado, nunca me dediquei integralmente a outra coisa na Vida que não fosse a música, e tudo o que fiz e todos os empregos que tive paralelamente, foram unicamente para conseguir viabilizar continuar estudando e fazendo mais música.
- Eliza Lacerda: Música definitivamente nunca foi uma opção de carreira profissional para mim. Tenho inclusive outra formação profissional. Acontece que a música é soberana, foi mais forte dentro de mim e me venceu. Me formei em publicidade e acabei nunca exercendo a profissão.
- Malu von Krüger: Não. Tive essa vontade e acreditei que seria possível depois dos 15 anos.
- Marcela Mangabeira: Apesar de ouvir muita música constantemente durante toda a minha vida, dentro da minha casa, nunca pensei em ser musicista quando era pequena. Primeiro quis ser bailarina (baseado em quê eu não sei, pois nunca fiz balé! rs)... Depois cirurgiã plástica... Foi um processo gradativo e natural deixar a música e a arte aflorarem em mim. Hoje vejo que foi o melhor que poderia ter acontecido, e tenho muito a agradecer aos meus pais, que nunca me forçaram a seguir outro caminho.
- Ana Cuba: De maneira alguma! Risos! Não era aquela que ficava cantando em frente ao espelho fazendo um desodorante de microfone; minha mãe nunca me inscreveu em programas de calouros ou talentos infantis; não participei da banda e nem do grupo de teatro da escola... Meus pais sempre gostaram de ouvir música, em casa. Gardel, Lupicínio, Noel, Piazzola. Minha mãe cantarola vez por outra em casa, e ficávamos dançando na sala ao som destas músicas. Essas horas em família me agradavam e agradam muito e acho que registrei a música como essa alegria, aproximação, hora feliz... Engraçado como isso aconteceu, mas parece que foi a música que acabou me escolhendo e eu, muito feliz, me entreguei à ela de corpo e alma.
O.H.: Qual é o público das “Mulheres de Hollanda"?
- Karla Boechat: Absolutamente eclético. Adolescentes, casais apaixonados, senhoras e senhores, mulheres sozinhas (muitas) e homens sozinhos (na mesma proporção!). É Chico Buarque gente! (risos) Conto sempre o caso de um rapaz, há tempos, no gargarejo do Teatro Rival, sozinho na mesa, que chorava horrores e alto enquanto a Eliza cantava ‘Mil Perdões’. Foi duro continuar cantando com ele aos prantos. A gente ficou com pena!
O.H.: Atualizem a agenda de shows.
23/06 – TEATRO RIVAL (participação especial de Olivia e Francis Hime)
24/06 – TEATRO RIVAL (participação especial de Lucinha Lins)
19 e 20/07 – SP (gravação do Sr. Brasil – Rolando Boldrin)
20 à 31/08 – turnê em SP passando por Campinas, São Carlos, Santos, Limeira, Ribeirão Preto, Baurú, São Caetano e outras cidades ainda, além de dois shows grandes na capital.
OUTUBRO – Nova temporada no Rio de Janeiro.
O.H.: Como convergem, aliam suas produções com a WEB?
- Karla Boechat: De todas as formas possíveis! Temos um site belíssimo no ar – www.mulheresdehollanda.com.br – estamos no Facebook (como grupo e individualmente), no Tweter, no My Space, no Orkut e no Youtube! Falamos, ouvimos, conversamos e respondemos, pessoalmente, a qualquer pessoa que se aproxime para conversar sobre o trabalho. Somos todas, absolutamente, internéticas. Damos entrevistas fotografando tudo e subindo on time para o Facebook (RISOS).
O.H.: Novo CD em vista?
- Karla Boechat: Sim. Já está na hora de gravarmos o IMAGINA ELA, este novo show que estreou em novembro do ano passado e que, graças a Deus, é um enorme sucesso. A idéia é termos o DVD também, como da primeira vez. Nosso trabalho tem um apelo cênico muito forte e muito bem aceito pelo público, precisamos aproveitar isso para que não se perca, para que não se esqueça.
O.H.: Foi difícil encontrar alquimia e sintonia para construir o grupo? Como foi esse processo?
- Karla Boechat: De jeito nenhum. Eu, Malu e Cuba, cantamos juntas desde 1994! Eliza, que é irmã da Malu, era adolescente ainda e por isso começou a cantar com a gente mais tarde, mas entrou rapidamente em sintonia. Tanto quanto a Marcela, que chegou em 2005 só para cobrir uma licença maternidade e acabou ficando.
O.H.: O quinteto, se pudesse ser sintetizado numa palavra, qual seria?
- Karla Boechat: VONTADE
O.H.: Qual o pensamento, letra de música, reflexão que traduz o trabalho de vocês?
- “A gente vai contra a corrente até não poder resistir”
Mas estamos resistindo. Bravamente!
FICHA TÉCNICA DE MULHERES DE HOLLANDA:
DIREÇÃO GERAL – KARLA BOECHAT
DIREÇÃO MUSICAL – ANDRÉ PROTÁSIO
DIREÇÃO CÊNICA – ANA ABBOTT E MARIA CLARA HERTZ
DESENHO DE LUZ – AURÉLIO OLIOSI
PREPARAÇÃO VOCAL – DECO FIORI
CENÁRIO – LIVIA HEINERICH
FIGURINO E ACESSÓRIOS – VANIA SOARES e ATELIER MISS VEE
MULHERES DE HOLLANDA CANTA ARRANJOS DE:
ANDRÉ PROTÁSIO – AUGUSTO ORDINE – FLÁVIO MENDES – KARLA BOECHAT – MAURICIO DETONI – MURI COSTA
NO VIOLÃO – FLÁVIO MENDES
NA PERCUSSÃO – FABIANO SALEK
NO SOM – DANIEL VASQUES
ROADIE e ASSISTENTE DE PALCO – EDSON OSCAR
UMA PRODUÇÃO – CIA. DA VOZ KARLA BOECHAT
sexta-feira, 24 de junho de 2011
domingo, 19 de junho de 2011
PAULINHO MOSKA: COMPOSITOR DE LINGUAGENS
Por: Pedro Paulo Rosa
Foto: Lucas Conrado
Revisão Textual: Paulo Cappelli
O cantor e compositor Paulinho Moska traz consigo uma profundidade que ultrapassa o olhar compenetrado e a fala eloquente. Com um programa de TV (Zoombido, Canal Brasil e Net 66 e tem versão radiofônica na Lumem FM e na MPB FM)sobre música, além de produzir e editar seus materiais artísticos, ele promove - com suas produções - um ponto de encontro entre artistas da música para agradáveis conversas. Versatilidade é a palavra que transborda ao ouvi-lo contar sobre sua origem musical, sobre como escolheu o nome artístico e do seu processo de criação. Muito ligado à natureza e ao silêncio para produção da poesia-canção, Moska se diz um "leigo profissional", que gosta de tudo e não gosta de nada. O baiano de coração e carioca de nascença conversa com a gente em sua "desacelerada" casa no Jardim Botânico.
O HÉLIO: Por que o nome “moska”?
Paulinho Moska – Apelido de escola, eu sou muito magro, tenho olhão. (RISOS). Mas, tem uma coisa legal em que fiquei pensando e que traduz e confirma muito a minha escolha por esse nome artístico. A mosca voa e volta para o mesmo lugar porque ela escolheu exatamente aquele lugar. Entende? Quando ela vai alçar voo, ela não sabe onde é que ela vai pousar. A visão desse animal é muito, mas muito sofisticada! A mosca decide o local do pouso ainda no ar. Então, se ela decide que é no seu joelho que ela vai ficar, não adianta você abanar ela com a mão, porque ela fatalmente voltará ao seu joelho. Aquele foi o lugar que ela, na liberdade do vôo, escolheu ficar. Eu me sinto um pouco assim ao fazer canções. Eu voo não sei para onde. Quando estou no ar, decido a música, a letra, a canção.
O.H.: E a sua origem, Moska? Você é do Rio?
Moska – Eu sou carioca, filho de família baiana. Mas, nascido e criado aqui. Adoro a Bahia, aqui em casa eu cozinho comida baiana. Tenho mesmo uma adoração pela cultura negra, pelo candomblé – embora não siga, pelo inicio do Brasil na Bahia. As religiões africanas junto com o Budismo, para mim, são as que enxergo melhor. Digo isso porque, quanto mais eu envelhoço mais me sinto baiano. Eu estou ficando bem “caverna” e festivo. Atribuo isso ao sangue baiano. Aqui no Rio, tive uma educação bem burguesa: fui criado no Leblon, colégios da Zona Sul, praias da Zona Sul... enfim...
O.H.: Isso te incomoda?
Moska – Não, não... na verdade, eu fico com inveja dos suburbanos, dessa relação suburbana com a alegria.
O.H.: Engraçado que essa relação é recíproca. Os suburbanos talvez te invejariam pela praia do Leblon, pelos colégios...
Moska – (RISOS) Olha, eu não trocaria com eles não.
O.H.: Eles trocariam.
Moska – A inveja que eu tenho é do sentimento suburbano. Passei algumas das minhas férias no interior da Bahia. Gosto muito dessa simplicidade que cada vez tem menos na Zona Sul. Eu moro num condomínio, como você pode perceber, que é bem bucólico. Eu gosto de mesa de bar, de festa, de gente reunida, por isso que eu digo que eu tenho essa inveja. Acredito que a poesia tem mais facilidade de nascer quando as coisas são mais simples. Principalmente num mundo hiper competitivo, de múltiplas velocidades, e com uma certa banalização da violência, banalização de tudo! Então, tudo está em excesso. Eu fico pensando onde nasce a poesia no meio disso. Eu me sinto cada vez mais dentro da caverna para produzir o meu tempo desacelerado em relação ao mundo para que a poesia brote. Eu não uso relógio de jeito nenhum, tempo para mim é outra parada. Eu moro nessa casa e ela é uma casa desacelerada. Retomando, eu fui criado numa Zona Sul diferente, embora meus pais ainda diziam que a Zona Sul estava sendo invadida pelos mendigos. De todo modo, eu percebia que a Zona Sul já estava sendo invadida.
MOSKA em frente à fachada coberta de natureza de sua casa no Jardim Botânico
O.H.: Invadida é uma expressão que você usou e que é bem interessante. Isso me faz lembrar o Zuenir Ventura no seu livro “A Cidade Partida”. E é mais ou menos isso, como se a Zona Sul fosse uma muralha, um Monte Castelo. Só que um Monte Castelo invertido, né? Porque o Monte Castelo real era habitado por uma população pobre.
Moska – Sem dúvida, você está certo. Eu, criança, não tinha nenhum senso crítico sobre isso. Mas, como eu estava dizendo, eu ainda pude jogar bola na rua, eu ia à praia a pé com cinco anos de idade, vendia-se revista em quadrinho na calçada. Não tinha perigo nenhum. A bicicleta ficava sem cadeado na portaria do prédio. Então, tinha o pipoqueiro, o sorveteiro. Enfim, era uma zona sul bem diferente. E bem menos perigosa. Eu também tinha uma fixação com coleções. Colecionei desde maço de cigarro a calota de carro. Selos eu também comprava e logo no primeiro dia de publicação.
O.H.: Você ainda guarda esse colecionador dentro de você?
Moska – Dentro, sim. Um dia, eu joguei tudo fora. Me arrependo. Não sabia que, quando adulto, gostaria de ter isso na mão. Quando eu me casei, fiz uma mala com todas as coleções e pedi para minha mãe jogar fora. E ela jogou. A coleção me ensinou bastante, porque hoje sou um cara que sabe admirar. Eu gosto um pouco de tudo e não gosto muito de nada. (RISOS)
O.H.: Olha o paradoxo sempre te rondando...
Moska – É!! Sempre! Falo que eu gosto um pouco de tudo porque gosto de música, dança, teatro, cinema, filosofia, arquitetura, gosto de ler sobre religiões, ao mesmo tempo: não sou religioso, não tenho condição de dar uma palestra sobre cinema, não posso discutir com um fotógrafo porque não entendo nada das lentes. Mas, eu sou tudo isso. Sou um leigo profissional, entende? A coleção me deu essa vontade de experimentar um pouco de tudo. Eu sou um compositor na medida em que compor é juntar.
O.H.: Na sua composição, você não parece em nada com um leigo profissional.
Moska – Eu acho que a canção foi e é a rainha das minhas experiências. Porque foi com ela que tudo começou. Talvez, eu seja um profissional da canção sim. Vivo dela basicamente. E tudo o que eu faço – fotografia, TV, cinema, teatro – no fundo é para me alimentar e a canção jorrar. Tudo é também para produzir canções. Tentar condensar e sintetizar ideias. E a coleção também jorra numa canção. Voltando à sua pergunta, com treze anos eu comecei a tocar violão. Quando eu nasci e cresci, como sou caçula, já tinham muitos discos dentro de casa. Minha irmã escutava desde Fábio Jr. à Beatles.
E a empregada escutando Wando. Meu pai ouvindo clássico e minha mãe ouvindo Roberto Carlos.
O.H.: E como foi a sua estada na CAL ( Colégio de Artes de Laranjeiras) ?
Moska – Com 16 anos entrei na CAL para estudar teatro. As pessoas que conviviam comigo sempre disseram que eu me tornaria artista. E lá na CAL houve uma apresentação do “Garganta Profunda”, que era um coral de 23 pessoas regido pelo Marcos Leite (que já faleceu) e eu fiquei apaixonado com uma apresentação do “ Garganta” lá na CAL. Eu fui muito atraído porque tinha tudo que me interessava, era um coral meio cênico, tinha cara pintada. Era a junção de tudo o que eu gostava, ainda mais que estudava teatro e tocava violão. Minha ideia, na época, era ser um ator de musical, porque eu cantava e tocava. Depois eu queria ir para Cuba estudar cinema. Meu sonho de criança era fazer um filme musical. Então, era teatro e música ao mesmo tempo. Na minha adolescência, eu queria ser artista! Artista do canto e da interpretação. Então, fui para CAL estudar e conheci o “Garganta”. Quando entrei no coral, ele já estava todo estruturado. E lá dentro do coral, depois de um ano e meio cantando, teve um projeto que era subdividir o coral. Então, formamos vários grupos dentro do “ Garganta Profunda”. Ao invés de ser um show de coral tradicional, entrava um grupo, fazia sua música, depois entrava outro. Nós éramos 23 atores. Era no amor que a gente estava ali. A gente fazia desde comercial para o Barra Shopping até um show no Museu Carmem Miranda. Bom, aí, um desses grupos vocais do “Garganta” era formado por mim, Luiz Guilherme e Luiz Nicolau. Nossa primeira apresentação foi no Paço Imperial, no Centro do Rio. Daí, no nosso ensaio, quando a gente foi passar nossa música, era um punk rock – com baterial, baixo e guitarra, e aí uma administradora do Paço Imperial veio nos advertir informando que ali onde estávamos fazendo aquela barulhada toda era a sala do trono, onde o Rei dava as ordens. Então, naquele dia a gente se batizou de “Os inimigos do Rei”. Inclusive, havia um jornal anarquista baiano naquela época chamado “O inimigo do Rei”. Então, nasceu o trio. Saímos do “Garganta Profunda” e tivemos uma turma com sete integrantes. Lançamos o nosso primeiro disco que estourou! Duramos quatro anos depois que saímos do “Garganta”. Uma música que fez muito sucesso foi “Uma barata chamada Kafka”.
O HÉLIO: Muito para mim é tão pouco e pouco é um pouco demais. O que é isso?
Paulinho Moska – Eu acho essas perguntas sempre muito difíceis. Porque são muitas coisas. Às vezes, é uma frase que você ouviu de alguém e anotou. Hoje em dia, muito do que eu escrevo é mais o jogo das palavras, eu me sinto quase uma criança brincando de lego. Os vermelhos se encaixam, depois eu quero fazer uma linha só de amarelo, ou uma linha só de azul. Sabe? Então, tem esse encaixe das bolinhas, né? As palavras são a mesma coisa. Eu fico jogando com sílabas e rimas. E sentidos. Mas, o sentido tem mais liberdade. Rima é uma rima. Cavalo não rima com cabeça, definitivamente. (RISOS). Então, os sentidos ajudam a gente a estar com essa parte mais lúdica.
O.H.: O seu momento de compositor agora é esse?
Moska - Já faz tempo que eu sou um compositor apaixonado por rimas, trabalhando com métricas. Na verdade, tudo começa com o olhar. Toda música tem alguma coisa real. Às vezes, é inteira. Às vezes, é um vômito de tudo aquilo que você está vivendo. Mas, pô, se está rimadinho, fechadinho, se tem um refrão, que é como se fosse o ápice do livro. Então, é óbvio que numa música tem muito de uma coisa pensada racionalmente. Nas minhas primeiras canções, eu não percebia isso. Fazia isso intuitivamente. O que foi sendo feito intuitivamente se tornou um método.
O.H.: Legal, você amadureceu, né?
Moska – Exatamente. E eu acho que qualquer artista é assim. Por exemplo, sou genro de um grande pintor. Você pega todos os quadros dele e vai ver que tem uma linguagem. Nos primeiros quadros, você vai flagrar marcas dessa mesma linguagem, só que ela não está estabelecida. O artista começa primeiro sem a sua auto-imagem estabelecida. Mas, conforme ele vai fazendo instintivamente e naturalmente as coisas, o artista vai reconhecendo na sua prática os seus traços. Então, eu fui reconhecendo os meus traços e percebi que eles incluem a coisa da rima e da métrica. Coisas que eu gosto muito é começar uma frase e mudar o sentido dela antes do final.
O.H.: A Maria Rita, por exemplo, canta essa música “Muito Pouco” de uma maneira bem explosiva.
Moska – Tentando responder a sua pergunta, o que eu quis dizer com isso, o que eu não acho o mais importante, porque o que o autor quis dizer é só dele. Ninguém tem que entender como o autor. O entendimento é uma coisa muito subjetiva. Porque o entendimento é fruto dos seus encontros com as coisas da vida, com a sua experiência. Agora, eu posso até te dizer o que eu quis dizer, mas quero frisar que a letra é livre e tem que ter um outro sentido para os outros. Essa é a grande liberdade de uma obra de arte, de uma poesia, de uma dança, de um filme. Agora, nessa música, eu tento colocar o muito como pouco e o pouco como muito. Eu gosto disso. Não resisto a um trocadilho! Pedro, tudo para mim tem múltiplos sentidos. Raramente eu escrevo alguma coisa...
O.H.: Monolítica?
Moska – É. Que tenha uma certa objetividade. Eu nunca seria um compositor político, por exemplo.
O.H.: Você é um compositor de linguagens e não de mensagens.
Moska – É. Acho que sim, muito bom isso! Tá ótimo isso. (RISOS)
A originalidade de Paulinho Moska se traduz em um artista que não tem medo de Filosofia. Que se problematiza, observa-se do lado de fora da janela, tornando possível um diálogo aberto e transformativo com a sua maneira de fazer arte, de se liberar através da música. Com talentos múltiplos, a canção é onde tudo juntamente culmina e alça o voo particular das linguagens antes nunca pensadas.
Foto: Lucas Conrado
Revisão Textual: Paulo Cappelli
O cantor e compositor Paulinho Moska traz consigo uma profundidade que ultrapassa o olhar compenetrado e a fala eloquente. Com um programa de TV (Zoombido, Canal Brasil e Net 66 e tem versão radiofônica na Lumem FM e na MPB FM)sobre música, além de produzir e editar seus materiais artísticos, ele promove - com suas produções - um ponto de encontro entre artistas da música para agradáveis conversas. Versatilidade é a palavra que transborda ao ouvi-lo contar sobre sua origem musical, sobre como escolheu o nome artístico e do seu processo de criação. Muito ligado à natureza e ao silêncio para produção da poesia-canção, Moska se diz um "leigo profissional", que gosta de tudo e não gosta de nada. O baiano de coração e carioca de nascença conversa com a gente em sua "desacelerada" casa no Jardim Botânico.
O HÉLIO: Por que o nome “moska”?
Paulinho Moska – Apelido de escola, eu sou muito magro, tenho olhão. (RISOS). Mas, tem uma coisa legal em que fiquei pensando e que traduz e confirma muito a minha escolha por esse nome artístico. A mosca voa e volta para o mesmo lugar porque ela escolheu exatamente aquele lugar. Entende? Quando ela vai alçar voo, ela não sabe onde é que ela vai pousar. A visão desse animal é muito, mas muito sofisticada! A mosca decide o local do pouso ainda no ar. Então, se ela decide que é no seu joelho que ela vai ficar, não adianta você abanar ela com a mão, porque ela fatalmente voltará ao seu joelho. Aquele foi o lugar que ela, na liberdade do vôo, escolheu ficar. Eu me sinto um pouco assim ao fazer canções. Eu voo não sei para onde. Quando estou no ar, decido a música, a letra, a canção.
O.H.: E a sua origem, Moska? Você é do Rio?
Moska – Eu sou carioca, filho de família baiana. Mas, nascido e criado aqui. Adoro a Bahia, aqui em casa eu cozinho comida baiana. Tenho mesmo uma adoração pela cultura negra, pelo candomblé – embora não siga, pelo inicio do Brasil na Bahia. As religiões africanas junto com o Budismo, para mim, são as que enxergo melhor. Digo isso porque, quanto mais eu envelhoço mais me sinto baiano. Eu estou ficando bem “caverna” e festivo. Atribuo isso ao sangue baiano. Aqui no Rio, tive uma educação bem burguesa: fui criado no Leblon, colégios da Zona Sul, praias da Zona Sul... enfim...
O.H.: Isso te incomoda?
Moska – Não, não... na verdade, eu fico com inveja dos suburbanos, dessa relação suburbana com a alegria.
O.H.: Engraçado que essa relação é recíproca. Os suburbanos talvez te invejariam pela praia do Leblon, pelos colégios...
Moska – (RISOS) Olha, eu não trocaria com eles não.
O.H.: Eles trocariam.
Moska – A inveja que eu tenho é do sentimento suburbano. Passei algumas das minhas férias no interior da Bahia. Gosto muito dessa simplicidade que cada vez tem menos na Zona Sul. Eu moro num condomínio, como você pode perceber, que é bem bucólico. Eu gosto de mesa de bar, de festa, de gente reunida, por isso que eu digo que eu tenho essa inveja. Acredito que a poesia tem mais facilidade de nascer quando as coisas são mais simples. Principalmente num mundo hiper competitivo, de múltiplas velocidades, e com uma certa banalização da violência, banalização de tudo! Então, tudo está em excesso. Eu fico pensando onde nasce a poesia no meio disso. Eu me sinto cada vez mais dentro da caverna para produzir o meu tempo desacelerado em relação ao mundo para que a poesia brote. Eu não uso relógio de jeito nenhum, tempo para mim é outra parada. Eu moro nessa casa e ela é uma casa desacelerada. Retomando, eu fui criado numa Zona Sul diferente, embora meus pais ainda diziam que a Zona Sul estava sendo invadida pelos mendigos. De todo modo, eu percebia que a Zona Sul já estava sendo invadida.
MOSKA em frente à fachada coberta de natureza de sua casa no Jardim Botânico
O.H.: Invadida é uma expressão que você usou e que é bem interessante. Isso me faz lembrar o Zuenir Ventura no seu livro “A Cidade Partida”. E é mais ou menos isso, como se a Zona Sul fosse uma muralha, um Monte Castelo. Só que um Monte Castelo invertido, né? Porque o Monte Castelo real era habitado por uma população pobre.
Moska – Sem dúvida, você está certo. Eu, criança, não tinha nenhum senso crítico sobre isso. Mas, como eu estava dizendo, eu ainda pude jogar bola na rua, eu ia à praia a pé com cinco anos de idade, vendia-se revista em quadrinho na calçada. Não tinha perigo nenhum. A bicicleta ficava sem cadeado na portaria do prédio. Então, tinha o pipoqueiro, o sorveteiro. Enfim, era uma zona sul bem diferente. E bem menos perigosa. Eu também tinha uma fixação com coleções. Colecionei desde maço de cigarro a calota de carro. Selos eu também comprava e logo no primeiro dia de publicação.
O.H.: Você ainda guarda esse colecionador dentro de você?
Moska – Dentro, sim. Um dia, eu joguei tudo fora. Me arrependo. Não sabia que, quando adulto, gostaria de ter isso na mão. Quando eu me casei, fiz uma mala com todas as coleções e pedi para minha mãe jogar fora. E ela jogou. A coleção me ensinou bastante, porque hoje sou um cara que sabe admirar. Eu gosto um pouco de tudo e não gosto muito de nada. (RISOS)
O.H.: Olha o paradoxo sempre te rondando...
Moska – É!! Sempre! Falo que eu gosto um pouco de tudo porque gosto de música, dança, teatro, cinema, filosofia, arquitetura, gosto de ler sobre religiões, ao mesmo tempo: não sou religioso, não tenho condição de dar uma palestra sobre cinema, não posso discutir com um fotógrafo porque não entendo nada das lentes. Mas, eu sou tudo isso. Sou um leigo profissional, entende? A coleção me deu essa vontade de experimentar um pouco de tudo. Eu sou um compositor na medida em que compor é juntar.
O.H.: Na sua composição, você não parece em nada com um leigo profissional.
Moska – Eu acho que a canção foi e é a rainha das minhas experiências. Porque foi com ela que tudo começou. Talvez, eu seja um profissional da canção sim. Vivo dela basicamente. E tudo o que eu faço – fotografia, TV, cinema, teatro – no fundo é para me alimentar e a canção jorrar. Tudo é também para produzir canções. Tentar condensar e sintetizar ideias. E a coleção também jorra numa canção. Voltando à sua pergunta, com treze anos eu comecei a tocar violão. Quando eu nasci e cresci, como sou caçula, já tinham muitos discos dentro de casa. Minha irmã escutava desde Fábio Jr. à Beatles.
E a empregada escutando Wando. Meu pai ouvindo clássico e minha mãe ouvindo Roberto Carlos.
O.H.: E como foi a sua estada na CAL ( Colégio de Artes de Laranjeiras) ?
Moska – Com 16 anos entrei na CAL para estudar teatro. As pessoas que conviviam comigo sempre disseram que eu me tornaria artista. E lá na CAL houve uma apresentação do “Garganta Profunda”, que era um coral de 23 pessoas regido pelo Marcos Leite (que já faleceu) e eu fiquei apaixonado com uma apresentação do “ Garganta” lá na CAL. Eu fui muito atraído porque tinha tudo que me interessava, era um coral meio cênico, tinha cara pintada. Era a junção de tudo o que eu gostava, ainda mais que estudava teatro e tocava violão. Minha ideia, na época, era ser um ator de musical, porque eu cantava e tocava. Depois eu queria ir para Cuba estudar cinema. Meu sonho de criança era fazer um filme musical. Então, era teatro e música ao mesmo tempo. Na minha adolescência, eu queria ser artista! Artista do canto e da interpretação. Então, fui para CAL estudar e conheci o “Garganta”. Quando entrei no coral, ele já estava todo estruturado. E lá dentro do coral, depois de um ano e meio cantando, teve um projeto que era subdividir o coral. Então, formamos vários grupos dentro do “ Garganta Profunda”. Ao invés de ser um show de coral tradicional, entrava um grupo, fazia sua música, depois entrava outro. Nós éramos 23 atores. Era no amor que a gente estava ali. A gente fazia desde comercial para o Barra Shopping até um show no Museu Carmem Miranda. Bom, aí, um desses grupos vocais do “Garganta” era formado por mim, Luiz Guilherme e Luiz Nicolau. Nossa primeira apresentação foi no Paço Imperial, no Centro do Rio. Daí, no nosso ensaio, quando a gente foi passar nossa música, era um punk rock – com baterial, baixo e guitarra, e aí uma administradora do Paço Imperial veio nos advertir informando que ali onde estávamos fazendo aquela barulhada toda era a sala do trono, onde o Rei dava as ordens. Então, naquele dia a gente se batizou de “Os inimigos do Rei”. Inclusive, havia um jornal anarquista baiano naquela época chamado “O inimigo do Rei”. Então, nasceu o trio. Saímos do “Garganta Profunda” e tivemos uma turma com sete integrantes. Lançamos o nosso primeiro disco que estourou! Duramos quatro anos depois que saímos do “Garganta”. Uma música que fez muito sucesso foi “Uma barata chamada Kafka”.
O HÉLIO: Muito para mim é tão pouco e pouco é um pouco demais. O que é isso?
Paulinho Moska – Eu acho essas perguntas sempre muito difíceis. Porque são muitas coisas. Às vezes, é uma frase que você ouviu de alguém e anotou. Hoje em dia, muito do que eu escrevo é mais o jogo das palavras, eu me sinto quase uma criança brincando de lego. Os vermelhos se encaixam, depois eu quero fazer uma linha só de amarelo, ou uma linha só de azul. Sabe? Então, tem esse encaixe das bolinhas, né? As palavras são a mesma coisa. Eu fico jogando com sílabas e rimas. E sentidos. Mas, o sentido tem mais liberdade. Rima é uma rima. Cavalo não rima com cabeça, definitivamente. (RISOS). Então, os sentidos ajudam a gente a estar com essa parte mais lúdica.
O.H.: O seu momento de compositor agora é esse?
Moska - Já faz tempo que eu sou um compositor apaixonado por rimas, trabalhando com métricas. Na verdade, tudo começa com o olhar. Toda música tem alguma coisa real. Às vezes, é inteira. Às vezes, é um vômito de tudo aquilo que você está vivendo. Mas, pô, se está rimadinho, fechadinho, se tem um refrão, que é como se fosse o ápice do livro. Então, é óbvio que numa música tem muito de uma coisa pensada racionalmente. Nas minhas primeiras canções, eu não percebia isso. Fazia isso intuitivamente. O que foi sendo feito intuitivamente se tornou um método.
O.H.: Legal, você amadureceu, né?
Moska – Exatamente. E eu acho que qualquer artista é assim. Por exemplo, sou genro de um grande pintor. Você pega todos os quadros dele e vai ver que tem uma linguagem. Nos primeiros quadros, você vai flagrar marcas dessa mesma linguagem, só que ela não está estabelecida. O artista começa primeiro sem a sua auto-imagem estabelecida. Mas, conforme ele vai fazendo instintivamente e naturalmente as coisas, o artista vai reconhecendo na sua prática os seus traços. Então, eu fui reconhecendo os meus traços e percebi que eles incluem a coisa da rima e da métrica. Coisas que eu gosto muito é começar uma frase e mudar o sentido dela antes do final.
O.H.: A Maria Rita, por exemplo, canta essa música “Muito Pouco” de uma maneira bem explosiva.
Moska – Tentando responder a sua pergunta, o que eu quis dizer com isso, o que eu não acho o mais importante, porque o que o autor quis dizer é só dele. Ninguém tem que entender como o autor. O entendimento é uma coisa muito subjetiva. Porque o entendimento é fruto dos seus encontros com as coisas da vida, com a sua experiência. Agora, eu posso até te dizer o que eu quis dizer, mas quero frisar que a letra é livre e tem que ter um outro sentido para os outros. Essa é a grande liberdade de uma obra de arte, de uma poesia, de uma dança, de um filme. Agora, nessa música, eu tento colocar o muito como pouco e o pouco como muito. Eu gosto disso. Não resisto a um trocadilho! Pedro, tudo para mim tem múltiplos sentidos. Raramente eu escrevo alguma coisa...
O.H.: Monolítica?
Moska – É. Que tenha uma certa objetividade. Eu nunca seria um compositor político, por exemplo.
O.H.: Você é um compositor de linguagens e não de mensagens.
Moska – É. Acho que sim, muito bom isso! Tá ótimo isso. (RISOS)
A originalidade de Paulinho Moska se traduz em um artista que não tem medo de Filosofia. Que se problematiza, observa-se do lado de fora da janela, tornando possível um diálogo aberto e transformativo com a sua maneira de fazer arte, de se liberar através da música. Com talentos múltiplos, a canção é onde tudo juntamente culmina e alça o voo particular das linguagens antes nunca pensadas.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
MAX FERCONDINI - O ATOR EM REVOLUÇÃO
Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Ravini Padilha
Revisão Textual: Paulo Cappelli
Max Fercondini, apesar de aparentar pouca idade, tem uma vasta carreira na televisão brasileira. Contracenou ao lado de grandes nomes da nossa teledramaturgia, como Tarcísio Meira e Lília Cabral. Numa conversa descontraída em um restaurante na Barra da Tijuca, zona oeste carioca, o ator e também um profissional apaixonado pelo audiovisual, nos fala sobre seus trabalhos atuais; revela como é participar de projetos comunitários, defende a função social do ator, expõe seu pensamento – lúcido e claro – acerca da união homo afetiva regulamentada pelo Supremo Tribunal Federal. Max ainda nos compartilha sua perspectiva de mídia atual e potencializa a força de transformação que as novas mídias podem provocar na vida de uma pessoa. Passamos também por vocação e religião, temas que o ator considera em alto nível.
Atualmente, está no ar no folhetim das sete, “Morde e Assopra”, da TV Globo e se sente profundamente realizado apresentando o programa “ Globo Ecologia” (Canal Futura).
O HÉLIO: Onde você começou, Max?
Max Fercondini: Eu comecei como ator aos catorze anos de idade. Fui criado no interior de São Paulo, em Jundiaí. Mas, estudei sempre em São Paulo porque achava que era lá onde os melhores cursos existiam. Então, fiz curso de interpretação para TV e também para teatro. Até que eu fiz um curso com o Wolf Maia. E ele estava com uma novela para iniciar, mas não tinha ator. O personagem que ele criou tinha as minhas características. Acho que foi estar no lugar certo e na hora certa. Daí para frente, uma novela puxou a outra. Mudei para o Rio de Janeiro e estou no meu décimo ano de TV Globo. Com onze novelas e uma minissérie.
O.H.: Sua família é ligada à arte? Como você encontrou a vocação?
Max: A ajuda foi muito da minha mãe. Desde pequeno, eu gosto de chamar atenção. Em sala de aula, isso era prejudicial, não era admirável na escola. Minha mãe percebeu que eu precisava deixar de fazer da sala de aula o meu palco. Então, minha mãe disse que a minha plateia precisava não ser mais a turma. Ela me colocou no teatro, e isso me ajudou muito a extravasar energia. E, quando comecei o teatro, também melhorei nas ciências humanas: português, história...
O.H.: Como foi a sua vinda para o Rio, muito complicado?
Max: Então, a minha vinda foi complicada. Eu investi muito mais do que lucrei. Minha mãe, na verdade! (RISOS) Eu tinha uns 14 anos na época.
O.H.: Ouvindo você contar parece fácil. Como é que foi o caminho das pedras? Como você tocou lá na Globo, explica esse processo. Tem muita gente boa que consegue, como você. Mas tem muita gente ruim que também consegue.
Max: Eu atribuo a sorte a Deus, embora eu não seja muito místico. Eu sou cristão.
O.H.: Cristão católico ou cristão evangélico?
Max: Eu sou cristão. Se eu for pensar bem, tendo mais para o cristão evangélico do que para o católico. Leio a bíblia e costumo ouvir de todos os discursos. Até mesmo o Budismo tem muita coisa fantástica que podemos colocar na nossa vida. Eu acho que religião é isso, colocar em prática as suas crenças, as suas admirações pelos ídolos. Seja Buda, Gandhi ou Jesus.
O.H.: Os famosos líderes carismáticos...
Max: (RISOS) Pois é, mas a gente beira à idolatria ao falarmos de líder carismático. E isso é perigoso. Então, acho que não podemos ter fanatismo. Então, voltando à sua pergunta lá de trás, eu aproveitei as oportunidades que me apareceram. Mas, antes, eu fiz muitos cursos!
O.H.: Como achou o curso do Wolf Maia?
Max: Quando eu fiz o curso dele, era num fundo de quintal de agência de modelos. Agora, ele montou uma mega estrutura que é muito legal! Eu até indico para as pessoas que querem fazer TV.
O.H.: É acessível?
Max: Na época, eu paguei algo em torno de R$ 800 por um mês de curso. Acho que foi um investimento muito enriquecedor para minha carreira. Sabe, Pedro, tudo o que eu fazia, todo mundo me incentivava muito. Por exemplo, primeiro teste que eu fiz para comercial em São Paulo, eu era muito criança. Mas, eu passei! Hoje em dia eu me sinto muito consciente do que acontece. Se é iluminação, se é câmera, se é a direção, eu vou percebendo. No Globo Ecologia, inclusive, a gente usou a minha câmera, que é uma 7D.
O.H.: Você já fez teatro, pensa em fazer?
Max: Então, eu sou do audiovisual. Já fiz teatro, mas eu me realizo fazendo televisão.
O.H.: Por quê?
Max: Acho que... Vamos colocar dois lados. Primeiro, na TV, você controla muito mais tudo.
O.H.: Controla mais o outro ou o seu trabalho?
Max: Controla mais o resultado final. Eu acho que a experiência me traz essa tranquilidade. Talvez eu esteja sendo não legal com o teatro porque eu fiz pouco. Eu fiz uma peça com o Gustavo Reis, que hoje é autor da Record. A gente viajou pelo Brasil todo. Eu me dava muito bem no palco, senti que aquilo era muito prazeroso. Mas, eu sou da televisão. Hoje, a minha maior realização profissional é apresentar o Globo Ecologia ( no Canal Futura ). Eu participo de todo processo, às vezes passo na produtora, participo de quase todas as reuniões de pauta. Interajo com os diretores, com toda a equipe. Isso é muito bom. Agora, o lado chato da TV é virar uma figura carimbada. Sempre acaba sendo a mesma coisa. Temos que tomar cuidado para não ficarmos presos aos estereótipos. Hoje em dia, acho que as novelas estão no vício do maniqueísmo. Poxa, um cara veio me entrevistar, Pedro, e me perguntou o que eu esperava do meu personagem. E eu? Não soube responder. Alguns discursos de novela estão muito inverossímeis. E principalmente maniqueístas. O artístico está muito subtraído e jogado, sem um direcionamento.
O.H.: Quer dizer que está muito industrial?
Max: Pode ser. Concordo. Volto a dizer que a minha maior realização tem sido o Globo Ecologia. Porque ali houve ressonância e repercussão. Naquele trabalho, eu troco com todos. Há liberdade no texto, na apresentação. Não há ditames do tipo: “não pode mudar o texto de jeito nenhum!”. E eu acho, Pedro, que obras de TV, são obras coletivas. Talvez, todas as obras. Eu acho que no momento as novelas estão muito rendidas ao ibope. Um exemplo interessante que tive foi no trabalho do filme “Uma professora muito maluquinha”, que ainda nem estreou. Ali, eu pude criar um personagem totalmente diferente, que foi um professor de geografia mineiro da década de 1940. Então, o trabalho de composição do sotaque e as nuances que você vai colocar, tudo isso foi muito bom para mim.
O.H.: Você se foca muito no cachê? Já recebeu convites de filmes comunitários de jovens estudantes? Você aceitaria fazer sem cobrar nada?
Max: Aceito e já fiz. Um dos filmes que eu fiz se chama “Anfitriões”, dos alunos da Estácio de Sá. Eles estavam precisando de um ator. E me chamaram. Aceitei. Eu não só atuei no filme como emprestei meu carro para buscar o cenário. Foi um curta até premiado. Eu acho que a gente está vivendo a revolução do audiovisual, ainda mais porque estamos tendo acesso às câmeras 7D, que hoje você compra por 1.600 dólares e você transforma uma página de roteiro em uma qualidade máxima audiovisual. E se você trocar as lentes, pode fazer uma fotografia genial!
O.H.: Para você, como essa revolução altera o mundo social?
Max: Eu acho que as pessoas estão tendo mais acessos de colocarem suas ideias. De exibirem e visualizarem suas ideias. E isso é demais.
O.H.: Você faria o “Tropa de Elite”?
Max: Faria sim, mas gostei mais do “Tropa 2”. Porque no dois tem um roteiro mais pensado, e o final te levanta para um “Tropa 3”. Eu achei fantástico. Mas, o primeiro “Tropa de Elite” 1 achei mais documental, menos preciso.
O.H.: Sobre o processo de formação e criação do personagem, qual o método ou caminho teórico ou prático que você usa no seu trabalho?
Max: Eu, como disse, fiz muitos cursos. Mas uso muito o sistema da reação. Por exemplo, ao invés de chegar com muita coisa preparada, prefiro observar tudo o que está sendo proposto para eu reagir em cima daquilo. Às vezes, isso é ruim. Numa novela, por exemplo, não dá para fazer. Porque tem diretores exaustos e pessoas menos experientes que você. Então, se você não preparou nada, você se ferra. Entende? Um bom teste de elenco seria colocar vários atores numa sala e colocar um objeto no centro dessa sala. O ator que ficar paradão, não é um bom ator. Aquele que começar a mexer e questionar o objeto é o que vai te render mais em cena. Por isso que eu acho muito mais legal, quando eu estou me preparando para gravar, a aproveitar o que eu tenho. Tento pensar na textura das coisas, nos cheiros. Uso muito a memória sensorial. Você constrói uma bagagem visual para o seu personagem, sempre sozinho e com objetos irreais. Não materiais. Isso também é muito legal. Agora, fazer isso para novela, é muito impraticável. As pessoas se acostumam com o estereótipo.
O.H.: Como você enxerga a glamorização da arte? Você acha que dá para sobreviver, o ator, financeiramente, sem fazer televisão?
Max: Pedro, eu acho que... (suspiros) É uma coisa que independe da gente. A única coisa que eu posso fazer é ir contra isso. A pergunta é: eu quero ir contra isso? É interessante? Se eu vou passar na rua alguém gritar “lindo!!!” ou “bom ator!”... é claro que é gostoso ser curtido. Seja pela beleza ou porque é um bom profissional. Eu sentiria falta não do grito “lindo!”, mas pelo reconhecimento do meu trabalho. Eu me movo muito por conta do reconhecimento do meu trabalho, embora não alimente expectativas. Porque isso é muito ruim. A maioria dos atores hoje em dia estão reféns da expectativa. Às vezes, eu vejo atrizes posando para playboy achando que vão se tornar mais mulher. Nem que eu posasse pelado (eu nunca posaria) criaria expectativas. Tudo o que eu faço, tem um motivo. Se eu estou fazendo “Morde e Assopra” (novela das sete da TV GLOBO) é porque há um motivo.
Max revela momentos inesquecíveis pelos quais teve de passar para construir personagens, buscar elementos e crescer enquanto ator.
--- Na novela “Páginas da Vida”, em que eu fazia o irmão da Nanda (Fernanda Vasconcelos) foi onde eu mais trabalhei com essa coisa da reação, do olhar. Da atuação no silêncio do olhar. Eu aprendi duas coisas muito importantes: a primeira, estar pronto. O mercado nos EUA, por exemplo, não espera você estar pronto. Se você não for o primeiro a levantar a mão, perde pontos. Lá eles valorizam quem tem a coragem para ganhar. Aprendi isso num curso que fiz em Los Angeles. E eu pude usar isso na novela. Mesmo que não tivesse muito texto, eu estava nas melhores cenas. E isso são oportunidades. Eu me questionava muito em cena. Era sempre reagindo conscientemente no psicológico. E eu sempre tive bons pais nas novelas. Tarcísio Meira já foi meu pai! Tive a oportunidade de fazer uma cena em que Tarcísio me dava um tapa na cara. Na minissérie “Um só Coração”. O Paulo José já foi um tio quase pai para mim. Otávio Augusto também já foi meu pai. Enfim, grandes ensinamentos de mestres. Em “Páginas da Vida”, fui filho de Lília Cabral e Marcos Caruso. Eu já identificava claramente o trabalho do Manoel Carlos. Nessa última novela, “Viver a vida”, todos nós mergulhamos à beça! Os personagens são profundos. Agora, cada autor tem uma fórmula. É ou não é? Um perfil, digamos. O perigo é não se renovar. No caso do Manoel, os conflitos que ele coloca são muito profundos.
O.H.: A novela das seis, “Cordel Encantado”, é uma novidade. Você não acha?
Max: – Assisti muito pouco. Mas, a fotografia é demais. A batida dos 24 quadros também é lindo, incrível.
O.H.: Qual foi o trabalho que você gostou mais de fazer até agora?
Max: – “Ciranda de Pedra”. Foi um trabalho bastante sensível e que valorizou muito o trabalho do ator. E ter o Alcydes Nogueira como autor foi muito bom! Mesmo sendo uma novela densa para o horário, deu muito certo. Teve um momento tão de entusiasmo que eu liguei para o Alcydes para elogiar o trabalho dele. Trabalhar com ele foi uma excelente oportunidade.
O.H.: Você tem meta para ser galã?
Max: Tenho meta para protagonizar. Os meus personagens já são protagonistas para mim (RISOS). Mas, quero que eles sejam protagonistas de uma trama.
O.H.: Você quer ser mocinho?
Max: Não. Posso ser vilão... (RISOS). O anti-herói ou então um papel bem diferente de mim. O mercado das micro e macro séries está cada vez maior também. O público tem, cada vez mais, maior aceitação pela troca e pela pressa. A Globo tem percebido isso e investido bastante em microsséries. O público está mais exigente, mesmo o público de novela. A dona de casa, por exemplo, sabe se o diretor erra o eixo da câmera ou se o iluminador falha! Essa geração do celular que filma tem muito mais acesso para ser visibilizado e gerar mídia espontânea. Poxa, hoje em dia, você cria um canal no Youtube e pode ser muito reconhecido, ficar rico ainda por cima. (RISOS).
O.H.: Você acha que o ator tem função social?
Max: Sim, com certeza. Eu estive em Manaus no projeto Ação Global, que é um projeto que promove a cidadania. É um projeto de parceria do SESI com a Rede Globo. A Globo divulga e o SESI organiza os atendimentos à população carente. Os serviços são vários: atendimento médico, higienização, orientação sexual, várias coisas. É a segunda vez que eu escolhi ir para Manaus. É bom frisar que eu quem escolhi Manaus. Se eu não acreditasse na minha função social, eu escolheria aqui do lado, no Rio ou em São Paulo. Eu escolho Manaus porque eu acho que é onde tem maior carência social e onde mais precisa de cidadania. São povos que não tem acesso físico de uma estrada para tirar uma certidão de nascimento. O que mais me marca quando eu viajo para o Norte e Nordeste é a euforia que causa a chegada de um ator da Rede Globo. Tanto nas regiões nobres quanto nas periferias do Norte e Nordeste. Não sei se isso é bom ou ruim. Na verdade, com certeza é o dois. Ano passado, fui para o Maranhão, local onde o índice de desenvolvimento humano é muito baixo. Me impressionou muito ver mães com os filhos no colo querendo tocar em mim e quase deixando o bebê cair no chão, sabe? Querem te agarrar e te tocar por carinho. Elas jogam o filho nos meus braços. Isso impressiona muito. Agora, o lado bacana foi no momento em que eu subi no palco e, me deparando com várias mães jovens, senti que devia alertá-las sobre a prevenção à gravidez precoce. Falei da importância da camisinha. Passaram cinco segundos depois de falar isso e umas moças gritaram: “a gente que usar camisinha com você!”. Então, eu não só acredito que o ator tenha uma função social como eu a pratico. Faço questão de mudar, de levar coisas boas para as pessoas.
O.H.: Qual texto de novela que você falou que te marcou e que você tenha pensado: “Que texto bom!”
Max: Ah, eu adoro o texto do Manoel Carlos. E gosto muito da liberdade que ele nos dá para falar o texto. Eu vivi uma coisa que foi demais com o Manoel Carlos. Veio para mim a cena do parto da personagem da Sandrinha (Aparecida Petrowski). Eu fazia um personagem que era ginecologista e obstetra. A mesma profissão da minha mãe! Para compor o meu personagem, fui à hospitais, acompanhei alguns partos em hospitais públicos do Rio. Eu presenciei aqueles partos de uma maneira muito presente, muito visceral. Lúcido mesmo. Daí, eu ia fazer o parto da Sandrinha. Antes dessa cena, a gente assistiu junto um parto. Nós massageamos a barriga da paciente para potencializar as contrações. Aí, cara, a gente pegou frases originais dos médicos. A gente perguntou aos médicos o que eles não gostavam em personagens médicos em novela. Eles responderam que não gostavam quando assistiam um médico muito bonzinho. Aí, veio a cena do parto e essa cena não acontecia em mim. Eu resolvi, então, escrever para o Manoel Carlos e pedi ajuda à minha mãe para que a minha nova cena ficasse bem verossímil e de bom senso. Minha mãe, que sempre me apoiou, concordou comigo em mandar para o Maneco. E mandei para ele! No email, escrevi que deixei de lado o meu receio e que, como o meu propósito era ajudar, eu encaminhava essas sugestões para a análise dele. Pedro, eu fiquei naquele dia com o coração batendo. Poxa, ele é um dos autores mais consagrados do Brasil. Você que é autor, sabe como isso pode ser complicado. Eu fiquei muito tenso. Até que o Maneco me respondeu. Escreveu assim: “ Querido Max, pode usar a cena”. Cara, eu fiquei numa alegria! E, ao mesmo tempo, com medo! Como aquilo ia bater no diretor que iria me dirigir naquela cena?! Porque eu acabei pulando uma etapa.
O.H.: Você cria algum mal estar com essa postura ousada?
Max: Já criei. Pelo fato de ser um cara curioso. Me considero um ator que pensa. Eu estou ali, mas estou vendo tudo o que está acontecendo. Teve uma vez, por exemplo, que corrigi um diretor que cometeu erro de eixo. Ficou chato. Enfim...mas não é todo mundo que aceita e não é todo mundo que quer.
O.H.: Suas ações de trabalho são quais no momento, Max?
Max: Bem, estou apresentando o Globo Ecologia lá pelo Canal Futura e estou no ar com “Morde e Assopra”, novela das sete da TV Globo.
O ator múltiplo revela não ser apaixonado apenas pelo audiovisual. A aviação também é uma paixão que ele alimenta.
--- Adoro voar. Tenho licença para pilotar avião particular. Uma vez, voltando de Paraty com minha namorada, pegamos uma tempestade muito complicada. Eu tive que contornar. Eu fiquei mais tenso que a Amanda (Richter), até porque eu tinha a responsabilidade de deixar a gente voltar para o solo. Eu contornei a tempestade abaixo das minhas condições de visão. Foi muito complexo aquilo! Ter passado por isso me arrebatou porque perdi o controle.
O.H.: Qual dica você tem para dar para quem quer se profissionalizar como ator. Eu te pergunto novamente, dá para viver sem TV?
Max: Não sei se dá para viver sem TV. Se você ama muito sua vocação, acho que você vai dar certo. Existem outras carreiras que fazem uma pessoa lucrar mais. Mexer com petróleo, por exemplo. Acho que dá para viver sim com a arte. E principalmente com as novas mídias e com essa revolução tecnológica no audiovisual. Vou te dar um exemplo: o Felipe Neto. O cara não está no horário nobre, mas no Youtube ele teve um acesso imenso! Ele transcendeu as dificuldades. Daí eu acho que as tecnologias tornam as coisas possíveis.
O.H.: Como você analisa a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a união homo-afetiva?
Max: Se eles, o casal gay, está ali por amor e dão fé disso, e se eles querem dar amor a uma terceira pessoa, acho que isso é incontestável. O amor está acima do sentimento sexual. Precisamos pensar além do primitivo e perceber a beleza que é um relacionamento com amor verdadeiro.
Dono de um raro discurso imbricado com a prática e estruturado na coesão, Max Fercondini assume ter escolhido a televisão como carreira, como profissão; é o canal pelo qual Max comunica sua vocação. Mostra para nós o seu lado maduro. Consciente e lúcido das questões que rondam a vida e o fazer artístico. Da geração 1990, ele se fundamentou e nasceu na raiz televisiva, e hoje busca um sentido novo para a TV e uma reflexão permanente da sua origem frente às revoluções das novas mídias. Por isso também que – no movimento do pensar – se renova como ator e pensador do seu ofício.
Foto: Ravini Padilha
Revisão Textual: Paulo Cappelli
Max Fercondini, apesar de aparentar pouca idade, tem uma vasta carreira na televisão brasileira. Contracenou ao lado de grandes nomes da nossa teledramaturgia, como Tarcísio Meira e Lília Cabral. Numa conversa descontraída em um restaurante na Barra da Tijuca, zona oeste carioca, o ator e também um profissional apaixonado pelo audiovisual, nos fala sobre seus trabalhos atuais; revela como é participar de projetos comunitários, defende a função social do ator, expõe seu pensamento – lúcido e claro – acerca da união homo afetiva regulamentada pelo Supremo Tribunal Federal. Max ainda nos compartilha sua perspectiva de mídia atual e potencializa a força de transformação que as novas mídias podem provocar na vida de uma pessoa. Passamos também por vocação e religião, temas que o ator considera em alto nível.
Atualmente, está no ar no folhetim das sete, “Morde e Assopra”, da TV Globo e se sente profundamente realizado apresentando o programa “ Globo Ecologia” (Canal Futura).
O HÉLIO: Onde você começou, Max?
Max Fercondini: Eu comecei como ator aos catorze anos de idade. Fui criado no interior de São Paulo, em Jundiaí. Mas, estudei sempre em São Paulo porque achava que era lá onde os melhores cursos existiam. Então, fiz curso de interpretação para TV e também para teatro. Até que eu fiz um curso com o Wolf Maia. E ele estava com uma novela para iniciar, mas não tinha ator. O personagem que ele criou tinha as minhas características. Acho que foi estar no lugar certo e na hora certa. Daí para frente, uma novela puxou a outra. Mudei para o Rio de Janeiro e estou no meu décimo ano de TV Globo. Com onze novelas e uma minissérie.
O.H.: Sua família é ligada à arte? Como você encontrou a vocação?
Max: A ajuda foi muito da minha mãe. Desde pequeno, eu gosto de chamar atenção. Em sala de aula, isso era prejudicial, não era admirável na escola. Minha mãe percebeu que eu precisava deixar de fazer da sala de aula o meu palco. Então, minha mãe disse que a minha plateia precisava não ser mais a turma. Ela me colocou no teatro, e isso me ajudou muito a extravasar energia. E, quando comecei o teatro, também melhorei nas ciências humanas: português, história...
O.H.: Como foi a sua vinda para o Rio, muito complicado?
Max: Então, a minha vinda foi complicada. Eu investi muito mais do que lucrei. Minha mãe, na verdade! (RISOS) Eu tinha uns 14 anos na época.
O.H.: Ouvindo você contar parece fácil. Como é que foi o caminho das pedras? Como você tocou lá na Globo, explica esse processo. Tem muita gente boa que consegue, como você. Mas tem muita gente ruim que também consegue.
Max: Eu atribuo a sorte a Deus, embora eu não seja muito místico. Eu sou cristão.
O.H.: Cristão católico ou cristão evangélico?
Max: Eu sou cristão. Se eu for pensar bem, tendo mais para o cristão evangélico do que para o católico. Leio a bíblia e costumo ouvir de todos os discursos. Até mesmo o Budismo tem muita coisa fantástica que podemos colocar na nossa vida. Eu acho que religião é isso, colocar em prática as suas crenças, as suas admirações pelos ídolos. Seja Buda, Gandhi ou Jesus.
O.H.: Os famosos líderes carismáticos...
Max: (RISOS) Pois é, mas a gente beira à idolatria ao falarmos de líder carismático. E isso é perigoso. Então, acho que não podemos ter fanatismo. Então, voltando à sua pergunta lá de trás, eu aproveitei as oportunidades que me apareceram. Mas, antes, eu fiz muitos cursos!
O.H.: Como achou o curso do Wolf Maia?
Max: Quando eu fiz o curso dele, era num fundo de quintal de agência de modelos. Agora, ele montou uma mega estrutura que é muito legal! Eu até indico para as pessoas que querem fazer TV.
O.H.: É acessível?
Max: Na época, eu paguei algo em torno de R$ 800 por um mês de curso. Acho que foi um investimento muito enriquecedor para minha carreira. Sabe, Pedro, tudo o que eu fazia, todo mundo me incentivava muito. Por exemplo, primeiro teste que eu fiz para comercial em São Paulo, eu era muito criança. Mas, eu passei! Hoje em dia eu me sinto muito consciente do que acontece. Se é iluminação, se é câmera, se é a direção, eu vou percebendo. No Globo Ecologia, inclusive, a gente usou a minha câmera, que é uma 7D.
O.H.: Você já fez teatro, pensa em fazer?
Max: Então, eu sou do audiovisual. Já fiz teatro, mas eu me realizo fazendo televisão.
O.H.: Por quê?
Max: Acho que... Vamos colocar dois lados. Primeiro, na TV, você controla muito mais tudo.
O.H.: Controla mais o outro ou o seu trabalho?
Max: Controla mais o resultado final. Eu acho que a experiência me traz essa tranquilidade. Talvez eu esteja sendo não legal com o teatro porque eu fiz pouco. Eu fiz uma peça com o Gustavo Reis, que hoje é autor da Record. A gente viajou pelo Brasil todo. Eu me dava muito bem no palco, senti que aquilo era muito prazeroso. Mas, eu sou da televisão. Hoje, a minha maior realização profissional é apresentar o Globo Ecologia ( no Canal Futura ). Eu participo de todo processo, às vezes passo na produtora, participo de quase todas as reuniões de pauta. Interajo com os diretores, com toda a equipe. Isso é muito bom. Agora, o lado chato da TV é virar uma figura carimbada. Sempre acaba sendo a mesma coisa. Temos que tomar cuidado para não ficarmos presos aos estereótipos. Hoje em dia, acho que as novelas estão no vício do maniqueísmo. Poxa, um cara veio me entrevistar, Pedro, e me perguntou o que eu esperava do meu personagem. E eu? Não soube responder. Alguns discursos de novela estão muito inverossímeis. E principalmente maniqueístas. O artístico está muito subtraído e jogado, sem um direcionamento.
O.H.: Quer dizer que está muito industrial?
Max: Pode ser. Concordo. Volto a dizer que a minha maior realização tem sido o Globo Ecologia. Porque ali houve ressonância e repercussão. Naquele trabalho, eu troco com todos. Há liberdade no texto, na apresentação. Não há ditames do tipo: “não pode mudar o texto de jeito nenhum!”. E eu acho, Pedro, que obras de TV, são obras coletivas. Talvez, todas as obras. Eu acho que no momento as novelas estão muito rendidas ao ibope. Um exemplo interessante que tive foi no trabalho do filme “Uma professora muito maluquinha”, que ainda nem estreou. Ali, eu pude criar um personagem totalmente diferente, que foi um professor de geografia mineiro da década de 1940. Então, o trabalho de composição do sotaque e as nuances que você vai colocar, tudo isso foi muito bom para mim.
O.H.: Você se foca muito no cachê? Já recebeu convites de filmes comunitários de jovens estudantes? Você aceitaria fazer sem cobrar nada?
Max: Aceito e já fiz. Um dos filmes que eu fiz se chama “Anfitriões”, dos alunos da Estácio de Sá. Eles estavam precisando de um ator. E me chamaram. Aceitei. Eu não só atuei no filme como emprestei meu carro para buscar o cenário. Foi um curta até premiado. Eu acho que a gente está vivendo a revolução do audiovisual, ainda mais porque estamos tendo acesso às câmeras 7D, que hoje você compra por 1.600 dólares e você transforma uma página de roteiro em uma qualidade máxima audiovisual. E se você trocar as lentes, pode fazer uma fotografia genial!
O.H.: Para você, como essa revolução altera o mundo social?
Max: Eu acho que as pessoas estão tendo mais acessos de colocarem suas ideias. De exibirem e visualizarem suas ideias. E isso é demais.
O.H.: Você faria o “Tropa de Elite”?
Max: Faria sim, mas gostei mais do “Tropa 2”. Porque no dois tem um roteiro mais pensado, e o final te levanta para um “Tropa 3”. Eu achei fantástico. Mas, o primeiro “Tropa de Elite” 1 achei mais documental, menos preciso.
O.H.: Sobre o processo de formação e criação do personagem, qual o método ou caminho teórico ou prático que você usa no seu trabalho?
Max: Eu, como disse, fiz muitos cursos. Mas uso muito o sistema da reação. Por exemplo, ao invés de chegar com muita coisa preparada, prefiro observar tudo o que está sendo proposto para eu reagir em cima daquilo. Às vezes, isso é ruim. Numa novela, por exemplo, não dá para fazer. Porque tem diretores exaustos e pessoas menos experientes que você. Então, se você não preparou nada, você se ferra. Entende? Um bom teste de elenco seria colocar vários atores numa sala e colocar um objeto no centro dessa sala. O ator que ficar paradão, não é um bom ator. Aquele que começar a mexer e questionar o objeto é o que vai te render mais em cena. Por isso que eu acho muito mais legal, quando eu estou me preparando para gravar, a aproveitar o que eu tenho. Tento pensar na textura das coisas, nos cheiros. Uso muito a memória sensorial. Você constrói uma bagagem visual para o seu personagem, sempre sozinho e com objetos irreais. Não materiais. Isso também é muito legal. Agora, fazer isso para novela, é muito impraticável. As pessoas se acostumam com o estereótipo.
O.H.: Como você enxerga a glamorização da arte? Você acha que dá para sobreviver, o ator, financeiramente, sem fazer televisão?
Max: Pedro, eu acho que... (suspiros) É uma coisa que independe da gente. A única coisa que eu posso fazer é ir contra isso. A pergunta é: eu quero ir contra isso? É interessante? Se eu vou passar na rua alguém gritar “lindo!!!” ou “bom ator!”... é claro que é gostoso ser curtido. Seja pela beleza ou porque é um bom profissional. Eu sentiria falta não do grito “lindo!”, mas pelo reconhecimento do meu trabalho. Eu me movo muito por conta do reconhecimento do meu trabalho, embora não alimente expectativas. Porque isso é muito ruim. A maioria dos atores hoje em dia estão reféns da expectativa. Às vezes, eu vejo atrizes posando para playboy achando que vão se tornar mais mulher. Nem que eu posasse pelado (eu nunca posaria) criaria expectativas. Tudo o que eu faço, tem um motivo. Se eu estou fazendo “Morde e Assopra” (novela das sete da TV GLOBO) é porque há um motivo.
Max revela momentos inesquecíveis pelos quais teve de passar para construir personagens, buscar elementos e crescer enquanto ator.
--- Na novela “Páginas da Vida”, em que eu fazia o irmão da Nanda (Fernanda Vasconcelos) foi onde eu mais trabalhei com essa coisa da reação, do olhar. Da atuação no silêncio do olhar. Eu aprendi duas coisas muito importantes: a primeira, estar pronto. O mercado nos EUA, por exemplo, não espera você estar pronto. Se você não for o primeiro a levantar a mão, perde pontos. Lá eles valorizam quem tem a coragem para ganhar. Aprendi isso num curso que fiz em Los Angeles. E eu pude usar isso na novela. Mesmo que não tivesse muito texto, eu estava nas melhores cenas. E isso são oportunidades. Eu me questionava muito em cena. Era sempre reagindo conscientemente no psicológico. E eu sempre tive bons pais nas novelas. Tarcísio Meira já foi meu pai! Tive a oportunidade de fazer uma cena em que Tarcísio me dava um tapa na cara. Na minissérie “Um só Coração”. O Paulo José já foi um tio quase pai para mim. Otávio Augusto também já foi meu pai. Enfim, grandes ensinamentos de mestres. Em “Páginas da Vida”, fui filho de Lília Cabral e Marcos Caruso. Eu já identificava claramente o trabalho do Manoel Carlos. Nessa última novela, “Viver a vida”, todos nós mergulhamos à beça! Os personagens são profundos. Agora, cada autor tem uma fórmula. É ou não é? Um perfil, digamos. O perigo é não se renovar. No caso do Manoel, os conflitos que ele coloca são muito profundos.
O.H.: A novela das seis, “Cordel Encantado”, é uma novidade. Você não acha?
Max: – Assisti muito pouco. Mas, a fotografia é demais. A batida dos 24 quadros também é lindo, incrível.
O.H.: Qual foi o trabalho que você gostou mais de fazer até agora?
Max: – “Ciranda de Pedra”. Foi um trabalho bastante sensível e que valorizou muito o trabalho do ator. E ter o Alcydes Nogueira como autor foi muito bom! Mesmo sendo uma novela densa para o horário, deu muito certo. Teve um momento tão de entusiasmo que eu liguei para o Alcydes para elogiar o trabalho dele. Trabalhar com ele foi uma excelente oportunidade.
O.H.: Você tem meta para ser galã?
Max: Tenho meta para protagonizar. Os meus personagens já são protagonistas para mim (RISOS). Mas, quero que eles sejam protagonistas de uma trama.
O.H.: Você quer ser mocinho?
Max: Não. Posso ser vilão... (RISOS). O anti-herói ou então um papel bem diferente de mim. O mercado das micro e macro séries está cada vez maior também. O público tem, cada vez mais, maior aceitação pela troca e pela pressa. A Globo tem percebido isso e investido bastante em microsséries. O público está mais exigente, mesmo o público de novela. A dona de casa, por exemplo, sabe se o diretor erra o eixo da câmera ou se o iluminador falha! Essa geração do celular que filma tem muito mais acesso para ser visibilizado e gerar mídia espontânea. Poxa, hoje em dia, você cria um canal no Youtube e pode ser muito reconhecido, ficar rico ainda por cima. (RISOS).
O.H.: Você acha que o ator tem função social?
Max: Sim, com certeza. Eu estive em Manaus no projeto Ação Global, que é um projeto que promove a cidadania. É um projeto de parceria do SESI com a Rede Globo. A Globo divulga e o SESI organiza os atendimentos à população carente. Os serviços são vários: atendimento médico, higienização, orientação sexual, várias coisas. É a segunda vez que eu escolhi ir para Manaus. É bom frisar que eu quem escolhi Manaus. Se eu não acreditasse na minha função social, eu escolheria aqui do lado, no Rio ou em São Paulo. Eu escolho Manaus porque eu acho que é onde tem maior carência social e onde mais precisa de cidadania. São povos que não tem acesso físico de uma estrada para tirar uma certidão de nascimento. O que mais me marca quando eu viajo para o Norte e Nordeste é a euforia que causa a chegada de um ator da Rede Globo. Tanto nas regiões nobres quanto nas periferias do Norte e Nordeste. Não sei se isso é bom ou ruim. Na verdade, com certeza é o dois. Ano passado, fui para o Maranhão, local onde o índice de desenvolvimento humano é muito baixo. Me impressionou muito ver mães com os filhos no colo querendo tocar em mim e quase deixando o bebê cair no chão, sabe? Querem te agarrar e te tocar por carinho. Elas jogam o filho nos meus braços. Isso impressiona muito. Agora, o lado bacana foi no momento em que eu subi no palco e, me deparando com várias mães jovens, senti que devia alertá-las sobre a prevenção à gravidez precoce. Falei da importância da camisinha. Passaram cinco segundos depois de falar isso e umas moças gritaram: “a gente que usar camisinha com você!”. Então, eu não só acredito que o ator tenha uma função social como eu a pratico. Faço questão de mudar, de levar coisas boas para as pessoas.
O.H.: Qual texto de novela que você falou que te marcou e que você tenha pensado: “Que texto bom!”
Max: Ah, eu adoro o texto do Manoel Carlos. E gosto muito da liberdade que ele nos dá para falar o texto. Eu vivi uma coisa que foi demais com o Manoel Carlos. Veio para mim a cena do parto da personagem da Sandrinha (Aparecida Petrowski). Eu fazia um personagem que era ginecologista e obstetra. A mesma profissão da minha mãe! Para compor o meu personagem, fui à hospitais, acompanhei alguns partos em hospitais públicos do Rio. Eu presenciei aqueles partos de uma maneira muito presente, muito visceral. Lúcido mesmo. Daí, eu ia fazer o parto da Sandrinha. Antes dessa cena, a gente assistiu junto um parto. Nós massageamos a barriga da paciente para potencializar as contrações. Aí, cara, a gente pegou frases originais dos médicos. A gente perguntou aos médicos o que eles não gostavam em personagens médicos em novela. Eles responderam que não gostavam quando assistiam um médico muito bonzinho. Aí, veio a cena do parto e essa cena não acontecia em mim. Eu resolvi, então, escrever para o Manoel Carlos e pedi ajuda à minha mãe para que a minha nova cena ficasse bem verossímil e de bom senso. Minha mãe, que sempre me apoiou, concordou comigo em mandar para o Maneco. E mandei para ele! No email, escrevi que deixei de lado o meu receio e que, como o meu propósito era ajudar, eu encaminhava essas sugestões para a análise dele. Pedro, eu fiquei naquele dia com o coração batendo. Poxa, ele é um dos autores mais consagrados do Brasil. Você que é autor, sabe como isso pode ser complicado. Eu fiquei muito tenso. Até que o Maneco me respondeu. Escreveu assim: “ Querido Max, pode usar a cena”. Cara, eu fiquei numa alegria! E, ao mesmo tempo, com medo! Como aquilo ia bater no diretor que iria me dirigir naquela cena?! Porque eu acabei pulando uma etapa.
O.H.: Você cria algum mal estar com essa postura ousada?
Max: Já criei. Pelo fato de ser um cara curioso. Me considero um ator que pensa. Eu estou ali, mas estou vendo tudo o que está acontecendo. Teve uma vez, por exemplo, que corrigi um diretor que cometeu erro de eixo. Ficou chato. Enfim...mas não é todo mundo que aceita e não é todo mundo que quer.
O.H.: Suas ações de trabalho são quais no momento, Max?
Max: Bem, estou apresentando o Globo Ecologia lá pelo Canal Futura e estou no ar com “Morde e Assopra”, novela das sete da TV Globo.
O ator múltiplo revela não ser apaixonado apenas pelo audiovisual. A aviação também é uma paixão que ele alimenta.
--- Adoro voar. Tenho licença para pilotar avião particular. Uma vez, voltando de Paraty com minha namorada, pegamos uma tempestade muito complicada. Eu tive que contornar. Eu fiquei mais tenso que a Amanda (Richter), até porque eu tinha a responsabilidade de deixar a gente voltar para o solo. Eu contornei a tempestade abaixo das minhas condições de visão. Foi muito complexo aquilo! Ter passado por isso me arrebatou porque perdi o controle.
O.H.: Qual dica você tem para dar para quem quer se profissionalizar como ator. Eu te pergunto novamente, dá para viver sem TV?
Max: Não sei se dá para viver sem TV. Se você ama muito sua vocação, acho que você vai dar certo. Existem outras carreiras que fazem uma pessoa lucrar mais. Mexer com petróleo, por exemplo. Acho que dá para viver sim com a arte. E principalmente com as novas mídias e com essa revolução tecnológica no audiovisual. Vou te dar um exemplo: o Felipe Neto. O cara não está no horário nobre, mas no Youtube ele teve um acesso imenso! Ele transcendeu as dificuldades. Daí eu acho que as tecnologias tornam as coisas possíveis.
O.H.: Como você analisa a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a união homo-afetiva?
Max: Se eles, o casal gay, está ali por amor e dão fé disso, e se eles querem dar amor a uma terceira pessoa, acho que isso é incontestável. O amor está acima do sentimento sexual. Precisamos pensar além do primitivo e perceber a beleza que é um relacionamento com amor verdadeiro.
Dono de um raro discurso imbricado com a prática e estruturado na coesão, Max Fercondini assume ter escolhido a televisão como carreira, como profissão; é o canal pelo qual Max comunica sua vocação. Mostra para nós o seu lado maduro. Consciente e lúcido das questões que rondam a vida e o fazer artístico. Da geração 1990, ele se fundamentou e nasceu na raiz televisiva, e hoje busca um sentido novo para a TV e uma reflexão permanente da sua origem frente às revoluções das novas mídias. Por isso também que – no movimento do pensar – se renova como ator e pensador do seu ofício.
quinta-feira, 9 de junho de 2011
OS ERROS POR AMOR JÁ NASCEM COM PERDÃO
Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Ravini Padilha
Revisão Textual: Paulo Cappelli
A cantora e compositora Patricia Mellodi é uma incansável buscadora de si mesma através das suas músicas. E não são poucas. Com “Do Outro lado da Lua”, quarto álbum lançado, a artista exibe uma consciência e lucidez raras no meio artístico viciado na glamorização excessiva.
Além de compor todas as suas canções, cria as melodias pelo violão. Tudo começou – o seu encontro com a música – por conta de uma mera “coincidência”, quando seus pais acharam por bem matriculá-la num curso de férias de violão aos seus 12 anos. Depois dali, Patricia nunca mais parou. Nascida no Piauí, veio para o Rio de Janeiro após a morte do pai. Trouxe a primeira filha junto com ela e – com a grana do seguro de vida – fez cursos de teatro, de música e se segurou por uns tempos na cidade maravilhosa.
Numa conversa super descontraída num café em Botafogo, Patricia Mellodi conversa com a gente.
--- Até pensei em São Paulo antes de decidir pelo Rio. Mas, conhecia algumas pessoas aqui e, de certa maneira, eu me simpatizava mais com a ideia de vir para o Rio.
O dinheiro terminou, e Patricia constatou que tinha de ir para a rua fazer show. Começou nas feijoadas do Meridien. Até que um dos donos do bar disse que a Helô Pinheiro (conhecida como A Garota de Ipanema) iria abrir um bar no estilo jazz/bossa nova e que isso renderia à Patricia bastante trabalho. E rendeu. Esse bar movimentou bastante a noite e nossa entrevistada pode inaugurar sua vida social no Rio de Janeiro e conseguiu trabalhar regularmente por três anos e meio no espaço de Helô Pinheiro.
As influências musicais de Patrícia? Foram e são várias. Passando por jazz, Rock anos 80 até Titãs, Paralamas e Reginaldo Rossi. Tentar localizá-la ou fechar seu trabalho em estilos é praticamente impossível, uma vez que ela bebeu de variadas fontes. Um dos seus primeiros incentivadores a ouvir de tudo foi um ex-namorado fascinado por música.
O processo de composição de Patrícia tem uma forte carga do cotidiano, de fatos que observa; as conversas com amigas, os papos de rua que escuta. Porém, a força do seu olhar pessoal prevalece nas composições. Ela admite estar presente em todas.
--- A minha composição varia muito. Podem vir músicas no banho, no carro. Geralmente, a música chega quando não estou pensando nela. Pego meu violão aleatoriamente, e os arranjos vão chegando e eu os deixo entrarem.
O HÉLIO: A pirataria te atrapalha?
Patrícia Mellodi: A pirataria não me atrapalha hoje em dia. Nesse momento da carreira, fico feliz de saber que minha música está indo para muitas pessoas. Se elas querem me ouvir, é porque o meu trabalho está sendo considerado acima de qualquer coisa. O que me irrita é o fato de não receber os direitos autorais dos iTunes. Pedro, eu não faço canção para mercado, com rimas perfeitas para virar mania. Nada disso, minha composição é totalmente ligada à verdade que está em mim. Sou densa, mergulho mesmo.
O. H.: Há algum nome contemporâneo que possa citar como sua referência?
Patricia: É difícil pontuar porque, a meu ver, o que se produz atualmente é muito cool. Leve. E não sou isso.
O.H.: Qual dica daria aos jovens que querem se profissionalizar em música? Afinal, percebemos um grande número de universitários lotando salas para estudar música.
Patricia: As salas de universidades em música podem estar cheias, mas isso não quer dizer que todos os que estão ali dentro sejam artistas. O artista tem o talento que Deus deu. Agora, executar música, voz e escrita, qualquer um pode fazer porque essa capacidade nos é comum. A principal dica é estudar, continuar na persistência e trabalhando com coisas que tenham afinidade com a música. Dar aula, por exemplo.
Ainda assim, ela admite que não é fácil viver de música e que, inclusive, já vendeu “Avon” para ajudar no sustento. Determinação, profundidade e lucidez transbordam de seu olhar e longos sorrisos.
O.H.: Como analisa Fenômenos como Luan Santana e Restart, por exemplo?
Patricia: Luan Santana e Maria Gadú, por exemplo, não se discute. Eles têm certamente muito talento. Assim como qualquer outro fenômeno.
O.H.: Existe alguma diferença forte na receptividade do público estrangeiro que escuta a MPB?
Patricia: A grande diferença é que, no exterior, as pessoas querem escutar o seu som, estão ali para te ver, conhecer o seu trabalho e pronto. Aqui no Brasil, é diferente. Você precisa estar na foto da Revista tal e tal para ser notado.
Sobre o sucesso nas rádios, a canção“Últimas palavras”, ela se surpreende com a demanda dos ouvintes e confessa ser parada nas ruas pelas pessoas, que só elogiam. Após um instante, movimenta os lábios com calma e receio. Suspira e diz que tudo o que está naquela letra foi vivenciado por ela. Oriundo de um amor que, em suas palavras, se tornou doentio.
Na última faixa do “Do outro lado da Lua”, Patrícia recebe a participação especial de seu grande amigo Zeca Baleiro. Não só por serem vizinhos próximos (Zeca é do Maranhão), mas também por causa de um show de Baleiro que Patrícia vislumbrou – numa espécie de transe – o seu nome artístico: Mellodi. Com bela sonoridade, a assinatura nos faz pensar em melodia.
O.H.: O que aconteceu de mais engraçado nos seus shows?
Patricia: Ah, (RISOS) aconteceram muitas coisas engraçadas. Há muitos loucos no meu show, mas são loucos que eu adoro! Teve uma vez, no Piauí, que uma travesti começou a dançar no meio da plateia enquanto a equipe de som ajustava algum problema técnico. Foi muito engraçado! A travesti dançava e me chamava de maravilhosa!
O.H.: Você já é mãe. Muda muito o processo de compor?
Patricia: Sou mãe de duas filhas e tenho duas enteadas. Tudo muda depois da maternidade! Estou enxergando o ser mulher de um modo totalmente diferente. Mais amplo e profundo. Aprendi a admirar e compreender ainda mais as mulheres. Vejo que eu e minha filha de três anos temos muitas coisas iguais apesar da distância de idade, assim como eu e minhas enteadas.
O.H.: E em que lugar comum é esse que você enxerga e compreende a mulher?
Patricia: Somos todas um pouco passionais, ciumentas e ao mesmo tempo carregamos no peito o sentimento maternal e zeloso. Até por entender melhor a mulher, hoje em dia respeito mais os homens.
O.H.: Atualiza a sua agenda para a gente.
Patricia: 20 de Junho irei me apresentar no teatro Rival com o Palco MPB (promovido pela rádio 90,3 MPB FM); dia 24 de Junho participo do Programa “Estúdio i” da Globo News e dia 28 deste mês faço show no Centro Cultural Carioca na Lapa.
Em seu novo trabalho, o CD “Do outro lado da Lua”, Patrícia Mellodi demonstra não ter medo do escuro, da leveza, do resgate e das relembranças. Não tem medo de se iluminar pela escuridão. A menina atravessa o outro lado da Lua e aflora a mulher. Afirma, sobretudo, que mostra o seu lado amadurecido. É a mulher que volta ao passado para compreender o futuro e o presente.
LINKS RELACIONADOS:
http://www.patriciamellodi.com/
http://www.youtube.com/watch?v=qSfwOTma72k
Foto: Ravini Padilha
Revisão Textual: Paulo Cappelli
A cantora e compositora Patricia Mellodi é uma incansável buscadora de si mesma através das suas músicas. E não são poucas. Com “Do Outro lado da Lua”, quarto álbum lançado, a artista exibe uma consciência e lucidez raras no meio artístico viciado na glamorização excessiva.
Além de compor todas as suas canções, cria as melodias pelo violão. Tudo começou – o seu encontro com a música – por conta de uma mera “coincidência”, quando seus pais acharam por bem matriculá-la num curso de férias de violão aos seus 12 anos. Depois dali, Patricia nunca mais parou. Nascida no Piauí, veio para o Rio de Janeiro após a morte do pai. Trouxe a primeira filha junto com ela e – com a grana do seguro de vida – fez cursos de teatro, de música e se segurou por uns tempos na cidade maravilhosa.
Numa conversa super descontraída num café em Botafogo, Patricia Mellodi conversa com a gente.
--- Até pensei em São Paulo antes de decidir pelo Rio. Mas, conhecia algumas pessoas aqui e, de certa maneira, eu me simpatizava mais com a ideia de vir para o Rio.
O dinheiro terminou, e Patricia constatou que tinha de ir para a rua fazer show. Começou nas feijoadas do Meridien. Até que um dos donos do bar disse que a Helô Pinheiro (conhecida como A Garota de Ipanema) iria abrir um bar no estilo jazz/bossa nova e que isso renderia à Patricia bastante trabalho. E rendeu. Esse bar movimentou bastante a noite e nossa entrevistada pode inaugurar sua vida social no Rio de Janeiro e conseguiu trabalhar regularmente por três anos e meio no espaço de Helô Pinheiro.
As influências musicais de Patrícia? Foram e são várias. Passando por jazz, Rock anos 80 até Titãs, Paralamas e Reginaldo Rossi. Tentar localizá-la ou fechar seu trabalho em estilos é praticamente impossível, uma vez que ela bebeu de variadas fontes. Um dos seus primeiros incentivadores a ouvir de tudo foi um ex-namorado fascinado por música.
O processo de composição de Patrícia tem uma forte carga do cotidiano, de fatos que observa; as conversas com amigas, os papos de rua que escuta. Porém, a força do seu olhar pessoal prevalece nas composições. Ela admite estar presente em todas.
--- A minha composição varia muito. Podem vir músicas no banho, no carro. Geralmente, a música chega quando não estou pensando nela. Pego meu violão aleatoriamente, e os arranjos vão chegando e eu os deixo entrarem.
O HÉLIO: A pirataria te atrapalha?
Patrícia Mellodi: A pirataria não me atrapalha hoje em dia. Nesse momento da carreira, fico feliz de saber que minha música está indo para muitas pessoas. Se elas querem me ouvir, é porque o meu trabalho está sendo considerado acima de qualquer coisa. O que me irrita é o fato de não receber os direitos autorais dos iTunes. Pedro, eu não faço canção para mercado, com rimas perfeitas para virar mania. Nada disso, minha composição é totalmente ligada à verdade que está em mim. Sou densa, mergulho mesmo.
O. H.: Há algum nome contemporâneo que possa citar como sua referência?
Patricia: É difícil pontuar porque, a meu ver, o que se produz atualmente é muito cool. Leve. E não sou isso.
O.H.: Qual dica daria aos jovens que querem se profissionalizar em música? Afinal, percebemos um grande número de universitários lotando salas para estudar música.
Patricia: As salas de universidades em música podem estar cheias, mas isso não quer dizer que todos os que estão ali dentro sejam artistas. O artista tem o talento que Deus deu. Agora, executar música, voz e escrita, qualquer um pode fazer porque essa capacidade nos é comum. A principal dica é estudar, continuar na persistência e trabalhando com coisas que tenham afinidade com a música. Dar aula, por exemplo.
Ainda assim, ela admite que não é fácil viver de música e que, inclusive, já vendeu “Avon” para ajudar no sustento. Determinação, profundidade e lucidez transbordam de seu olhar e longos sorrisos.
O.H.: Como analisa Fenômenos como Luan Santana e Restart, por exemplo?
Patricia: Luan Santana e Maria Gadú, por exemplo, não se discute. Eles têm certamente muito talento. Assim como qualquer outro fenômeno.
O.H.: Existe alguma diferença forte na receptividade do público estrangeiro que escuta a MPB?
Patricia: A grande diferença é que, no exterior, as pessoas querem escutar o seu som, estão ali para te ver, conhecer o seu trabalho e pronto. Aqui no Brasil, é diferente. Você precisa estar na foto da Revista tal e tal para ser notado.
Sobre o sucesso nas rádios, a canção“Últimas palavras”, ela se surpreende com a demanda dos ouvintes e confessa ser parada nas ruas pelas pessoas, que só elogiam. Após um instante, movimenta os lábios com calma e receio. Suspira e diz que tudo o que está naquela letra foi vivenciado por ela. Oriundo de um amor que, em suas palavras, se tornou doentio.
Na última faixa do “Do outro lado da Lua”, Patrícia recebe a participação especial de seu grande amigo Zeca Baleiro. Não só por serem vizinhos próximos (Zeca é do Maranhão), mas também por causa de um show de Baleiro que Patrícia vislumbrou – numa espécie de transe – o seu nome artístico: Mellodi. Com bela sonoridade, a assinatura nos faz pensar em melodia.
O.H.: O que aconteceu de mais engraçado nos seus shows?
Patricia: Ah, (RISOS) aconteceram muitas coisas engraçadas. Há muitos loucos no meu show, mas são loucos que eu adoro! Teve uma vez, no Piauí, que uma travesti começou a dançar no meio da plateia enquanto a equipe de som ajustava algum problema técnico. Foi muito engraçado! A travesti dançava e me chamava de maravilhosa!
O.H.: Você já é mãe. Muda muito o processo de compor?
Patricia: Sou mãe de duas filhas e tenho duas enteadas. Tudo muda depois da maternidade! Estou enxergando o ser mulher de um modo totalmente diferente. Mais amplo e profundo. Aprendi a admirar e compreender ainda mais as mulheres. Vejo que eu e minha filha de três anos temos muitas coisas iguais apesar da distância de idade, assim como eu e minhas enteadas.
O.H.: E em que lugar comum é esse que você enxerga e compreende a mulher?
Patricia: Somos todas um pouco passionais, ciumentas e ao mesmo tempo carregamos no peito o sentimento maternal e zeloso. Até por entender melhor a mulher, hoje em dia respeito mais os homens.
O.H.: Atualiza a sua agenda para a gente.
Patricia: 20 de Junho irei me apresentar no teatro Rival com o Palco MPB (promovido pela rádio 90,3 MPB FM); dia 24 de Junho participo do Programa “Estúdio i” da Globo News e dia 28 deste mês faço show no Centro Cultural Carioca na Lapa.
Em seu novo trabalho, o CD “Do outro lado da Lua”, Patrícia Mellodi demonstra não ter medo do escuro, da leveza, do resgate e das relembranças. Não tem medo de se iluminar pela escuridão. A menina atravessa o outro lado da Lua e aflora a mulher. Afirma, sobretudo, que mostra o seu lado amadurecido. É a mulher que volta ao passado para compreender o futuro e o presente.
LINKS RELACIONADOS:
http://www.patriciamellodi.com/
http://www.youtube.com/watch?v=qSfwOTma72k
sábado, 21 de maio de 2011
A MELHOR PROFISSÃO DO MUNDO - POESIA DO MOVIMENTO
Doris Rollemberg ao lado de um dos seus prêmios
Por Pedro Paulo Rosa
Revisão Textual: Paulo Cappelli
Foto: Pedro Paulo Rosa
A cenógrafa Doris Rollemberg nos presenteia com uma rica conversa em seu apartamento sobre o seu mais novo projeto (de coordenação e cenografia): “ Bartleby, o escriturário”, que estreou ontem, no Teatro Laura Alvim em Ipanema. A peça é adaptada do texto de Herman Melville pelo Diretor João Batista, apresentando como o escriturário Bartleby o ator Gustavo Falcão. Doris, além de cenógrafa, passou primeiramente pela arquitetura e nos explica sobre o seu processo de criação, muito imbricado à ideia da cinética.
- Esse trabalho reproduz muito temas recorrentes nos nossos trabalhos. Como o mal estar do homem na sociedade. A dificuldade de se adaptar. Lendo “O Homem da cabeça de papelão” me lembrei desse texto do Melville. Aí, propus à Companhia Dramática de Comédia que montássemos essa peça sobre o Bartleby. Desde 2008 que eu venho com essa ideia. Ganhamos o edital da Eletrobrás e o da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro. A gente precisa destacar também a relevância grande do narrador-personagem nos trabalhos da Companhia e no próprio texto do Melville. O texto sobre o Bartleby é uma construção agramatical, que interrompe. É o “ prefiro não “. O Deleuze diz que Bartleby está numa zona de indeterminação forte e que, nesse sentido, o personagem é sem particularidade. E isso é interessante porque ele não prefere não fazer. O que existe é uma zona de suspensão. A partir daí, se constrói com essa frase do “prefiro não” uma potencialidade.
O.H.: Quer dizer, não há uma preocupação em construir um personagem carismático?
Doris: Pois é, não é uma briga de bem e do mal. É uma situação de uma pessoa singular. Sem referência, sem particularidades, como o próprio Deleuze afirma. Esse texto é de 1853. Tem uma crítica à robotização do homem, fora outras possibilidades de interpretação. É um texto visto como precursor de Kafka e Dickens, por exemplo. Quer dizer, o Bartleby é estranho a si mesmo. O Melville também pensa o que é ser um escritor norte-americano. É um personagem não psicologizado, não importa da onde ele veio, se ele é casado, se tem filhos etc.
O.H.: Shakespeare ia ficar meio triste com ele, né? (RISOS)
Doris: (RISOS) O próprio Melville afirma que Shakespeare é melhor não pelo que fez, mas pelo intervalo do que não fez. Pelo silêncio. É muito bacana porque a gente tem que pensar que, embora esse texto seja completamente atemporal, no sentido de que ele pode nos atender em várias possibilidades interpretativas, é importante compreender o que se passava na cabeça do Melville naquele momento. Até porque o Melville tem uma história de vida louca. Ele se torna marinheiro aos 18 anos. Deserta da Marinha, vive em uma ilha com Canibais! Depois, ele começa a escrever alguns livros que fizeram sucesso. Mas, quando passa a escrever outro tipo de coisa, ele cai no ostracismo. Depois, no final da vida dele, vai escrever poesia. Morre esquecido.
Doris Rollemberg em seu apartamento
O.H.:Tiveram dificuldade com a adaptção?
Doris: Não tanto. O que acontece é que grande parte do texto é falado pelo advogado. O Bartleby fala muito pouca coisa, e a maioria dessas coisas é “prefiro não”. É interessante perceber que o advogado não tem nome.
O.H.: E como é trabalhar com o Gustavo Falcão?
Doris: Ah, está sendo maravilhoso o entrosamento entre todos do elenco. O Gustavo é uma pessoa doce, amiga. Leve. Eu fiz o cenário de uma das primeiras peças dele, quando ele era bem novinho mesmo. (RISOS) Quando eu assisti à peça “A Máquina”, eu me apaixonei por todos os atores. Perguntei a mim mesma: meu Deus, que atores são esses?
O.H.: E como foi que você encontrou a cenografia profissionalmente?
Doris: Na verdade, fiz primeiro arquitetura. E não sei o porquê até hoje. Eu acho que a gente entra na faculdade um pouco sem saber. Eu hoje como professora percebo o quanto essa situação é complicada. Acho que no ensino médio já devia ter uma outra preparação. No primeiro ano de faculdade, mesmo eu já sendo assídua espectadora teatral, passei a ver muitas peças diferentes. Eu assistia muito, mas não pensava em fazer. Sandra Alvim foi uma das minhas formadoras mais caras. Acredito que a gente se forma muito através do professor. Eu me apaixonei pela História da Arte, matéria que a Sandra lecionava. Ela era uma pessoa encantadora. E eu comecei a achar que eu iria trabalhar com isso. Fui fazendo vários cursos na área, inclusive com a Sandra. Até que, um dia, vi num jornal um curso com o José Dias na CAL. E eu nem conhecia o José Dias! (RISOS). Muito engraçado. Quando vejo minha turma nova pela primeira vez, pergunto: citem cinco cenógrafos sem serem os da UNIRIO. Ninguém me cita um. Então, é assim mesmo no início. Quando eu fiz com o José Dias, aí eu tive a certeza. É com cenografia que quero mexer. Daí ele, o José, me falou: “Você tem que ir para a UNIRIO”. Aí, no segundo semestre de 1984, entrei para cenografia na UNIRIO e continuei arquitetura na UFRJ e percebi que era cenografia que eu queria fazer para a minha vida. Agora, eu acho que arquitetura é importante também, porque lhe fornece uma formação ampla, pegando do macro até micro. Na verdade, me interessava projetar espaços. Mas não sabia, na época, que eram espaços cênicos! Então, resumindo, esse curso com o José Dias e ter entrado na UNIRIO, instituição onde hoje sou professora, são fatores inquestionáveis na confirmação da minha vocação.
O.H.: E como se aproximou do magistério?
Doris: Gosto muito de dar aula. Comecei dando cursos livres na Cândido Mendes. Eu sempre digo que uma das lições primeiras do professor é a ideia da provocação. Você provocar no outro a ideia da provocação, transformação. E aí a Paula Neder, que é uma arquiteta importante, estava abrindo um curso de Design de Interiores, o que na época era muito inovador entre nós aqui no Brasil. Aí, Paula estava formando este curso e me chamou para dar aula de cenografia nesse curso. Dei aula lá por oito anos. Ao mesmo tempo em que fazia concursos de professores, dava aula como professora substituta. É uma coisa que eu gosto! Eu não gosto de fazer só uma coisa! Adoro dar aula, coordenar um projeto de teatro, casa, família etc etc! Na sala de aula, eu esqueço do cansaço. Acho que tem uma energia, uma troca, uma coisa tão bacana que vai além.
No atual trabalho de Doris, tudo foi meticulosamente bem cuidado, não há dúvida entre a equipe. É bonito assistir ao espetáculo por conta da sensibilidade do texto refletida na atuação assertiva do elenco. Gustavo Falcão, Bartleby, causa um certo temor pelo seu silêncio e pela maneira como o seu corpo está estático, estranho a si mesmo. A apatia do protagonista assusta e atrai. Queremos pedir para que Bartleby converse, conte-nos a sua história. Dá vontade mesmo de tomar uma cerveja com ele. Duda Mamberti interpreta e manifesta o advogado desnomeado com primor, explorando a ambiguidade do seu personagem, principalmente ao impostar sua voz de relâmpago, arregalar seus olhos profundos. Rafael Leal, Claudio Gabriel e Eduardo Rieche constroem o eixo de comicidade da peça, garantindo-nos verdadeiras risadas. A atuação deles é comprometida com o conjunto, além de cada um ter uma marca pessoal no personagem. O final da peça nos provoca uma reflexão. Não. Na verdade, o que nos emerge é uma profunda contemplação do drama de Bartleby, imerso numa sociedade difícil de se adaptar, se relacionar. O protagonista sofre do vazio. Ele expõe a nós a lacuna, a “zona de indeterminação” (nas palavras de Deleuze) da qual morremos de medo de encararmos. É estranho a si mesmo. Aí reside o caráter visionário do texto de Melville.
O.H.: Doris, não acha que é difícil hoje o teatro estar mais acessível?
Doris: Não. Há teatros que custam cinco reais, dez reais com peças excelentes. É só a gente procurar que acha. Por exemplo, o Centro Cultural da Justiça Federal ou o Centro Cultural Banco do Brasil. Não ir ao teatro é uma outra coisa. Quanto uma pessoa gasta numa balada? Acho que isso é um problema da gente. Por isso, a figura do professor é tão importante. A educação precisa ser mais humanista, e não só preparada para o ENEM. A gente não forma só um cidadão, mas também um futuro profissional.
Peça " A Caolha "/Direção: João Batista. Cenografia de Doris Rollemberg
O.H.: Como enxerga o versus educação humanística e educação técnica?
Doris: Eu acho que isso é difícil e polêmico. O que acontece é que nós temos um problema de educação de anos e anos. Então, a gente já carrega um déficit quase eterno dessa relação da educação. O REUNI, por exemplo, tem uns aspectos muito polêmicos. É importante que todo mundo tenha a oportunidade de ter o desejo e o acesso. Desde a creche! Tem que começar dali esse acesso, essa possibilidade de entrar e de receber a educação. Agora, por outro lado, o ensino médio precisa estar trabalhado, melhorado. Assim como o ensino fundamental. Eu acho que tem que ser mais humanista, acho que tem que ser melhor. As escolas precisam estar mais preparadas, tudo precisa ser revisto! Os conteúdos, os professores. Temos que formar pessoas que possam pensar, escolher, decidir. Nesse sentido, precisamos da educação técnica e humanística. Na verdade, precisamos mesmo é pensar numa política geral de educação, onde a cultura entre de verdade, esteja no esteio de tudo.
O.H.: Qual o seu conceito de teatro?
Doris: O fundamento principal do teatro é o ator e a palavra. Precisamos preparar os cenógrafos desta forma. Formar pessoas, pensadores. Claro que precisamos de aparatos tecnológicos. Temos que pensar: quem é o nosso aluno? Quem a gente quer que seja o nosso aluno? Eu tenho um aluno que chamo de “meu aluno querido”. Quando eu perguntei sobre a vocação, ele me respondeu que odiava teatro, que só gostava de cinema. Eu respondi a ele que passaria a amar teatro. (RISOS) Hoje, o Jeferson está com uma peça em cartaz. Apaixonado por teatro! Ele é um aluno excepcional.
O.H.: Você acha a cenografia uma carreira elitista?
Doris: Sempre disse que cenografia é a melhor profissão do mundo. E eu acho mesmo! Voltando a história da educação técnica e humanística, penso que o Brasil ainda tem um acesso elitista do ensino. Se a gente pensar dessa forma, a cenografia pode ser considerada elitista sim. Qual é a porcentagem de pessoas que concluem o ensino superior? E, de certa forma, viver de arte é também, pensando dessa maneira estreita, elitista. Quem são os escritores que vivem da escrita, tirando Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro? Quem é que vive de poesia, de artes visuais ou de comunicação no Brasil? Né? Não estou nem questionando quem é bom ou quem é ruim. Agora, por um outro lado, eu acho – e acho mesmo – que a gente só faz bem o que a gente gosta. Acho que tem uma cadeia de desejo que tem a ver com paixão e movimento. E isso faz a pessoa andar, acontecer, entende? Não adianta você fazer aquilo que acha que vai dar dinheiro. Acredito que a pessoa não vai conseguir se posicionar ou ficam na mediocridade para baixo daquela profissão escolhida. Não é só o teatro ou a cenografia que podem ser elite, mas colocação e realização para todos só se a pessoa fizer bem aquilo que mexe com ela, que movimenta. É um movimento de dentro para fora.
Doris Rollemberg estará na 13ª Mostra Quadrienal de Praga exibindo seus trabalhos, e principalmente propagando o afeto expressivo de suas obras. A ideia de movimento – cinética – está na raiz do seu processo criativo. Doris, além de cenógrafa, é uma pensadora da arte brasileira, do teatro. Sem falar na educadora vocacionada que a habita, carregando nos olhos o brilho daqueles que sonham e transformam.
Por Pedro Paulo Rosa
Revisão Textual: Paulo Cappelli
Foto: Pedro Paulo Rosa
A cenógrafa Doris Rollemberg nos presenteia com uma rica conversa em seu apartamento sobre o seu mais novo projeto (de coordenação e cenografia): “ Bartleby, o escriturário”, que estreou ontem, no Teatro Laura Alvim em Ipanema. A peça é adaptada do texto de Herman Melville pelo Diretor João Batista, apresentando como o escriturário Bartleby o ator Gustavo Falcão. Doris, além de cenógrafa, passou primeiramente pela arquitetura e nos explica sobre o seu processo de criação, muito imbricado à ideia da cinética.
- Esse trabalho reproduz muito temas recorrentes nos nossos trabalhos. Como o mal estar do homem na sociedade. A dificuldade de se adaptar. Lendo “O Homem da cabeça de papelão” me lembrei desse texto do Melville. Aí, propus à Companhia Dramática de Comédia que montássemos essa peça sobre o Bartleby. Desde 2008 que eu venho com essa ideia. Ganhamos o edital da Eletrobrás e o da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro. A gente precisa destacar também a relevância grande do narrador-personagem nos trabalhos da Companhia e no próprio texto do Melville. O texto sobre o Bartleby é uma construção agramatical, que interrompe. É o “ prefiro não “. O Deleuze diz que Bartleby está numa zona de indeterminação forte e que, nesse sentido, o personagem é sem particularidade. E isso é interessante porque ele não prefere não fazer. O que existe é uma zona de suspensão. A partir daí, se constrói com essa frase do “prefiro não” uma potencialidade.
O.H.: Quer dizer, não há uma preocupação em construir um personagem carismático?
Doris: Pois é, não é uma briga de bem e do mal. É uma situação de uma pessoa singular. Sem referência, sem particularidades, como o próprio Deleuze afirma. Esse texto é de 1853. Tem uma crítica à robotização do homem, fora outras possibilidades de interpretação. É um texto visto como precursor de Kafka e Dickens, por exemplo. Quer dizer, o Bartleby é estranho a si mesmo. O Melville também pensa o que é ser um escritor norte-americano. É um personagem não psicologizado, não importa da onde ele veio, se ele é casado, se tem filhos etc.
O.H.: Shakespeare ia ficar meio triste com ele, né? (RISOS)
Doris: (RISOS) O próprio Melville afirma que Shakespeare é melhor não pelo que fez, mas pelo intervalo do que não fez. Pelo silêncio. É muito bacana porque a gente tem que pensar que, embora esse texto seja completamente atemporal, no sentido de que ele pode nos atender em várias possibilidades interpretativas, é importante compreender o que se passava na cabeça do Melville naquele momento. Até porque o Melville tem uma história de vida louca. Ele se torna marinheiro aos 18 anos. Deserta da Marinha, vive em uma ilha com Canibais! Depois, ele começa a escrever alguns livros que fizeram sucesso. Mas, quando passa a escrever outro tipo de coisa, ele cai no ostracismo. Depois, no final da vida dele, vai escrever poesia. Morre esquecido.
Doris Rollemberg em seu apartamento
O.H.:Tiveram dificuldade com a adaptção?
Doris: Não tanto. O que acontece é que grande parte do texto é falado pelo advogado. O Bartleby fala muito pouca coisa, e a maioria dessas coisas é “prefiro não”. É interessante perceber que o advogado não tem nome.
O.H.: E como é trabalhar com o Gustavo Falcão?
Doris: Ah, está sendo maravilhoso o entrosamento entre todos do elenco. O Gustavo é uma pessoa doce, amiga. Leve. Eu fiz o cenário de uma das primeiras peças dele, quando ele era bem novinho mesmo. (RISOS) Quando eu assisti à peça “A Máquina”, eu me apaixonei por todos os atores. Perguntei a mim mesma: meu Deus, que atores são esses?
O.H.: E como foi que você encontrou a cenografia profissionalmente?
Doris: Na verdade, fiz primeiro arquitetura. E não sei o porquê até hoje. Eu acho que a gente entra na faculdade um pouco sem saber. Eu hoje como professora percebo o quanto essa situação é complicada. Acho que no ensino médio já devia ter uma outra preparação. No primeiro ano de faculdade, mesmo eu já sendo assídua espectadora teatral, passei a ver muitas peças diferentes. Eu assistia muito, mas não pensava em fazer. Sandra Alvim foi uma das minhas formadoras mais caras. Acredito que a gente se forma muito através do professor. Eu me apaixonei pela História da Arte, matéria que a Sandra lecionava. Ela era uma pessoa encantadora. E eu comecei a achar que eu iria trabalhar com isso. Fui fazendo vários cursos na área, inclusive com a Sandra. Até que, um dia, vi num jornal um curso com o José Dias na CAL. E eu nem conhecia o José Dias! (RISOS). Muito engraçado. Quando vejo minha turma nova pela primeira vez, pergunto: citem cinco cenógrafos sem serem os da UNIRIO. Ninguém me cita um. Então, é assim mesmo no início. Quando eu fiz com o José Dias, aí eu tive a certeza. É com cenografia que quero mexer. Daí ele, o José, me falou: “Você tem que ir para a UNIRIO”. Aí, no segundo semestre de 1984, entrei para cenografia na UNIRIO e continuei arquitetura na UFRJ e percebi que era cenografia que eu queria fazer para a minha vida. Agora, eu acho que arquitetura é importante também, porque lhe fornece uma formação ampla, pegando do macro até micro. Na verdade, me interessava projetar espaços. Mas não sabia, na época, que eram espaços cênicos! Então, resumindo, esse curso com o José Dias e ter entrado na UNIRIO, instituição onde hoje sou professora, são fatores inquestionáveis na confirmação da minha vocação.
O.H.: E como se aproximou do magistério?
Doris: Gosto muito de dar aula. Comecei dando cursos livres na Cândido Mendes. Eu sempre digo que uma das lições primeiras do professor é a ideia da provocação. Você provocar no outro a ideia da provocação, transformação. E aí a Paula Neder, que é uma arquiteta importante, estava abrindo um curso de Design de Interiores, o que na época era muito inovador entre nós aqui no Brasil. Aí, Paula estava formando este curso e me chamou para dar aula de cenografia nesse curso. Dei aula lá por oito anos. Ao mesmo tempo em que fazia concursos de professores, dava aula como professora substituta. É uma coisa que eu gosto! Eu não gosto de fazer só uma coisa! Adoro dar aula, coordenar um projeto de teatro, casa, família etc etc! Na sala de aula, eu esqueço do cansaço. Acho que tem uma energia, uma troca, uma coisa tão bacana que vai além.
No atual trabalho de Doris, tudo foi meticulosamente bem cuidado, não há dúvida entre a equipe. É bonito assistir ao espetáculo por conta da sensibilidade do texto refletida na atuação assertiva do elenco. Gustavo Falcão, Bartleby, causa um certo temor pelo seu silêncio e pela maneira como o seu corpo está estático, estranho a si mesmo. A apatia do protagonista assusta e atrai. Queremos pedir para que Bartleby converse, conte-nos a sua história. Dá vontade mesmo de tomar uma cerveja com ele. Duda Mamberti interpreta e manifesta o advogado desnomeado com primor, explorando a ambiguidade do seu personagem, principalmente ao impostar sua voz de relâmpago, arregalar seus olhos profundos. Rafael Leal, Claudio Gabriel e Eduardo Rieche constroem o eixo de comicidade da peça, garantindo-nos verdadeiras risadas. A atuação deles é comprometida com o conjunto, além de cada um ter uma marca pessoal no personagem. O final da peça nos provoca uma reflexão. Não. Na verdade, o que nos emerge é uma profunda contemplação do drama de Bartleby, imerso numa sociedade difícil de se adaptar, se relacionar. O protagonista sofre do vazio. Ele expõe a nós a lacuna, a “zona de indeterminação” (nas palavras de Deleuze) da qual morremos de medo de encararmos. É estranho a si mesmo. Aí reside o caráter visionário do texto de Melville.
O.H.: Doris, não acha que é difícil hoje o teatro estar mais acessível?
Doris: Não. Há teatros que custam cinco reais, dez reais com peças excelentes. É só a gente procurar que acha. Por exemplo, o Centro Cultural da Justiça Federal ou o Centro Cultural Banco do Brasil. Não ir ao teatro é uma outra coisa. Quanto uma pessoa gasta numa balada? Acho que isso é um problema da gente. Por isso, a figura do professor é tão importante. A educação precisa ser mais humanista, e não só preparada para o ENEM. A gente não forma só um cidadão, mas também um futuro profissional.
Peça " A Caolha "/Direção: João Batista. Cenografia de Doris Rollemberg
O.H.: Como enxerga o versus educação humanística e educação técnica?
Doris: Eu acho que isso é difícil e polêmico. O que acontece é que nós temos um problema de educação de anos e anos. Então, a gente já carrega um déficit quase eterno dessa relação da educação. O REUNI, por exemplo, tem uns aspectos muito polêmicos. É importante que todo mundo tenha a oportunidade de ter o desejo e o acesso. Desde a creche! Tem que começar dali esse acesso, essa possibilidade de entrar e de receber a educação. Agora, por outro lado, o ensino médio precisa estar trabalhado, melhorado. Assim como o ensino fundamental. Eu acho que tem que ser mais humanista, acho que tem que ser melhor. As escolas precisam estar mais preparadas, tudo precisa ser revisto! Os conteúdos, os professores. Temos que formar pessoas que possam pensar, escolher, decidir. Nesse sentido, precisamos da educação técnica e humanística. Na verdade, precisamos mesmo é pensar numa política geral de educação, onde a cultura entre de verdade, esteja no esteio de tudo.
O.H.: Qual o seu conceito de teatro?
Doris: O fundamento principal do teatro é o ator e a palavra. Precisamos preparar os cenógrafos desta forma. Formar pessoas, pensadores. Claro que precisamos de aparatos tecnológicos. Temos que pensar: quem é o nosso aluno? Quem a gente quer que seja o nosso aluno? Eu tenho um aluno que chamo de “meu aluno querido”. Quando eu perguntei sobre a vocação, ele me respondeu que odiava teatro, que só gostava de cinema. Eu respondi a ele que passaria a amar teatro. (RISOS) Hoje, o Jeferson está com uma peça em cartaz. Apaixonado por teatro! Ele é um aluno excepcional.
O.H.: Você acha a cenografia uma carreira elitista?
Doris: Sempre disse que cenografia é a melhor profissão do mundo. E eu acho mesmo! Voltando a história da educação técnica e humanística, penso que o Brasil ainda tem um acesso elitista do ensino. Se a gente pensar dessa forma, a cenografia pode ser considerada elitista sim. Qual é a porcentagem de pessoas que concluem o ensino superior? E, de certa forma, viver de arte é também, pensando dessa maneira estreita, elitista. Quem são os escritores que vivem da escrita, tirando Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro? Quem é que vive de poesia, de artes visuais ou de comunicação no Brasil? Né? Não estou nem questionando quem é bom ou quem é ruim. Agora, por um outro lado, eu acho – e acho mesmo – que a gente só faz bem o que a gente gosta. Acho que tem uma cadeia de desejo que tem a ver com paixão e movimento. E isso faz a pessoa andar, acontecer, entende? Não adianta você fazer aquilo que acha que vai dar dinheiro. Acredito que a pessoa não vai conseguir se posicionar ou ficam na mediocridade para baixo daquela profissão escolhida. Não é só o teatro ou a cenografia que podem ser elite, mas colocação e realização para todos só se a pessoa fizer bem aquilo que mexe com ela, que movimenta. É um movimento de dentro para fora.
Doris Rollemberg estará na 13ª Mostra Quadrienal de Praga exibindo seus trabalhos, e principalmente propagando o afeto expressivo de suas obras. A ideia de movimento – cinética – está na raiz do seu processo criativo. Doris, além de cenógrafa, é uma pensadora da arte brasileira, do teatro. Sem falar na educadora vocacionada que a habita, carregando nos olhos o brilho daqueles que sonham e transformam.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
QUAL VALOR CIVILIZA A GENTE?
Por Pedro Paulo Rosa
Revisão Textual: Paulo Cappelli
Foto: Pedro Paulo Rosa
O diretor, dramaturgo e ator teatral Amir Haddad dispensa apresentações. Com sua fala firme e pensamentos sábios, ele nos cede uma conversa em sua bela casa em Santa Teresa. Lá de cima, grande parte da heterogênea paisagem carioca pode ser testemunha da fala desse pensador do fazer teatro, do se tornar ator, cidadão, gente.
Falamos, dentre outros variados assuntos, sobre a maneira pela qual seu pensamento foi se aprimorando ao longo dos anos; a sua forma de enxergar o teatro mudou bastante. Haddad desistiu de fazer o teatro do “latifúndio cultural” e investiu no ator sem papel.
O HÉLIO: Como foi que o Amir escolheu a arte, o teatro. De que maneira começou este encontro?
Amir Haddad: Essa coisa de quem escolheu é bem complicada, né? É uma pergunta que se faz sempre, a todos os artistas e ninguém consegue explicar. Como é que se consegue explicar? (RISOS). Eu tenho sete irmãos, eu olho para eles e vejo que qualquer um deles poderiam ter feito o que eu fiz. Eles eram oradores dos clubes, dos Lions, sempre estavam numa atitude de intervenção dramática na comunidade em que viviam. Então, qualquer um deles poderiam ter vindo para cá. Eu me lembro quando tinha oito ou dez anos de idade, os professores da minha escola primária se reuniram para montar um espetáculo – não me lembro sobre o quê. E eu acompanhei isso e achei muito bonito. E é uma memória que me persegue sempre, nunca me abandonou. Então, eu imagino que aquilo tenha sido o inicio. Se eu quiser ter uma explicação, eu posso dizer que comecei ali.
O.H.:Veio para o Rio de Janeiro em que contexto?
Amir :Eu vim para o Rio vindo do Norte, de Belém do Pará. Eu dei meus primeiros passos na vida e no teatro na cidade de São Paulo. Comecei a trabalhar no momento de muita inquietação na vida cultural da cidade de São Paulo e de todo Brasil. Era um momento forte da burguesia querendo investir no teatro. Era um teatro que arrebatava a cidade, não havia televisão, e eu chego nesse clima, com uns catorze ou quinze anos. Isso em 1955, no período do Juscelino. Eu chego no momento quente de São Paulo e caio numa escola ótima, que era o Colégio Estadual Roosevelt, na rua São Joaquim. As escolas públicas eram referências. Todos queriam ir para as escolas públicas e era até difícil conseguir vaga, tinha de ter médias altas. Eu chegando do interior, àquele colégio me contaminou beneficamente muito depressa. As peças do Abílio Pereira de Almeida eram muito comentadas, causavam furor porque delatavam os escândalos da elite paulista. E São Paulo tinha dois milhões de habitantes na época...
O.H.:E você sente diferença entre o público carioca e o paulista?
Amir: Ah, eu acho que é bastante diferente São Paulo do Rio de Janeiro. Eu acho que, quanto mais a gente assumir essa diferença, é melhor para todo mundo, é melhor para São Paulo, para o Rio de Janeiro, para o Brasil. A minha escola chama-se Escola Carioca do Espetáculo Brasileiro. Se fosse em São Paulo, seria Escola Paulista do Espetáculo Brasileiro. Se fosse em Minas, Escola Mineira do Espetáculo Brasileiro. Eu ia trabalhar nas características da região: na cidade, na etnia, na cultura de cada lugar e principalmente colocando na frente a sexualidade de cada região. Não é a mesma coisa em todos os lugares. Você tá entendendo? Eu ia ter de trabalhar por ali. A sexualidade carioca é vital no meu trabalho. A sexualidade paulista é diferente da carioca, assim como a sexualidade do nordeste, da Amazônia etc. Cada região tem a sua sexualidade. Por mais que seja igual é diferente, por mais que seja diferente é igual. Nós trepamos diferente! Todo mundo não trepa igual! Cada um tem um jeito de trepar! Você pode falar que nós amamos diferente. Eu não posso fazer de conta que é tudo igual. Por exemplo, na sexualidade paulista, se tem muito mais branco, europeu, é outra natureza. Agora, você vê a sexualidade do povo amazônico, é uma coisa linda, maravilhosa! E no nordeste é outra! Como é que é a sexualidade entre os índios, entre os negros? Isso faz toda diferença! A gente não fala nisso porque é assunto tabu.
O.H.:Você parou para pensar nisso quando?
Amir: Eu venho pensando nisso, o meu trabalho vai caminhando nessa direção. Eu não estou falando de sexo, mas de sexualidade, entende? Quando eu me dei conta do que eu estava fazendo, foi como se eu estivesse tendo um lampejo, Pedro Paulo. Eu falei para mim: não quero mais fazer teatro evangélico. Eu não quero mais fazer e eu comecei a entender que eu não queria mais fazer o teatro da burguesia capitalista protestante. Que é o realismo com as suas variações, as suas vanguardas e tudo isso, você está entendendo? Então, de repente comecei a entender que a minha origem é mediterrânea. Que eu venho de lá seja por Portugal, seja pela Espanha, seja pelo mundo árabe que é o meu caso, quer seja pelo norte da África, pela Itália ou por todo o Oriente! Somos mediterrâneos! Nós viemos dali! E ainda misturados com os negros e os índios da América Latina. Nós somos mediterrâneos e ainda estamos vivendo sob este domínio forte do homem branco do Atlântico Norte. Que se coloca superior sobre nós daqui. E a gente sempre soube disso. Mas é que agora ficou mais claro de que maneira isso se dá. Então, eu não quero mais fazer o teatro do viking protestante do Atlântico Norte. Eu ainda pensei, “porra, o que eu vou fazer com o Shakespeare, com Beethoven?” Mas, aí, eu fui ver que as peças do Shakespeare onde ele investe mais amor, mais sexualidade, mais transformações são passadas em ambientes mediterrânicos. Agora, o teatro da burguesia tá acabando. As coisas acabam. O teatro Elisabetano durou cento e poucos anos, assim como o teatro espanhol também. A Commedia Dell’Arte durou 250 anos. Nós estamos completamente mudados e continuamos segurando um cadáver do teatro do século XIX!
O.H.:Essa burguesia seria o quê, quem, onde?
Amir: (RISOS) É o homem branco do Atlântico Norte, é o pensamento capitalista, é a religião protestante que impulsiona o capitalismo. Se não fosse o Lutero, as ideias capitalistas não seriam avançadas em tão rápido tempo. Ele coloca um paraíso a ser conquistado aqui na Terra. Ele inverte a questão; ele fala: quem tem dinheiro, é abençoado por Deus. E a Igreja Católica falava: quem tem dinheiro, não entra no céu. Então, Lutero modifica o olhar, o paradigma. Ele libera a humanidade para entrar no capitalismo ocidental apoiado por Deus. Então, você vê como isso é forte. Eu não quero fazer esse teatro da manipulação, do realismo. Teatro que não prevê o poético, porque é o teatro voltado para conquistas materiais. Não há espaço para outra coisa.
O.H.:Você, respondendo a uma pergunta sobre a função do artista, mencionou numa entrevista dada ao Vitor Pordeus, no dia 28/05/2010, que estamos vivendo num mundo sem valores. Para onde vamos se nós nos desencantamos com essa ausência de perspectiva?
Amir: Eu entendo a sua pergunta. Veja bem, eu não quero salvar nada desse mundo. Eu não quero salvar uma coisa que não tem futuro. Você olha para frente e vê que não tem futuro.
O.H.:Você olha para essa vista linda lá fora e não tem futuro?
Amir: (RISOS) Eu não quero salvar nada nesse mundo. Agora, isso não significa que eu tenha parado de viver. Quero começar um mundo novo agora. Vou trabalhando a favor das minhas ideias. O Nelson Vaz, amigo do Vitor Pordeus, diz que é pessimista em suas convicções, mas otimista em suas ações. E eu sou assim: pessimista nas minhas convicções e otimistas nas minhas ações. Porque não há como você parar de fazer suas coisas. O difícil é você, no seu minifúndio, ter que suportar a violenta invasão que é a tsunami cultural, que é o latifúndio cultural. Acho que nós já estamos mudando. Uma coisa quando começa a se deteriorar, já tem outra coisa boa nascendo em outro lugar. Há muita gente diferente no mundo. Agora, demorar, demora!...
O.H.:Você se desencantou com o comunismo?
Amir: Nunca fui um militante. Nunca. Isso me poupou de alguns desgostos, pode também ter me privado de algumas alegrias. Nunca fui ligado à nenhuma agremiação política ou partidária. Eu tenho um caminho que eu preciso fazer e eu o faço dentro das necessidades das minhas ideias. E, se você é ligado à partidos políticos, você tem tarefas, você tem que cumprir determinadas coisas. Eu imagino que haveria muita interferência em minha vida, como eu via em amigos meus, ligados à partidos, discutindo e fazendo um teatro de mensagem. E eu sempre quis discutir a questão da linguagem. Para mim, no momento, a linguagem é a coisa mais política de todas. A linguagem é o que me faz trabalhar, é o que me faz ir para o mundo, conhecer a identidade das pessoas!
O.H: Amir, o nosso processo civilizatório, digo, civilização ocidental, foi falido, interrompido?
Amir: Tenho certeza de que acabou! Qual é o nosso processo civilizatório? Qual o valor civiliza a gente? Que desenvolvimento civilizatório a gente tem que nos civilize e que nos eduque? A vitória maravilhosa do Obama matando Osama Bin Laden e a festa da morte?! É essa a educação que estamos recebendo. É esse o cenário nosso. Está civilizando? Nós não temos nenhum procedimento de qualidade social que nos aprimore. Por exemplo, um bom espetáculo de teatro, quando está tudo dando certo, o ator sai transtornado do outro lado. Ele sai melhorado, ele visita regiões superiores. Entende? Então, isso civiliza. Mas, você viver num mundo desorganizado como esse nosso é difícil. Não tem uma civilização que esteja caminhando a contento e que você possa dizer: estou crescendo com eles.
O.H:Não acha que o exercício de se visitar a cultura, no país, é escasso no costume dos brasileiros? Podemos ver que há programas culturais acessíveis, por vezes gratuitos, no CCBB (por exemplo).
Amir: Eu acho...(pensativo). Sabe que...eu tenho um caminho muito complicado, muito diferente. Fica difícil responder a essa pergunta porque para mim isso nunca foi a questão. Eu nunca esperei o público, eu vou para o meio da rua. Então, é diferente. Uma outra coisa que se impõe é que existe um investimento que precisa ser feito em artes públicas. Me interessa investimentos públicos em artes públicas. Isso enriquece toda a coletividade de cidadania. Não é a venda de um produto. Você pode ter mais gente ou menos gente. O pensamento burguês esquarteja a arte. O que faz com que um quadro de Van Gogh curte 120 milhões de dólares, né? Mas, se você tem na cabeça um conceito de arte pública, em que a comunidade participa, em que há troca, a comunidade vai se interessar, porque a arte vai passar a ser o lugar onde ela canta, dança, representa. E não o lugar de mercado de trabalho. O conceito de arte pública exige investimentos públicos. Precisamos de estímulos, precisamos que a vida social seja encarada como manifestação cultural. Entende? Fazer o que fica soterrado no cinzento do dia a dia vir à tona como luz. E isso numa cidade como Rio de Janeiro não é difícil. Por que não se faz isso?
Mudando o assunto, Amir adianta para nós seus próximos trabalhos.
- Se tudo correr certinho, a partir de Julho, vou dirigir três espetáculos. É pauleira! Eu vou fazer, eu vivo disso. Mas eu não gosto de dirigir mais. Eu gosto de fazer supervisão, porque você só trabalha com o filé, com o artístico, com o sensível. Na direção, você enfrenta as dificuldades de uma grande produção. Esses futuros trabalhos são bem interessantes. Um é sobre a atriz Zezé Macedo, o outro projeto chama-se “Loucos por Amor”, de um autor americano. Há muito tempo não dirijo um texto americano. E o terceiro projeto é “Ary Barroso”, com o Diogo Villela. Falar do Ary Barroso pode ser uma coisa muito legal. Nós começamos a ensaiar em 15 de janeiro de 2012.
O.H.: Boal foi um grande amigo, não é, Amir?
Amir: Eu gostava muito dele. Ele tinha clareza, coragem, humor, lucidez. E fez um trabalho que se expandiu pelo mundo inteiro. Hoje, o trabalho do Boal é uma ferramenta útil a todos. Acho que a existência dele fortalecia a minha voz, eu me sentia mais forte com a existência dele. Com a morte dele, eu senti um vazio ao meu lado. Eu me sinto como uma única voz tentando, se esforçando para dizer as coisas. Junto com ele, a ressonância das nossas palavras e ideias eram maiores. Muita gente me confundia com ele. Nós nos conhecemos no teatro de Arena em São Paulo, na época em que fundamos o Teatro Oficina. Boal veio dirigir uma peça, a Incubadeira, do Zé Celso (Martinez). Foi a primeira peça do Oficina que apareceu mesmo, ganhou prêmio etc.
O.H: Qual seria a diferença entre a ideia do Teatro do Oprimido e o Instituto Tá na Rua?
Amir: É muito diferente, muito mesmo. Porque eu penso o espetáculo, eu o penso como uma organização moral de perfeita qualidade. E é um espaço a ser buscado e a ser atingido pelo ator. E esse resultado é transformador para quem faz e para quem assiste. Então, eu ainda me encontro no terreno da cultura, digamos assim. Não coloco o teatro a serviço de algo, a uma função, entende? Já o Boal usa o teatro e usa bem, de uma maneira inteligente e interessante, como capacidade de qualquer um representar. Todo mundo pode ser ator e é ator, até quem faz teatro. (RISOS) Mas, vou em busca de uma poética. E a visão do Boal é mais política. Tem horas que eu acho que ele é muito mais objetivo que eu, bem mais centrado. Ele conseguiu que o método dele existisse de maneira independente, qualquer um pode aplicar. Mas, isso não é o que eu quereria com o teatro. Eu quero pensar o teatro como linguagem. Além de usar o teatro como ferramenta para um novo mundo, me pergunto qual seria a linguagem desse novo mundo. Por isso que eu sou otimista nas minhas ações, embora eu observe o mundo e saiba que ele está uma merda.
O.H.: O artista tem de se posicionar politicamente na sociedade para ser
artista a serviço da arte?
Amir: Eu acho que não dá para você ignorar o seu papel na sociedade. Sempre que eu quero saber do ator, quero saber do ator sem papel. Geralmente, o ator se transforma no papel que ele representa. E o ator não consegue sair desse vício. Eu trabalho na ideia do ator sem papel. O ator com cidadania. Ao longo do espetáculo, o ator precisa estabelecer uma dinâmica entre o pensamento dele e o pensamento do personagem. É essencial que o ator tenha uma participação na sociedade, e não ignore a função dele. Agora, o ator precisa ter discernimento e não se deixar levar porque, daí a pouco, a inversão fatal que dá é que, antigamente, nós dançávamos para entrar em contato com os deuses. O teatro, originalmente, era um rito de celebração. Você vai nas moradas mais profundas da sua alma. Então, hoje, o perigo é o ator virar o deus. É quando o ator perde a noção total do seu ofício, que é quando ele se rende à tsunami, ao latifúndio cultural.
O.H.:Você acha que a TV ajuda a rarear esse discernimento que o ator precisa ter?
Amir: Acho sim, porque a TV acentua o tom industrial. O ator vende sua mão de obra para esse meio, e isso é muito determinante. Paga, às vezes, bem para uns, forma imagem...então, você tem que ficar fora do papel.
O.H.: O ator consegue se sustentar apenas do teatro?
Amir: Eu acho que não. Em alguns casos, o teatro sustenta. Por exemplo, a Clarice Niskier está há quatro anos com o espetáculo “A Alma Imoral”, supervisão minha. E ela praticamente tem vivido disso. Ela fica até final do ano em São Paulo e depois volta para o Rio de Janeiro. São casos isolados. Como teve também a Mônica Martelli, fazendo sucesso com o teatro. São certos fenômenos que são intensos, podem enriquecer uma pessoa. Agora, o teatro em si, o teatro que não está voltado para esse sucesso, o teatro que se pensa como atividade humana, esse não tem condição de sustentar. Se ele for obrigado a isso, ele se transforma em outro produto. Como hoje ocorre. Então, tem que ter políticas de apoio ao teatro. Os melhores artistas do mundo recebem grossas quantias financeiras dos Governos para promover a arte. Aquilo que disse, políticas públicas para arte pública. Nossas políticas públicas são para artes privadas! Não é falando a meu favor, mas o trabalho que faço – sozinho – há trinta anos investigando, pesquisando, fazendo as minhas aulas. Era para eu ter um apoio qualquer, e não tenho! Aqui no Rio não tem nada! Em São Paulo eles até dão um apoio por dois anos, depois renovam ou não.
O ator Gil Monteiro no Instituto Tá na Rua
O.H: O teatro pode acontecer em qualquer lugar?
Amir: Acontece, em qualquer lugar. E bem visível. No caso do Boal, por exemplo, pode ser invisível. O teatro está ali e as pessoas não sabem. O meu é bem visível, eu toco tambor e chamo para a função. E o Boal não. Essa é uma diferença muito grande, eu acho que o lúdico é essencial. Nós somos “desclassificados”. O teatro precisa recuperar a indignidade perdida. O aburguesamento do ator tirou dele a liberdade real dele falar do seu tempo. Então, em nome dessa dignidade burguesa, os atores foram cooptados, casando com nobres, incorporando valores sociais dos grupos a quem eles seguem. Uma das maneiras que me fizeram chegar ao pensar teatro como penso atualmente é recuperando a indignidade perdida, me despreocupar totalmente com a questão da forma para tentar resgatar o fluxo permanente, popular, desmontar o aparelho ideológico, que é a estrutura do afeto petrificado que a gente recebe. Nessa desmontagem, o ator precisa ser indigno, ou seja, ter liberdade com a sua fala, com o seu corpo e com a sua sexualidade. Me despreocupo com a forma e tenho um grande comprometimento com o conteúdo.
O.H.: Qual o seu apoio teórico para organizar tantos pensamentos? É simpático ao Walter Benjamin e a sua teoria sobre a figura do narrador?
Amir: Claro que o Benjamin acabou entrando na minha vida por causa dessas coisas todas bacanas que ele fala sobre o narrador. Eu trabalho muito com a ideia do narrador e eu sou um narrador. O próprio Peter Burke é um outro grande diálogo teórico. Gosto muito do que ele fala. Brecht é inevitável na minha vida. Mas também, só depois que eu fui para a rua que revisitei melhor o pensamento de Brecht. E outro é o Shakespeare, ele fala de teatro em todas as peças dele. Ao mesmo tempo em que ele está falando daquela linguagem, ele está encantado com a possibilidade do mundo inventado através do teatro. O espetáculo elisabetano, além de popular, era muito poderoso. São pequenas fontes que você pode sorver das águas delas eternamente, mas, por exemplo, eu poderia sair dizendo que foi o Dom Quixote quem me influenciou ou a Divina Comédia. Mas, não, o que me foi indispensável na consolidação do meu pensamento e maneira de trabalhar foram duas peças: uma, “Ricardo III”, de Shakespeare e a outra“ Galileu, Galilei”, de Brecht. Porque é o tipo de discussão onde baseio meu pensamento sobre o ator, sobre teatro, sobre o mundo, e passo por questões básicas que é o saber e o poder. A relação que se fazia no teatro, para mim, era e é muito piramidal e replica o pensamento dominante. Então, a questão do poder foi muito importante. Imediatamente, o que penso é em horizontalizar as relações no teatro. Não precisa ser ator para ser cidadão e para se ter opinião, isso faz bem a qualquer um.
O atual grupo de atores do Tá na Rua ensaiando
O.H.:Complicado isso em tempos de indústria forte televisiva, não?
Amir: Ah sim, muito... Opinião só no minifúndio cultural. Os tempos de hoje são de tsunami cultural, uma invasão acelerada de coisas incapazes de criar opiniões. No momento em que você começa a desmontar a questão do poder, as pessoas começam a ter opinião e a gerar o saber. Essas duas ideias, do saber e do poder, estão no meu pensamento. Quero quebrar na linguagem, modificar esse rito verticalizado. Então, essas duas peças; O “Ricardo III” é o poder acima do saber. E a outra, “Galileu, Galilei” é o saber sem nenhum poder. A partir daí, eu parei de beber nas fontes psicologistas, do homem branco. Atualmente, minhas fontes são totalmente brasileiras. É a cultura religiosa, o futebol e o carnaval. É onde o meu teatro bebe. Tudo o que eu faço na rua tem isso. E os meus espetáculos de palco também têm isso. Eu horizontalizei essas relações que antes se davam de modo verticalizado no teatro. Hoje em dia a classe artística não tem pacto social, a gente tinha um contrato com o país, de pensar o Brasil. Os vinte cinco anos de Ditadura mais o Neoliberalismo foram muito ruins.
O.H.:Instituto Ta na Rua. Como nasceu esse grupo?
Amir:Na verdade, eu nunca pensei em ter um instituto. Sou muito desorganizado para isso. Mas, o nosso trabalho foi ganhando uma forma e um alcance muito grande, e precisamos organizar o Instituto. A gente lida muito com as questões da educação e da cidadania. É uma preocupação com educação, nosso trabalho é uma pedagogia. O Instituto é a configuração de uma prática que eu vinha exercendo. A gente ocupa o espaço que a gente pode ocupar. De qualquer maneira, temos um escritório na Avenida Rio Branco que a FUNARTE nos empresta e, desde a época do Brizola, temos um comodato estabelecido com o imóvel da Casa Ta Na Rua, na Lapa. Mas, não temos mantenedores. Temos apoiadores.
O.H.: Sobre a UNIRIO, qual foi sua relação com essa instituição?
Amir: Eu fui professor do Conservatório Brasileiro de Teatro, atual UNIRIO. Era o prédio da antiga UNE na praia do Flamengo. Fiz vários espetáculos ali no teatro incendiado, durante muitos anos. Era a marca da Ditadura. Agora, falando sobre educação: a formal não é boa e a técnica limita o horizonte. Então, as elites sempre recebem uma formação mais interessante, humanística e a classe empobrecida recebe a educação técnica para servir às elites, consolidando essa estratificação social. Ao mesmo tempo, o Brasil fez a escolha do capitalismo. Tem que produzir muito; tem que trabalhar para o patrão. Quem puder que escape disso. O teatro podia andar junto dessas educações enquanto assessoria cultural. Sem isso, tanto a educação formal quanto a técnica ficam ruins. Vale lembrar que a educação formal não permite que o Paulo Freire entre em cena. Então, são muitas questões. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa de mão de obra especializada para as suas indústrias e a educação técnica fornece esse profissional mais rapidamente. E o teatro melhora muito a relação interpessoal, a auto-estima etc.
O.H.: Você é uma pessoa religiosa?
Amir: Eu não sou religioso. Eu trabalho muito com a questão religiosa, porque ela é muito determinante. A cultura religiosa idem. A visão, por exemplo, que a religião afro faz do ser humano é muito interessante. Mais ainda do que a visão do protestante ou do católico. Eu gosto de falar que o teatro é um circo etéreo. Eu acredito numa possibilidade que é além disso aqui. E o teatro pode provocar isso. O espetáculo tem essa overdose do indescritível, mas você só chega ao indescritível através do escrito. Então, nunca estou longe do etéreo nem duvido do desconhecido. No meu trabalho se fala muito das religiões e do Candomblé, principalmente. Meus atores não incorporam, eles manifestam. Eu não gosto de ator que traz para o corpo dele o personagem. Gosto de ator que manifesta o personagem no espaço e deixa para o espectador ver. Lá no Ta na Rua, tem uma parte de aula que é só formação e outra que é de ensaios e apresentações. A faixa-etária é diversa e não temos nenhuma pré-condição para trabalharmos, é só o desejo, a vontade de fazer. Agora, é complicado a manutenção de um grupo de trabalho. Eles precisam ganhar dinheiro, fazer a vida deles. O Instituto não tem estrutura para dar essa estabilidade para eles.
Tá na Rua ensaiando para o espetáculo sobre Santo Antonio
O.H.: Você tem algum pensamento ou frase que carregue na sua vida para sintetizar?
Amir: Eu gosto de um do Shakespeare: “O ressentimento é um veneno que você toma querendo matar os outros”. É bom demais, né? Eu faço o possível para não ficar ressentido, é ruim demais. O Shakespeare é foda, né? Ele fala de tudo! (RISOS).
Qual o valor nos civiliza? Amir certamente sabe qual é e caminha ao encontro de novas linguagens para construção de um mundo novo através do teatro.
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